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1 O PRIMEIRO ESPÍRITO DO CAPITALISMO A VERSÃO MARXIANA

1.5 A INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

jornada, ela foi limitada legalmente, desenvolveu-se um fenômeno tão ou mais perverso: a intensificação do trabalho9.

Com a redução da jornada, passou-se a exigir uma massa maior do trabalho num período do tempo mais curto, do que resulta uma “tensão maior da força de trabalho, um preenchimento mais denso dos poros do tempo de trabalho”.

A redução forçada da jornada, juntamente com o enorme impulso que ela imprime no desenvolvimento da força produtiva e a redução de gastos com as condições de produção, impõe, no mesmo período de tempo, um dispêndio aumentado de trabalho, uma tensão maior da

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No período pós-Napoleônico [...] os patrões tentaram primeiro exaurir as possibilidades de cortar os custos da mão de obra, estendendo as horas e cortando as taxas de salário em dinheiro. Durante a Grande Depressão (1873-96) os novos métodos tenderam a ser adotados mais rapidamente. Grosseiramente falando, o meio do século trouxe o começo da substituição da utilização do trabalho “extensivo” por “intensivo” [...] (HOBSBAWM, 2000, p. 360).

força de trabalho, um preenchimento mais denso dos poros do tempo de trabalho, isto é, impõe ao trabalhador uma condensação do trabalho num grau que só poderá ser atingido com uma jornada mais curta. Essa compressão de uma massa maior de trabalho num dado período de tempo mostra-se como uma quantidade maior de trabalho (Idem, p. 482).

O aumento do esforço a fim de compensar a duração reduzida era assegurado pelo capital através do pagamento de salário por peça. Passou-se a produzir ainda mais, devido a maior constância, uniformidade, atenção, exigidas pela velocidade da maquinaria. As pessoas labutavam mais “entusiasmadas” devido à possibilidade de sair mais cedo. Quanto mais velocidade das máquinas um maior número de mercadorias era produzido, e em menos tempo.

Ocorria frequentemente “que o fabricante, em sua pressa, acelerava demais o movimento. As quebras e o trabalho malfeito contrapesavam a velocidade, e ele era obrigado a moderar o ritmo da maquinaria”. Enquanto os trabalhadores “recebiam o mesmo salário e ganhavam 1 hora de tempo livre, o capitalista obtinha a mesma massa de produtos e poupava 1 hora de gastos com carvão, gás, etc”. Se antes um trabalhador cuidava, com ajudantes, de 1 máquina, com o aperfeiçoamento delas, agora manejava 2, 3 máquinas, sozinho. O que o trabalhador ganhava em tempo livre fora da empresa pagava com uma atenção, tensão e concentração redobradas, pois as consequências dos “descuidos”, dos “erros” eram os acidentes e, muitas vezes, a morte (Idem, p. 483-485, 486, 488, 489).

A prova de que o trabalho aumentava progressivamente era que, apesar da diminuição proporcional da quantidade de mão de obra, se elevavaa produção das mercadorias (Idem, p. 485-487).

Os inspetores reconheciam que a redução da jornada,associada aos constantes aperfeiçoamentos da maquinaria, provocaram uma intensificação do trabalho perniciosa à saúde dos trabalhadores. Documentos da época registraram, exemplificativamente, um excesso de mortalidade por doenças pulmonares (Idem, p. 489).

Não que o homem da classe operária em geral estivesse em boa forma física. Um século de industrialização primitiva o havia deixado "pequeno e sem cor, com a pele de rosto enrugada e sem vida quando estivesse atravessando os trinta anos" - R. Hoggart (HOBSBAWN, 2000, p. 272).

A maquinariaaumentou a exploração do capital sobre os seres humanos e a apropriação da vida deles, incluindo mulheres e crianças, através das longas jornadas ouda obtenção de quantidade maior de trabalho num espaço menor de tempo.

O trabalho sincronizadoà máquina exigia a adequação a esta no movimento uniforme e contínuo de um “autômato”. Todo trabalho na máquina exige instrução prévia do trabalhador para que ele aprenda a adequar seu próprio movimento ao movimento uniforme e continuo de um autômato (MARX, 2013, p. 492).

Assim, todas essas novas características e condições da sociedade industrial exigiam a instituição de direitos à proteção contra riscos anteriormente inexistentes.

Uma sociedade industrial criava a necessidade de novos direitos, que antes não haviam sido necessários; por exemplo, o direito à proteção no trabalho contra riscos que anteriormente não existiam, ou que poderiam ter sido considerados como insignificantes.

A pressão para fazer passar uma legislação protetora [...] surgiu principalmente da existência e das exigências das classes trabalhadoras (HOBSBAWN, 2000, p. 430, 431).

As crianças pequenas eram as principais vítimas dos acidentes nas máquinas, muitas vezes ao engatinharem por baixo delas, ainda em movimento, para varrerem o chão, sem qualquer medida preventiva ou equipamento de proteção.

É possível que as self-acting mules sejam máquinas tão perigosas quanto quaisquer outras. A maior parte dos acidentes ocorrem com crianças pequenas, e precisamente porque engatinham por baixo das

mules para varrer o chão, enquanto as máquinas ainda estão em

movimento. [...] Se os fabricantes de máquinas pudessem ao menos inventar um varredor automático, cujo uso dispensasse essas crianças pequenas de engatinhar por baixo da maquinaria, eles dariam uma bela contribuição a nossas medidas preventivas. Reports of Insp. of Factories for 31st October. 1866, p. 63 (MARX, 2013, p. 493).

O trabalho fabril era realizado em condições materiais que prejudicavam todos os órgãos dos sentidos: temperatura artificialmente elevada, atmosfera carregada de resíduos de matéria-prima, ruído ensurdecedor, ambiente lotado de máquinas.

Apontamos apenas as condições materiais nas quais o trabalho fabril é realizado. Todos os órgãos dos sentidos são igualmente feridos pela temperatura artificialmente elevada, pela atmosfera carregada de resíduos de matéria-prima, pelo ruído ensurdecedor etc., para não falar do perigo mortal de se trabalhar num ambiente apinhado de

máquinas, que, com a regularidade das estações do ano, produz seus boletins de batalha industrial (Idem, p. 497-498).

Com as modernas tecnologias surgiram novas fontes de acidentes que não existiam há vinte anos, tais como a velocidade aumentada da máquina, sua força maior e em constante acréscimo, o que exigia um nível excelente de atenção e concentração, que o cansaço e o esgotamento causados pelas condições de trabalho e de vida não lhe permitiam atingir.

Exigiam-se atenção, concentração, habilidade, destreza, rapidez, segurança no manuseio das máquinas. O menor descuido era pago com a perda de um membro do próprio corpo e, às vezes, com a própria vida. Muitos acidentes eram causados pela pressa doobreiro, pago por tarefa ou peça, em executar sua tarefa. Por imposição dos patrões, as máquinas deveriam estar em ininterrupto movimento, assim até sua limpeza realizava-se com elas ligadas, pois “cada parada de um minuto é não apenas uma perda da força motriz, mas de produção” (Idem, p. 498).

A economia que a máquina trouxe para os patrões não foi suficiente para que eles melhorassem as condições de vida dos seres humanos, as quais foram mantidas: roubo de espaço, de ar, de luz, de meios de proteção pessoal contra as circunstâncias do processo de produção perigosas ou insalubres, ausência de instalações destinadas a ampliar a comodidade (Idem, p. 498).

Os patrões consideravam os membros dos corpos dos operários como coisas sem importância que não justificavam a criação de leis de proteção contra acidentes.

Na primeira seção do Livro III, relatei uma recente campanha dos fabricantes ingleses contra as cláusulas da lei fabril voltadas à proteção dos membros da "mão de obra" contra a maquinaria perigosa para a vida. Bastará, aqui, uma citação extraída de um relatório oficial do inspetor de fábrica Leonard Horner: "Ouvi fabricantes falarem com inescusável frivolidade de alguns dos acidentes; a perda de um dedo, por exemplo, seria uma ninharia. A vida e as perspectivas de um operário dependem em tal medida de seus dedos que uma tal perda é, para ele, um acontecimento da mais extrema gravidade. Quando ouço tal palavrório insensato, costumo perguntar: suponhamos que o senhor necessite de mais um operário, e se apresentem dois candidatos igualmente capacitados à vaga, porém um deles não possua o polegar ou o indicador; nesse caso, qual dos dois o senhor escolheria? Eles nunca hesitavam em escolher o que tivesse todos os dedos. [...] Esses senhores fabricantes têm falsos preconceitos contra o que chamam de legislação pseudo filantrópica”. Reports of Insp. of Fact. for 31st Oct. 855, p. 6-7 (Idem, p. 499).

O mais característico de tudo isso é como o revolucionamento do processo de produção se realizou à custa dos cinco sentidos dos trabalhadores. Eles eram expostos a odores insuportáveis, causadores de náuseas, dispepsia, o pó e a sujeira que se desprendiam irritavam os orifícios da cabeça, provocavam tosse, bronquite, inflamação da garganta, dificuldade de respiração e também doenças de pele. Eram feitos verdadeiros experimentos como aqueles que os anatomistas realizam em rãs (Idem, p. 528, 529, 536).

A exploração da mão de obra feminina e infantil era mais terrível na manufatura que na fábrica porque, como naquela não foi substituída a força muscular por máquinas e facilidade no trabalho, havia mais exposição a substâncias tóxicas. E era ainda pior no trabalho domiciliar, pois nele não havia espaço, luz ou ventilação (Idem, p. 533).

As crianças e adolescentes eram submetidos a trabalhos muito pesados, inadequados, noturnos, realizados em excesso de jornada, em condições insalubres, sem conforto térmico, expostos a varíola e a outras epidemias, nos mais diversos ramos econômicos, alguns inclusive chamados de “matadouros”: manufaturas metalúrgicas, fundições de latão, fábricas de botões, oficinas de esmaltação, galvanização e laqueamento, encadernação de livros, cordoarias, salinas, manufaturas de velas e outras manufaturas químicas, tecelagens de seda, classificação de farrapos, mineração, produção de carvão, fabricação de tijolos, olarias, etc.

Em alguns afazeres, crianças de ambos os sexos eram empregadas a partir do sexto ou até mesmo do quarto ano de idade.Labutavam o mesmo número de horas dos adultos e, frequentemente, mais do que eles. Há registros de jornadas de 3 até 20 e de 4 às 21 horas. A jornada de 5 às 19 horas era considerada reduzida. Registra-se, ainda, a fabricação diária de 2 mil tijolos por moças que carregavam 10 toneladas de argila por dia, percorrendo um trajeto de 210 pés, por um aclive escorregadio de uma escavação de 30 pés de profundidade (Idem, p. 534-535, 537).

A legislação protegia apenas os trabalhadores formais e os inseridos nas fábricas. “A Lei Fabril de 1861 regulamenta a fabricação de rendas

propriamente ditas quando realizada à máquina, o que é a regra na Inglaterra” (Idem, p. 539).

Ocorre que também era precário o ambiente do trabalho realizado nos domicílios, nas casas de mestras ou por mulheres que trabalham em suas próprias casas, sozinhas ou com seus filhos, umas e outras igualmente pobres. O local era parte da residência privada, no qual as crianças começavam a trabalhar em média aos 5 ou 6 anos, às vezes menos (há registros de trabalho de crianças de 2 anos). As jornadas eram de 12 horas, podendo se estender até 16, 17 ou 18 horas, em espaço de 67 a 100 pés cúbicos, quando deveria ser de pelo menos 500 a 600 pés cúbicos. A fim de manter as rendas limpas, mesmo no inverno e com assoalhos de lajota ou ladrilho, as crianças deveriam trabalhar sem os sapatos. Adicione-se a isso o fato de a iluminação ser a gás, o que consumia o oxigênio do ambiente, tornando-o insalubre (Idem, p. 538- 540).

Nesse trabalho domiciliar, alguns dos locais de laboreram salas de estar comuns, “com a chaminé tapada para evitar correntes de ar, os ocupantes mantendo-se aquecidos, também no inverno, apenas por seu próprio calor animal”. Em outros casos, eram pequenas despensas, sem lareira, frequentemente superlotados, em que a poluição do ar era extrema. Acrescenta-se a isso o efeito nocivo dos canais de esgotos, latrinas, substâncias em decomposição e de outras imundícies que se acumulam nas vias de acesso a esses locais (Idem, p. 539).

Era também possível encontrar crianças amontoadas em espaços de 12 pés quadrados, a cumprirem jornadas de 15 a 24 horas por dia, a executarem trabalhos fastiosos, monótonos, insalubres, a usarem atenção e velocidade num nível tão alto que, “quando se lhes pergunta algo, jamais erguem os olhos do serviço por receio de perderem um só instante”.

Em Nottingham, é comum encontrar de 15 a 20 crianças amontoadas num cubículo de talvez não mais que 12 pés quadrados, ocupadas durante 15 das 24 horas do dia num trabalho por si mesmo extenuante por seu fastio e monotonia, executados nas condições mais insalubres possíveis [...]. Mesmo as crianças mais jovens trabalham com atenção redobrada e numa velocidade espantosa, quase nunca podendo descansar seus dedos ou movimentar-se mais lentamente. Quando se lhes pergunta algo, jamais erguem os olhos do serviço por receio de perder um só instante (Idem, p. 538).

Da mesma forma que se negava aos trabalhadores espaço, assim também ocorria com os alimentos minimamente necessários para vencer a inanição.

O mesmo doutor foi encarregado pelo delegado médico do Conselho Privado de investigar a situação alimentar das classes trabalhadoras mais pobres. Os resultados de suas pesquisas estão contidas no Sexto Relatório sobre Saúde Pública, publicado por ordem do Parlamento durante o ano em curso. Que descobriu o doutor? Que os tecelões da indústria de seda, as costureiras, os luveiros, os operários da indústria de meias, e assim por diante, não recebiam, em média, nem mesmo a ração de fome dos operários dos cotonifícios, nem mesmo a quantidade de carbônio e de nitrogênio estritamente necessária para impedir as moléstias decorrentes da inanição [...]. De fato, o trabalho em troca do qual se obtém ração de fome é, na maioria dos casos, excessivamente prolongado (MARX; ENGELS, 2014, p. 314-315).

Em algumas atividades, como no entrançado de palha, as crianças começavam a trabalhar com 3 ou 4 anos de idade, devendo trabalhar até a conclusão das tarefas exigidas, em jornadas que se estendiam até 10, 11, 12 horas da noite, em espaços de 12, 17, 18 e 22 pés cúbicos por pessoa, quando deveria ser de 300. As palhas cortavam seus dedos e suas bocas, com as quais os umedeciam constantemente (MARX, 2013, p. 540).