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A integração de cuidados de saúde, o modelo de financiamento e a contratualização

Figura 11 ‐ The Innovative Care for Chronic Conditions Framework (ICCCF) (WHO, 2002) 

2. M ODELOS E DIMENSÕES DE ANÁLISE , ACTUAÇÃO E AVALIAÇÃO EM 

2.3 A integração de cuidados de saúde, o modelo de financiamento e a contratualização

As  mudanças  nos  padrões  actuais  da  procura,  resultado  do  peso  cada  vez  maior  da  doença  crónica,  conduzirão  ao  desenvolvimento  de  novos  modelos  de  prestação  de  cuidados  em  ambulatório,  mais  eficientes e ajustados às necessidades actuais dos utentes. E esta revisão dos actuais modelos de prestação  de cuidados requer uma atenção especial sobre os sistemas de pagamento aos prestadores de cuidados de  saúde (Hofmarcher et al., 2007), o que se acredita ser um dos instrumentos que podem garantir mudanças  mais rápidas, muito pela forma como os fluxos financeiros influenciam as relações que se estabelecem em  todo o sistema de saúde e como podem condicionar a eficiência, a qualidade e a coordenação na prestação  de cuidados de saúde. Os incentivos financeiros podem estar direccionados para determinados processos  ou  resultados,  mas  importa  recordar  que,  tratando‐se  de  doentes  crónicos,  o  processo  é  bem  mais  complexo  e  envolve  muitos  profissionais  em  diferentes  níveis  de  cuidados  e  até  em  diferentes  sectores   (Busse et al., 2010). 

Comecemos  por  analisar  os  mecanismos  de  financiamento  e  as  relações  que  se  estabelecem  a  este  nível  entre os vários stakeholders do sistema de saúde (Figura 21). 

  Figura 21 ‐ As relações financeiras entre os stakeholders do sistema de saúde (Busse et al., 2010) 

Nesta nossa análise vamos concentrar‐nos nos incentivos aos prestadores (D na Figura 21). Nos pagamentos  aos  médicos,  é  possível  distinguir:  pagamentos  baseado  no  acto,  salário  e  capitação  (Barros  &  Gomes,  2002).  No  sistema  de  pagamento  baseado  no  acto,  remuneram‐se  os  serviços  que  o  recurso  produz,  existindo uma grelha de pagamentos, e é possível distinguir dois tipos de casos, incluindo ou não os custos  fixos (e.g. equipamento clínico na radiologia). No caso do pagamento baseado em salários, remunera‐se o  recurso em si mesmo, ou seja o tempo por ele despendido. Neste caso, o médico trabalha dentro de um  horário estipulado previamente definido e pode acumular outras actividades. No pagamento por capitação,  está  em  causa  a  responsabilidade  pela  saúde  do  doente,  podendo  existir  dois  tipos  de  pagamento  por 

capitação:  a  responsabilidade  pela  saúde  da  população  por  um  dado  período  de  tempo  ou  a  responsabilidade pelo tratamento de um episódio de cuidados, este último a situar‐se entre o pagamento  baseado no acto e a capitação.  

Estes  tipos  de  pagamento  podem  ser  também  agrupados  em  sistemas  de  pagamento  retrospectivo  (pagamento  baseado  no  acto)  e  prospectivo  (salários  e  capitação).  Nos  sistemas  de  pagamento  retrospectivo,  baseados  no  acto,  estudos  demonstram  que  há  maior  liberdade  clínica  na  prestação  de  cuidados  e  maior  continuidade  de  cuidados,  o  que  pode  resultar  num  número  maior  de  consultas  por  doente do que no caso dos médicos assalariados.  O risco é o do encorajamento da procura pelos próprios  prestadores. Acredita‐se também que, num sistema de pagamentos baseados no acto, os médicos delegam  menos  tarefas  para  outros  prestadores  de  cuidados,  nomeadamente  os  enfermeiros,  do  que  se  fossem  assalariados ou pagos por capitação. Nos sistemas de pagamento prospectivo, oferecem‐se incentivos aos  médicos  para  controlar  a  despesa  e  para  introduzir  medidas  preventivas  na  prestação  de  cuidados.  No  entanto,  este  tipo  de  pagamento  pode  levar  os  médicos  a  reduzir  o  tempo  das  consultas,  a  diminuir  a  qualidade no atendimento, a selecionar os doentes mais rentáveis ou até a enviar demasiados doentes para  os hospitais. O que actualmente se defende, em virtude de nenhum dos sistemas actuais ser o  ideal, é a  procura de soluções que passem pela combinação dos dois sistemas, retrospectivo e prospectivo. O que se  tem verificado na Europa é que países com sistemas de pagamento baseados no acto têm vindo a optar por  alguns mecanismos de regulação no sentido de alterar os comportamentos dos médicos, nomeadamente  alterando  o  valor  relativo  de  alguns  serviços  de  diagnóstico,  introduzindo  protocolos  de  cuidados  que  especificam  os  procedimentos  médicos,  métodos  de  diagnóstico  e  medicamentos  para  condições  específicas de saúde, sancionando a sobre‐utilização de alguns procedimentos ou responsabilizando estes  profissionais por orçamentos para medicamentos. A definição de objectivos orçamentais ou a imposição de  limites aos orçamentos são também formas eficazes de controlar os custos globais. Os países com sistemas  de pagamento prospectivo tendem a utilizar, para além dos sistemas de pagamento existentes, capitação e  salário, prémios financeiros diretos para incentivar uma linha de ação particular, medidas cujos resultados  são  ainda  difíceis  de  prever.  O  recurso  a  prémios  ou  a  penalizações    pode  também  ter  como  objectivo  influenciar  os  padrões  de  referenciação  de  doentes,  nomeadamente  dos  cuidados  primários  para  os  hospitalares,  procurando  minimizar  referenciações  desnecessárias.  Não  existe  ainda,  no  entanto,  um  consenso  acerca  da  combinação  óptima  destes  dois  sistemas,  já  que  o  reembolso  prospectivo  pode  conduzir ao sub‐tratamento e à seleção de risco e o sistema retrospectivo a práticas inconscientes do ponto  de vista dos custos (Barros & Gomes, 2002). 

Também  segundo  Pisco  (2008)  não  existe  um  método  irrepreensível  de  pagamento  aos  médicos  pelos  benefícios e perversões que todos comportam, sendo, no entanto, possível, em teoria, analisar e prever as  consequências  de  determinadas  opções  e  estabelecer‐se  alguns  mecanismos  corretivos  ou  até  pagar  através  de  métodos  mistos.  Dá  ainda  como  exemplo  um  conjunto  de  possíveis  componentes  na 

remuneração,  por  exemplo  do  médico  de  família,  concretamente:  remuneração  base  (um  valor  fixo);  capitação (relação com o número de cidadãos e características); remunerações circunstanciais (e.g. turnos,  cargos  de  gestão,  orientação  de  formação);  pagamentos  por  acto  (e.g.  domicílios,  actos  de  pequena  cirurgia)  e  outras  compensações  (e.g.  adicional  compensatório  pela  prestação  de  cuidados  em  locais  inóspitos  ou,  em  virtude  da  demografia,  quando  o  médico  pode  ser  prejudicado  na  fração  capitação).  Segundo  este  autor,  o  peso  de  cada  uma  das  componentes  deve  variar  consoante  o  enquadramento  do  trabalho  do  médico,  e  a  as  componentes  a  utilizar  devem  ser  definidas  por  forma  a  favorecer  a  continuidade  e  a  acessibilidade  de  cuidados  de  saúde.  Não  deixa,  no  entanto  de  recordar  que,  a  este  respeito, a formação ética e o sentido de responsabilidade dos médicos serão sempre os determinantes da  resposta a estes incentivos. 

Relativamente  ao  pagamento  da  actividade  hospitalar,  esta  pode  assumir  várias  formas.  Dentro  dos  pagamentos retrospectivos, existe o pagamento baseado no acto, pagamento por diária e pagamento por  caso clínico. Nos pagamentos prospectivos, incluem‐se o pagamento por orçamento global e por capitação.  No  caso  do  pagamento  baseado  no  acto,  tal  como  já  foi  referido,  remuneram‐se  os  serviços  ou  actos  produzidos,  cujo  número  determina  os  recursos  que  são  disponibilizados  ao  hospital.  A  principal  desvantagem deste sistema é o risco de sobre‐prestação de cuidados. No pagamento por diária, este pode  corresponder  a  um  incentivo  a  internamentos  mais  prolongados,  que  favorecem  financeiramente  o  hospital,  não  sendo  um  sistema  muito  utilizado.  No  pagamento  por  caso  clínico  tratado,  existem  duas  tipologias: por episódio clínico e por doente saído. Existe, neste caso um incentivo ao aumento do número  de admissões e, dada a grande variedade de problemas médicos tratados no hospital, pode não existir uma  relação entre o pagamento que é feito e os custos desse mesmo tratamento. Se o pagamento não for feito  apenas por doente saído mas por ajustamento pelo case‐mix, o sistema de pagamento é mais complexo,  obrigando à produção e análise de informação detalhada sobre a actividade hospitalar e os seus custos. No  pagamento por orçamento global, define‐se um valor agregado para um dado período de tempo, de forma  a cobrir as despesas do hospital. Desta forma, pretende‐se incentivar a eficiência na utilização dos recursos  disponíveis,  sendo  bastante  flexível  na  forma  como  os  recursos  são  distribuídos.  O  que  muitas  vezes  acontece  é  que  o  pagador  não  consegue  fazer  cumprir  esse  mesmo  orçamento global,  desvirtuando‐se  o  princípio que está na origem da sua criação. Na determinação do valor do orçamento global, é importante  que  os  valores  sejam  realistas,  o  que  implica  alguma  sofisticação  técnica    e  que  o  cumprimento  do  orçamento  não  se  consiga  à  custa  da  redução  da  qualidade  assistencial.  No  sistema  de  pagamento  por  capitação,  especifica‐se  um  conjunto  de  serviços  de  saúde  a  serem  prestados  a  uma  população  determinada e um valor fixo por pessoa coberta para um determinado período de tempo, normalmente um  ano.  A  opção  por  este  sistema  de  pagamento  obriga  ao  levantamento  das  necessidades  de  saúde  da  população  abrangida  e  envolve  um  risco  operacional  para  o  prestador,  decorrente  da  possibilidade  de  desenvolvimento de condições clínicas adversas em cada indivíduo. O hospital tem ainda um  incentivo para  garantir a saúde global da sua população, procurando minimizar a necessidade do seu recurso ao hospital, 

podendo  levantar‐se  também  aqui  questões  relacionadas  com  a  qualidade  dos  cuidados  prestados.  Em  alguns  países  da  União  Europeia,  temos  assistido  a  uma  mudança  dos  sistemas  de  financiamento  dos  hospitais,  de  retrospectivos  para  prospectivos,  combinados  com  pagamentos  associados  à  actividade  (Barros  &  Gomes,  2002).  Os  maiores  riscos  associados  aos  sistemas  de  pagamento  prospectivos,  nos  hospitais, estão relacionados com a possibilidade de sub‐prestação de cuidados de saúde, bem como com a  eventual  redução  das  diárias,  abaixo  do  que  seria  clinicamente  desejável.  Também,  no  que  se  refere  à  possibilidade de definir o pagamento em termos de capitação anual, é mais difícil a operacionalização do  conceito  de  ganhos  em  saúde  como  uma  medida  de  resultado,  já  que  não  é  fácil  validar  anualmente  o  estado  de  saúde  de  cada  membro  da  população  e  do  contributo,  por  exemplo,  do  hospital,  para  isso  (Barros, 2009). 

Para  Barros  (2009),  o  financiamento  deveria  ser  definido  de  forma  integrada  para  hospitais  e  centros  de  saúde, protegendo e dando prioridade às componentes de promoção da saúde e da prevenção. A manter‐ se a autonomia na gestão dos cuidados primários e secundários, este autor sustenta que deveria haver um  fluxo  financeiro  associado  à  referenciação  de  doentes,  sendo  o  valor  de  referência,  não  o  custo  de  tratamento nos cuidados primários, mas sim o custo de tratamento no hospital. Concretamente, isto pode  corresponder à atribuição de um orçamento aos CSP, para que estes comprem alguns cuidados hospitalares  para os seus doentes. No caso dos cuidados primários serem pagos por capitação, a título de exemplo, estes  pagariam  ao  hospital  um  valor  por  cada  cidadão  que,  não  tendo  obtido  resposta  nos  CSP,  recorresse  ao  serviço de urgência e aí recebesse a classificação azul ou verde, quando sujeito à triagem de Manchester.  Deveriam ainda, segundo este autor, existir linhas de financiamento específicas para programas de resposta  integrada a doentes crónicos, o que pressupõe a definição clara dos doentes abrangidos, com mecanismos  de estratificação do risco e de tipificação das suas necessidades. 

Parece  existir  uma  relação  importante  entre  os  sistemas  de  pagamento  e  os  comportamentos  dos  prestadores  de  cuidados  e  importa,  por  isso,  avaliar  o  potencial  dos  modelos  de  financiamento  na  integração de cuidados de saúde. Os sistemas de pagamento baseados no acto tendem a elevar os padrões  da qualidade na prestação de cuidados, mas podem também incentivar a sobre‐prestação de cuidados. Por  outro  lado,  os  salários  e  os  sistemas  de  pagamento  por  capitação  podem  originar  sub‐prestação  de  cuidados e o aumento das listas de espera, podendo também conduzir a um aumento da referenciação de  doentes para cuidados especializados, nos hospitais. Procurando minimizar os riscos da sobre‐prestação, os  países  da  OCDE  têm  vindo  a  optar  por  sistemas  de  pagamento  mistos,  nos  vários  níveis  de  cuidados,  combinando  pagamentos  baseados  no  acto,  capitação  e  salários.  Acredita‐se  que  estes  sistemas  mistos,  combinados, resultarão em maior coordenação de cuidados, nomeadamente pelo potencial de partilha de  riscos relacionados com os custos inerentes à prestação de cuidados. Difícil será desenhar um sistema que,  por um lado, não incentive a sobre‐prestação de cuidados para além do que é essencial e que, por outro  lado, não ponha em causa a qualidade assistencial (Hofmarcher et al., 2007).  

O  financiamento  é,  também,  uma  dimensão  central  no  modelo  de  Gestão  Integrada  da  Doença,  recomendando‐se  aí  a  adopção  de  pagamento  “por  preço  compreensivo”,  próximo  dos  modelos  responsabilizantes de pagamento por resultados. Esta opção de pagamento traduz‐se na definição de um  valor  médio  por  doente  para  um  período  de  tempo  determinado,  e  que  abrange  um  conjunto  de  actos  clínicos,  medicamentos  e  outras  actividades,  podendo  integrar  especificidades  de  alguns  grupos  de  doentes. Pretende‐se, desta forma, que o financiamento seja, ele próprio, capaz de atenuar algumas falhas  na gestão dos cuidados de saúde inerentes a outras opções, nomeadamente: o financiamento ao acto, que  é  alheio  aos  resultados  obtidos;  as  deficiências  no  controlo  de  custos;  a  fraca  cultura  de  partilha  de  responsabilidades; a fragmentação na prestação de cuidados de saúde; e a ausência de um corpo coerente  de informação sobre os utentes, quer do ponto de vista clínico quer económico‐financeiro. Este modelo não  tem estado, no entanto, isento de críticas, nomeadamente o risco de seleção adversa de doentes, a sub‐ prestação  de  cuidados  e  a  restrição  de  introdução  de  inovações  terapêuticas.  A  contrapor  estes  argumentos,  defende‐se que o foco deve estar cada vez mais nos resultados, apesar da importância dos  processos,  e  que,  uma  vez  que  as  componentes  do  preço  passam  a  ser  conhecidas,  o  resultado  será  um  comportamento  mais  racional  dos  prestadores,  que  adoptarão  apenas  as  inovações  que  garantam  uma  melhor  relação  custo‐efectividade.  Também  a  incorporação  de  mecanismos  de  auditoria  e  monitorização  serão fundamentais, acredita‐se, para a não distorção do modelo (Escoval et al., 2010).  

A utilização de incentivos financeiros particularmente dirigida à coordenação de cuidados é praticamente  inexistente  em  países  da  OCDE,  embora  se  admita  que  a  coordenação  de  cuidados  de  saúde  consuma  tempo, um recurso que deve ser também remunerado. A coordenação de cuidados envolve a comunicação  com o utente, bem como a articulação com outros prestadores de cuidados, que poderão ser oriundos de  outros  sectores  para  além  da  saúde,  nomeadamente  do  sector  social.  Alguns  estudos  empíricos  revelam  uma  relação  entre  o  tempo  despendido  com  o  utente  e  os  sistemas  de  pagamento  aos  prestadores  de  cuidados e que, concretamente os médicos de família tendem a despender menos tempo com os doentes  se  forem  pagos  por  capitação,  por  comparação  com  países  onde  a  opção  recai  nos  salários  ou  no  pagamento por acto. Existem já alguns resultados que demonstram que, nomeadamente nos CSP, modelos  de pagamento que combinem salários ou capitação com pagamentos baseados no acto parecem incentivar  a  coordenação  de  cuidados,  sendo  que  esse  impacto  será  maior  se  os  pagamentos  baseados  no  acto  remunerarem  concretamente  as  actividades  relacionadas  com  a  coordenação.  Apenas  num  número  reduzido de países da OCDE se responsabilizam os prestadores de cuidados, e concretamente os CSP, pelo  orçamento integral dos utentes, um mecanismo que, através da adopção de uma perspectiva mais integral   e  integrada  do  processo  de  prestação  de  cuidados,  permite  a  estes  profissionais  controlar  a  despesa  inerente  a  um  dado  episódio  de  cuidados.  Estudos  revelam  ainda  que  a  referenciação  dos  utentes  para  cuidados  especializados  aumenta  bastante  quando,  nos  cuidados  primários,  os  prestadores  não  são  confrontados com orçamentos e preços de uma forma explícita (Hofmarcher et al., 2007).  

No  contexto  hospitalar,  interessa  também  avaliar  o  impacto  dos  modelos  de  pagamento  no  padrão  de  encaminhamento de doentes que de alguma forma traduz o grau de preocupação neste nível de cuidados  com a sua integração. O desenho de sistemas de pagamento que favoreçam a integração de cuidados e a  definição  dos  sistemas  mais  adequados  a  cada  um  dos  níveis  não  é  uma  tarefa  de  fácil  concretização,  e  importa também a este nível não esquecer os efeitos que poderão ter na definição de outras politicas de  saúde, nomeadamente no que respeita à equidade e ao poder de escolha dos utentes (Hofmarcher et al.,  2007).  A  evidência  disponível  sobre  o  impacto  dos  modelos  de  incentivos  aos  prestadores  no  que  diz  respeito  à  doença  crónica  é,  de  facto,  insuficiente,  podendo  no  entanto  ser  produzidas  algumas  considerações  que,  ressalvando  a  importância  da  sua  contextualização  aquando  do  seu  desenho  e  implementação, podem funcionar como um ponto de partida (Busse et al., 2010). São elas: 

 Existe  um  risco  de  uma  orientação  excessiva  para  os  mecanismos  de  controlo,  no  caso,  para  as  tarefas que são alvo de incentivos, daí que se sugira que, no desenho do modelo de incentivos se  evite  a  opção  por  um  número  demasiado  reduzido  de  objectivos,  para  garantir  que  o  objectivo  principal de melhoria da qualidade dos cuidados é efectivamente perseguido; 

 O  impacto  dos  incentivos  financeiros  não  é  igual  para  todos  os  prestadores,  daí  que  sejam  de  esperar  reações  distintas.  O  modelo  de  incentivos  terá  que  ser  pensado  atendendo  a  estas  diferenças;   Os modelos de incentivos mistos, que combinam diferentes modos de pagamento aos prestadores  parecem reduzir os efeitos perversos de cada uma das opções quando aplicadas isoladamente;   A dimensão dos incentivos é também muito relevante. Se, por um lado, alguns estudos sugerem  que uma percentagem significativa dos rendimentos deve ser variável para resultar em mudança  de comportamentos, incentivos excessivos podem ter o efeito perverso já referido atrás: um foco  excessivo dos prestadores nos objectivos alvo de incentivos; 

 As  teorias  motivacionais  sustentam  que  os  incentivos  financeiros  tendem  a  ser  menos  eficazes  quando se dirigem a grupos do que a indivíduos e isto porque o esforço individual tem apenas um  reflexo parcial nos benefícios do grupo, eventualmente com alguns elementos do grupo a serem  recompensados  na  mesma  medida,  e  com  menos  esforço  e  contributo  para  o  resultado  final  conseguido  pelo  grupo.  Como  consequência,  poderemos  ter  indivíduos  menos  motivados  para  melhorar a qualidade da sua prestação; 

 Por outro lado, os incentivos individuais podem limitar as possibilidades de cooperação entre os  indivíduos. Daí que a opção por equipas multidisciplinares de pequena ou média dimensão possam  ajudar a conseguir resultados mais positivos. 

 

A  contratualização  dos  serviços  insere‐se  também  num  conjunto  de  reformas  que  têm  vindo  a  ser  introduzidas nos sistemas de saúde dos países ocidentais, onde se destaca a introdução de mecanismos de  financiamento  relacionados  com  as  necessidades  em  saúde  e  dependentes  do  desempenho,  bem  como  uma maior autonomia organizacional dos prestadores. A contratualização surge, neste contexto, como um  mecanismo  que  define  as  funções  dos  vários  actores,  estabelece  a  partilha  de  riscos  e  clarifica  as  responsabilidades das partes, concretamente do financiador e dos prestadores. Não se pode, no entanto, 

deixar de referir a complexidade da tarefa da separação financiador‐prestador, muito pela dificuldade em  isolar a função pagamento/financiamento da função de regulação, sendo os mecanismos de financiamento  um poderoso sistema de incentivos em contexto de reforma da saúde. Outra razão para a complexidade da  contratualização no “mercado” da saúde, reside no facto da oferta em saúde ser ainda descontínua, apesar  dos  esforços  de  articulação  entre  os  prestadores,  em  torno  do  percurso  do  utente  no  sistema,  com  um  grande  poder  dos  grupos  profissionais.  Parte  da  actividade  de  prestação  de  cuidados  de  saúde  não  é,  também,  totalmente  previsível,  particularmente  no  que  respeita  a  dimensões  como  a  qualidade,  não  produzindo  muitas  vezes  os  outcomes  esperados  ou, tendo  o  impacto desejado,  este  pode  ser  alcançado  mas não com os custos previstos. Não se pode, no entanto, deixar de realçar a importância da utilização da  figura  do  contrato  na  relação  entre  financiador/regulador  e  prestadores,  já  que  é,  ele  próprio,  um  mecanismo  de  coordenação,  assumindo‐se  como  uma  alternativa  aos  modelos  de  sistema  de  saúde  integrados  e  hierarquizados,  privilegiando‐se  quer  critérios  mais  flexíveis  de  alocação  de  recursos  quer  a  explicitação  dos  compromissos  assumidos  pelas  partes,  com  o  objectivo  essencial  de  garantir  melhores  resultados em saúde  (Ferreira, Escoval, Lourenço, Matos, & Ribeiro, 2010). 

Outra  questão  muito  relevante,  e  que  nos  transporta  para  a  dimensão  da  contratualização  interna,  nomeadamente dos hospitais, é o facto de se considerar ser crucial a introdução de mudanças ao nível da  organização  das  próprias  instituições  e,  concretamente  nas  instituições  hospitalares,  que  pouco  parecem  ter evoluído no sentido de se ajustarem às novas realidades da procura, nomeadamente às mudanças nos  perfis  de  doentes  que  procuram  hoje  estas  instituições.  Considera‐se,  por  isso,  ser  de  primordial  importância a existência de unidades funcionais de natureza mais matricial (e.g. Departamento/Centro de  Responsabilidade), com um carácter agregador e com uma maior descentralização da gestão. Assim sendo, 

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