C APÍTULO III
4. O BJECTIVOS DO ESTUDO , METODOLOGIA E MODELO CONCEPTUAL PARA
ANÁLISE E AVALIAÇÃO DA INTEGRAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE
Constatando‐se carência, na literatura internacional, de um modelo predominante para avaliar o grau de integração de organizações prestadoras de cuidados de saúde, o que se defende que também resulta da falta de consensos e de definições entre os autores que se têm vindo a dedicar a este tema, neste trabalho é proposto um modelo conceptual para a análise e avaliação da integração de cuidados de saúde. Este estudo surge também como resultado da necessidade de existirem, em Portugal, instrumentos de avaliação da integração de organizações de saúde, bem como da sua aplicação, fazendo análises comparativas, consideradas também deficitárias em Portugal, nomeadamente com realidades articuladas, com situações passadas (antes e depois da criação das ULS), com realidades internacionais e relativamente a ganhos em saúde.
Neste capítulo expõe‐se a justificação para o trabalho empreendido, os objectivos que nortearam o estudo, as questões de investigação de partida, bem como a metodologia desenvolvida para lhes dar resposta. Apresenta‐se ainda o modelo conceptual para a análise e avaliação da integração de cuidados de saúde, bem como o conjunto de hipóteses que serão posteriormente confrontadas com os factos. Importa recordar que tanto o desenvolvimento do modelo conceptual como a formulação das hipóteses foram feitas em contínuo, praticamente até ao final da pesquisa. Concretamente, tanto o modelo conceptual que aqui é proposto neste capítulo, como as hipóteses que aqui são também apresentadas, são fruto não só da revisão bibliográfica efectuada como também do trabalho de campo cujos resultados começam a ser apresentados apenas no capítulo cinco.
Em termos de processo de investigação, a análise foi compreensiva, tendo sido a abordagem mais indutiva, na medida em que, após o desenvolvimento do modelo de referência, a construção do objecto e a análise das hipóteses foram realizadas em contínuo, quase até ao fim da pesquisa.
4.1 Justificação para o estudo, objectivos e questões de investigação
O SNS em Portugal é, tal como foi exposto, caracterizado por uma difícil coordenação entre níveis de cuidados, particularmente entre os cuidados primários e os cuidados hospitalares. Esta situação parece ter vindo a condicionar o acesso a determinados cuidados de saúde e pode estar a resultar na utilização inadequada dos serviços de urgência hospitalares, eventualmente vistos pela população como porta de entrada mais rápida no sistema.As dificuldades no acesso a cuidados de saúde, nomeadamente a determinadas consultas de especialidade, a exigência cada vez maior das populações em matéria de acesso e satisfação das suas necessidades de saúde e a importância de garantir a sustentabilidade financeira do SNS num contexto económico e social difícil e frágil são aspectos que têm contribuído para o surgimento de novas propostas de reforma do sistema de saúde português.
Um dos objectivos destas reformas, concretamente ao nível dos cuidados de saúde primários e hospitalares, é melhorar a articulação entre níveis de cuidados. Consequentemente, uma destas iniciativas levou à replicação do modelo de unidade local de saúde, cuja origem em Portugal remonta a 1999, com a criação da ULS de Matosinhos. No entanto, estas experiências concretas carecem de melhor compreensão e avaliação para que, sendo bem sucedidas, possam ser adequadamente implementadas em condições locais específicas ou, caso haja insucessos, as fragilidades possam ser identificadas, entendidas, corrigidas e, no limite, os modelos possam ser, justificadamente, abandonados.
Esta realidade expõe também a inexistência de um quadro estável de indicadores de avaliação de realidades integradas e clama pelo seu desenvolvimento e aplicação. E é neste contexto que nasce e se desenvolve este trabalho, com o qual se pretende dar um contributo a este nível.
O objectivo geral deste trabalho é, assim, desenvolver e propor um potencial modelo explicativo da realidade que se pretende estudar que, no caso concreto, se traduz numa proposta de uma metodologia para a análise e avaliação da integração de cuidados de saúde, que inclui um modelo de análise e indicadores de integração de cuidados de saúde.
Assim sendo, os objectivos específicos deste estudo são:
compreender os processos de integração de cuidados de saúde e quais os factores envolvidos; estudar a integração de cuidados de saúde (primários e hospitalares) num determinado contexto
em Portugal;
propor um conjunto de indicadores de integração de cuidados de saúde, e particularmente de cuidados de saúde primários e hospitalares, que permitam, na fase subsequente, avaliar e questionar o modelo de organização de unidade local de saúde;
avaliar resultados já obtidos com o modelo de unidade local de saúde, por comparação com o modelo tradicional de articulação entre cuidados primários e hospitalares, a funcionar de forma independente.
Concretamente, as questões principais a que se procurará dar resposta nesta investigação, são as seguintes: 1. O que é a integração de cuidados de saúde?
2. Quais os factores determinantes da integração de cuidados de saúde?
3. Como se caracteriza a experiência de integração de cuidados primários e hospitalares nas instituições em estudo?
4. Que indicadores serão adequados para avaliar a integração de cuidados de saúde e, concretamente a integração de cuidados de saúde primários e hospitalares?
5. O que se pode concluir sobre a integração de cuidados da análise do desempenho de dois casos integrados em modelos de organização da prestação distintos, em termos de efectividade e eficiência?
4.2 O processo de investigação
4.2.1 Abordagem compreensiva
Em termos de processo de investigação, a análise foi compreensiva, com uma abordagem mais indutiva, já que, depois de desenvolvido o modelo de referência, a construção do objecto e a análise das hipóteses foram feitos em contínuo, praticamente até ao final da pesquisa. Concretamente, as relações entre as variáveis com potencial explicativo do fenómeno são colocadas no “contexto da descoberta” (p. 22) e não no “contexto da prova” (p. 22) ainda que não se tenha recusado completamente a “ideia da prova, que só é acionada mais tarde quando são formuladas as primeiras hipóteses a partir de um contexto empírico já trabalhado” (Guerra, 2010, p. 23). Ainda, segundo Guerra (2010), no “contexto da descoberta” (p.23) procura‐se a formulação de conceitos teorias ou modelos assentes num conjunto de hipóteses que podem surgir quer durante quer no fim da pesquisa, sendo este mesmo contexto o “terreno de partida” (p.23) da investigação.
Relativamente à formulação das hipóteses, Guerra (2010) refere ainda que, para alguns autores, estas serão contraditórias e dispensáveis de acordo com a abordagem da análise compreensiva, enquanto que para outros isso acontece só na fase exploratória da pesquisa. Bertaux (1997) sustenta que, neste tipo de pesquisa, o investigador não necessita de verificar hipóteses definidas a priori, mas de construir algumas hipóteses não só sob a forma de relação entre variáveis, mas também sobre todos os elementos que permitem compreender como tudo funciona. Ainda segundo Guerra (2010), a lógica subjacente à análise compreensiva não é a da verificação das hipóteses, mas sim a de ajudar à construção de um corpo de hipóteses que constitui o modelo explicativo potencial de uma determinada realidade. Sustenta‐se assim
que o modelo conceptual, que resulta dos primeiros contactos exploratórios no terreno e da revisão bibliográfica, deve ser entendido como “a representação hipotética do que se pensa existir na realidade” (Guerra, 2010, p. 39), ou seja, o modelo explicativo potencial. Desta forma, não existe uma elaboração de hipóteses de pesquisa no sentido tradicional do conceito, em que estas assentam numa relação linear entre variáveis e na procura de regularidades. E esta recusa da procura de regularidades implica deixar de lado a procura das causas dos fenómenos sociais, já que as metodologias compreensivas se ocupam de universos sistémicos e complexos onde as variáveis (dinâmicas) identificadas são, em simultâneo, causa e efeito dos dinamismos de umas e outras, sustentando‐se assim que não há determinantes causais entre variáveis. A noção de causalidade assume, aqui, um significado particular, muito mais relacionado com a ideia da interdependência do que com a procura de um factor gerador de um dado fenómeno. Este tipo de investigação enquadra‐se assim na análise de “processos e de dinâmicas” (Guerra, 2010, p. 39) subjacentes a determinada realidade, procurando‐se interpretar o sentido das mesmas. Ainda, e assumindo este estudo um carácter eminentemente exploratório, a pesquisa poderia terminar com a contrução do modelo explicativo potencial. No entanto, neste trabalho, as designadas “hipóteses explicativas” (Guerra, 2010, p. 38), servem ainda o propósito de interrogar a realidade, de confrontar os conceitos com os factos, o que se fez a título exemplificativo, ou seja, de como o modelo poderá futuramente ser utilizado, depois de devidamente validado. Assim sendo, a análise comparativa que é feita neste estudo não assume um carácter definitivo.
De acordo com Guerra (2010), as etapas mais frequentes de realização de uma pesquisa qualitativa indutiva são: construção inicial do objecto de análise (revisão de literatura e primeiros contactos exploratórios); redefinição do objecto e construção conceptual do modelo de análise (revisão de literatura e entrevistas a informadores privilegiados) e a construção de um corpo de hipóteses/modelo explicativo potencial (interrogação da realidade).
Bertaux (1997) sustenta igualmente que qualquer pesquisa empírica se processa por diferentes fases, que vão do desconhecimento à descoberta, passando pela representação mental dos processos sociais, pelo seu confronto com os factos e observações, culminando com a exposição dessa representação com a finalidade de difundir o conhecimento. Propõe, desta forma, três estádios diferentes que correspondem a graus distintos de maturação da pesquisa, concretamente: exploração, análise e síntese.
Também a proposta de Quivy & Campenhoudt (2008) foi tida em conta neste trabalho, concretamente a sua proposta de três actos e sete etapas para o processo de investigação:
1. Os actos: a ruptura; a construção e a verificação;
2. As etapas: A pergunta de partida; a exploração; a problemática; a construção do modelo de análise; a observação; a análise das informações e respectivas conclusões.
Da integração das propostas destes autores, resultou, para este trabalho de investigação, o processo que a seguir se representa e clarifica: