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3 O TERCEIRO ESPÍRITO DO CAPITALISMO DA DUALIZAÇÃO DO

8.3 AS NOVAS FACES DO ADOECIMENTO E A MORTE LENTA NO

8.3.1 A monetarização dos riscos e agravos à saúde Venda da saúde

Abstraem-se os riscos e o dinheiro passa a presidir as relações sociais, apenas importando o montante do salário no fim do mês. Impregnado pela ação ideológica da empresa, o indivíduo é levado a aceitar pagamentos pecuniários em vez de exigir a transformação das condições. As baixas remunerações tornam atrativo o recebimento dos adicionais (Idem, p. 179.)

A substituição da real proteção contra os efeitos da insalubridade ou periculosidade por pecúnia fere a dignidade dapessoa, que é objetivizada e encorajada a se arriscar para aumentar sua renda. Na insalubridade, a saúdeé minada pelo agente nocivo;na periculosidade, a vida é posta em um risco diante da possibilidade degrave sinistro;na penosidade, a integridade física e psicológica é exposta acima dos padrões gerais; nas horas extraordinárias, há sujeição à/ao fadiga, cansaço, esgotamento causados pelo labor além dos limites biológicos, favorecedores de adoecimentos e acidentes.

São fatores de insalubridadeos físicos, os químicos (biológicos), os consequentes da fadiga gerada pela atividade muscular e pelo esforço físico, e todas as condições que podem determinar cansaço, estresse psíquico e modificam o equilíbrio e o bem-estar psicofísico (monotonia, repetição, ritmos excessivos, responsabilidade).

As condições ambientais insalubres produzem dano físico e psíquico (ansiedades, neuroses). Estes últimos fatores não são abordados pela legislação nacional.Relacionam-se com a forma de organização da empresa capitalista, voltada para maximização da produtividade, provocadora dedoenças psicossomáticas advindas dastarefas monótonas, fragmentadas, que separam a concepção da execução, não criativas, sem conteúdo ou interesse para quem o realiza (REBOUÇAS, 1989, p. 67).

O ambiente insalubre é igualmente determinado pela organização e conduta empresarial, no tocante à/às/ao jornadas estabelecidas, exigências de horas extras elabor noturno, imposição de ritmos, cobrança de metas, pagamento de salários por produção etc., pois tudo isso provoca intoxicações.

A avaliação das condições deve considerar todos os fatores que obstaculizam o estado de bem-estar e a possibilidade de usar toda a sua potencialidade. Não se restringe a uma percepção negativa de saúde, bem como os adoecimentos e os acidentes não são as únicas consequências do trabalho.

8.2.2. A dogmática jurídica e suas implicações e efeitos. As incoerências no tocante à insalubridade

Já foi dito que a Constituição Federal de 1988, opondo-se ao modelo tradicional da higiene e segurança, marcadamente individualista e monetarista, insere o paradigma emergente151 no tocante à saúde e ao meio ambiente. Umadas incoerências persistenteé a manutenção, inclusive no âmbito constitucional, do sistema retributivo e compensatório aplicado aos adicionais. Considerando-se que as antinomias constitucionais devem ser superadas com base na teoria da unidade sistemática, constituiriam medida excepcional e transitória (remuneração transitória) na passagem de ambientes insalubres para ecologicamente equilibrados. Na realidade são instrumentos de monetização da saúde, adicionais do suicídio.

A proibição da atividade insalubre é a que mais atende a dignidade humana. Em seguida, outras soluções buscam, de algum modo, respeitar a vida. São elas: a) adoção de rigorosas medidas destinadas à eliminação total

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ou parcial dos fatores; b) proibição dessas atividades para determinados grupos de empregados (menores e mulheres); c) limitaçãoda jornada normal nesses serviços. O pagamento de um adicional visando a compensar pecuniariamente o indivíduo pelo dano a que está exposto (monetização dos riscos) é a medida que atende aos interesses do capital de comprar a força de trabalho e sua saúde, de modo a não interferir nos lucros (Idem, p. 68).

Pela Portaria do MTbPS n.º 491, de 1965, avaliavam-se as condições insalubres segundo critérios qualitativos, bem como fixavam-se medidas de proteção coletiva (substituição do processo, método ou produto nocivo; isolamento da fase capaz de causar doenças ou intoxicação; limitação do tempo de exposição; diluição do produto nocivo por meio de ventilação artificial ou sua remoção por ventilação local exaustora).

Posteriormente, a Portaria do MTbPS n.º 3.214, de 1978 introduziu, através dos limites de tolerância, a determinação quantitativa da insalubridade. Assim foi feito conforme as ideias neoliberais de que medidas favoráveis aos trabalhadores prejudicam empresas e devem sofrer restrições.

A modificação radical da forma de caracterização, de qualitativa para quantitativa, mais difícil de ser definida, foi estabelecida mesmo diante da insuficiência de recursos técnicos e humanos no Ministério do Trabalho, encarregado de fazer a verificação desses limites.

Ao lado da dificuldade de se medirem os limites de tolerância, do número pequeno de substâncias cujos limites estão definidos, o que restringe tecnicamente a classificação dos ambientes insalubres quando comparado com a classificação qualitativa, há o fato de que os limites de tolerância não são uma garantia. Representam uma estimativa dos níveis de segurança de exposição a um risco baseada na experiência industrial e nas investigações com humanos e animais. São medidas e referem-se ao trabalho médio e à jornada normal. Mas as pessoas não são iguais. Comem alimentos diferentes, fumam e seus estados de saúde variam. Nenhum limite de tolerância pode medir essas diferenças. O nível ótimo de exposição a uma substância perigosa é sempre o nível zero. Um limite de tolerância é um guia, não um número mágico sob o qual a saúde estará assegurada (Idem, p. 47-48)152.

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Para a determinação dos limites admissíveis utilizam-se critérios em que se consideram os efeitos para a saúde dos vários agentes nocivos. São efeitos: orgânicos (sobre diversos órgãos, como carcinogênese, mutagênese, efeitos sobre a fertilidade, a reprodução e embriológicos); funcionais (irritação; alterações funcionais dos órgãos; mudança de comportamento, como alterações das funções sensoriais, das funções nervosas superiores, dos reflexos condicionados e incondicionados; modificação do consumo de alimento; queda do peso corporal; bioquímicos (modificações das quantidades dos constituintes dos líquidos

Os limites de tolerância adotados foram copiados da legislação norte- americana, cuja definição levou em conta padrões ambientais, laborais e técnicos condizentes com o seu modo de vida, em tudo diferentes dos brasileiros.

Outras incoerências e violências à saúde constituem-se nos seguintes aspectos: a) caso exista mais de um fator de insalubridade, o indivíduo apenas receberá aquele referente ao de grau mais elevado, ficando os demais livres de qualquer incidência (monetização ou correção do ambiente); b) cabe ao prejudicado demonstrar apresença de níveis de exposição superiores aos limites de tolerância, que agora devem ser medidos pelos técnicos, e não ao patrão garantir condições seguras.

A insalubridade, na maioria dos casos, pode ser eliminada através da aplicação de boas práticas de engenharia ou da modificação organizacional. A primeira alternativa implica gastos não transformados em lucros e a segunda provoca redução na produção.

Torna-se possível a adoção das seguintes medidas: a) minimizar ou eliminar a contaminação do ar com projeto adequado de exaustão e ventilação forçada; b) substituir produtos tóxicos por outros menos nocivos; c) diminuir a vibração do piso e das paredes através da instalação de máquinas sobre amortecedores; d) reduzir a radiação por meio de blindagens adequadas; e) atenuar a insalubridade pela reduçãodas jornadas, automatização prioritária das áreas insalubres, substituiçãodo homem pela máquina nessas tarefas. Pode-se, ainda, intervir no projeto das máquinas, adequar seus controles e comandos ao homem, interferir na organização a fim de eliminar as causas das fadigas e das doenças físicas e mentais (Idem, p. 69-70).

Há íntima relação entre o risco de acidentes e doenças com jornada, ritmo e controle, labor noturno e de revezamento em turno, divisão ou parcelamento detarefas. A melhor forma de diminuí-los é reduzir a jornada, sobretudo a noturna e o revezamento, sem aumento do ritmo de produção e sem redução salarial. Por não eliminar a insalubridade, essa medida acauteladora não desobriga o empregador do pagamento do adicional de

orgânicos e das excreções; modificação da atividade enzimática; efeitos imunológicos; metabolismo das substâncias tóxicas); diversos (mal estar, alergia, narcose, dependência).

insalubridade e de periculosidade cumulativos e crescentes, com base nos salários brutos dos atingidos.

O uso do equipamento de proteção individual não neutraliza ou elimina o agente nocivo. A caracterização da insalubridade deve ser qualitativa, existente pela simples presença do agente ou condição nociva, e não quantitativa, através de medições dos limites de tolerância para verificar se estão abaixo ou acima do estabelecido legalmente.

A fiscalização dos órgãos governamentais - sobre as condições e ambientes das empresas -somente será eficaz com o acompanhamento do sindicato, em conformidade com a Convenção 148 da OIT153, pois, de forma geral, os Serviços Especializados de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMTs) e as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs) pautam suas atuações conforme os interesses patronais.

Todas as atividades econômicas, categorias de trabalhadores e coletividade são afetadas pela deterioração das condições, formas de organização e ambiente atingem. Um exemplo disso é o caso dos rurais, expostos à manipulação de agrotóxicos que, com a justificativa de matar as pragas nas plantações, poluem a água, a terra e o ar, contaminam os alimentos, as pessoas que os utilizam na produção, seus aplicadores e os animais. A contaminação de alimentos, dos rios e da atmosfera por agentes químicos e físicos ampliam os efeitos dos processos produtivos para fora dos ambientes estritos do trabalho.

Na luta pela saúde, faz-se necessária a percepção das conexões entre trabalho-doença-saúde. A organização, aliada às condições e ambientes físicos,são as principais causas de adoecimento e morte da classe trabalhadora.

A discussão da insalubridade não pode limitar-se aos agentes físicos, químicos e à sua quantificação através da fixação e obediência a níveis de tolerância arbitrados pelo Estado brasileiro. O que deve prevalecer é a sua presença, o pressuposto do risco, a qualidade potencial da agressão deles, da organização, dentro do princípio de que qualquer trabalho, na forma em que é realizado, organizado e apropriado no modo de produção capitalista é, por natureza, insalubre. Isto significa que quando o trabalhador vende suas horas perde sua saúde, independentemente de sua vontade.

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O adicional de insalubridade, consagrado pela legislação brasileira e apontado pelos sindicatos como venda da saúde é, em realidade, sua confissão descarada, pelo Estado e pelo Capital. Mas a compra da saúde e da vida do trabalhador se dá no momento em que ele, compulsoriamente, vende ao capital suas horas de trabalho (Idem, p. 80).

8.3.2. A subcontratação dos riscos

Podem-se apontar, ainda, como fenômenos atuais na seara da saúde humana: a) a “subcontratação dos riscos”, constatado pelo crescimento da exposição dos trabalhadores a substâncias tóxicas e/ou cancerígenas, com expansão dos casos de câncer ocupacional; b) a externalização dos riscos, pelo qual se transferem, para outros países, os riscos quando há recusa dos nacionais à exposiçãopotencialmente mortífera. Estudos demonstram também que os imigrantes são mais negligenciados pelas empresas quanto à exposição a riscos químicos e de outros tipos (SILVA, 2011, p. 470).