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3 O TERCEIRO ESPÍRITO DO CAPITALISMO DA DUALIZAÇÃO DO

8.4 O DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO CONTEMPORÂNEO

8.4.3 A reconfiguração teórico-dogmática do meio ambiente do trabalho,

movimentos sociais

As lutas operárias, no âmbito coletivo, originaram o Direito do Trabalho, o qual, ainda hoje, se refaz, contínua e dialeticamente, conforme as mutações no mundo do trabalho.No entanto, ao longo da história, houve uma prevalência, nas narrativas doutrinais, das lutas reformistas sobre as emancipatórias. Essa é a raiz das crises do sindicalismo, por mascarar a razão de seu surgimento - enquanto contrário à opressão e à exploração - e o trazer para validar o modo de produção vigente.

O surgimento do direito do trabalho [...] não foi uma consequência natural do modelo. Fora, sobretudo, uma reação aos movimentos sociais de cunho revolucionário, que, baseados em teorias de cunho marxista, buscaram, pela tomada de consciência da classe proletária,a superação da sociedade de classes, com a consequente eliminação da própria classe burguesa dominante. [...] O Direito do Trabalho constitui-se, portanto, uma forma de proteção e ampliação dos direitos da classe trabalhadora, servindo, ao mesmo tempo, à manutenção do próprio sistema. [...] O direito do trabalho, base dos direitos sociais, acabou representando a imposição de limites necessários ao capitalismo (SOUTO MAIOR, 2007, p. 24).

A fim de suplantar o colapso que sobre ele se abate, o sindicalismo contemporâneo necessita ampliar o combate ao adoecimento, de modo a alcançar todos os atingidos, dentro e fora das organizações produtivas. Isso implica, como afirmam Montaño e Duriguetto (2011), ajuntar as lutas coletivas em torno de uma única narrativa: o modo de produção capitalista 185, responsávelpor agressõesao meio ambiente, doenças e mortes.

Há seres humanos enfermos, física, mental e psicologicamente, em decorrência desse sistema produtivo, aniquilador e predatório. As novas tecnologias de comunicação e informação, os modernos métodos de

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A civilização capitalista [...] caminha inexoravelmente para sua derrocada catastrófica; já não há necessidade de uma classe revolucionária para abater o capitalismo, ele cava seu próprio túmulo e o da civilização industrial como um todo – André Gorz, Capitalisme, socialisme, écologie, Paris, Galilée, 1991, p. 27 (LATOUCHE, 2009, p. 91).

administração e de gestão186 não melhoraram a qualidade de vida, mas aumentaram seu poderio de controle dos corpos, mentes, subjetividades, emoções das pessoas que, em busca da sobrevivência, se submetem às regras por ele ditadas.

O impacto dessas enfermidades envolve os que mantêm vínculos familiares, sociais, comunitários com esses indivíduos, bem como a Previdência Social, o sistema público de saúde e a coletividade, que os financia. Nessa sociedade apenas os prejuízos, as sequelas físicas, mentais, morais, psicológicas e emocionais são partilhadas, nunca os lucros.

A luta sindical precisa ultrapassar a versão doutrinária habitual e reducionista, transbordar o chão da fábrica (ANDRADE; PINTO, 2014) e o interior das organizações produtivas, ir ao encontro de outras,com o propósito de se fortalecer e combater o isolamento social:

As estruturas estabelecidas e interligadas do poder político, econômico e social podem ser de fato alteradas. Do nosso ponto de vista, movimentos sociais baseados na organização da produção (sindicatos) que se ampliem a outros movimentos da sociedade civil que incluam questões como gênero, ambiente e outros temas sociais centrais, são vitais para a aventura contra-hegemônica da emancipação social (WEBSTER; LAMBERT, 2005, p. 96).

Ao longo dos últimos anos, os movimentos sociais ocorridos na França apresentaram uma multiplicidade de formas. Determinados terrenos de confronto social foram objeto de protestos: desde as grandes greves contra o Plano Juppé no outono de 1995, até a revolta dos desempregados do inverno de 1997-1998, passando por uma grande quantidade de pequenos conflitos em defesa do emprego, do salário e da redução do trabalho, contra a „exclusão‟, pela preservação dos direitos coletivos ligados à condição salarial, sem esquecer as lutas das mulheres, as mobilizações antirracistas e antifascistas, os movimentos pelo direito à moradia ou contra AIDS e a discriminação sexual. A lista é grande (VAKALOULIS, 2005, p. 133- 134).

Não deixam de registrar os elementos positivos dessas novas alternativas de contestação, de lutas e de insurgências. Referindo-se a Bihr (1998), destacam a entrada, na cena política, de temas voltados para questões relativas “ao gênero, à raça, à etnia, à religião, à sexualidade, à ecologia, e aquelas que se relacionam à reprodução social, como os bens de consumo coletivo - saúde, educação, transporte, moradia etc” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 266).

Desde a Revolução Industrial as empresas e o trabalho acarretam graves danos à natureza e às pessoas, tanto os obreiros são diretamente

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Essa busca do lucro a qualquer preço se dá graças à expansão da produção-consumo e à compressão dos custos. Os cost killers, estrategistas formados nas “escolas de guerra econômica”, empenham-se para terceirizar os custos a fim de que seu peso recaia sobre empregados, terceirizados, países do Sul, clientes, Estado, serviços públicos, gerações futuras, mas sobretudo sobre a natureza, que se tornou fornecedora de recursos e lixo (LATOUCHE, 2009, p. 20-21).

atingidos quanto a coletividade. Os desmatamentos praticados pelo agronegócio, lançamentos na atmosfera, pelas fábricas, de produtos químicos, descarte de dejetos nocivos nos rios e mares, uso de agrotóxicos, que contaminam os alimentos, tudo isso lesa a saúde de todos, indistintamente187.

Nosso crescimento econômico excessivo choca-se com os limites da finitude da biosfera. A capacidade de regeneração da Terra já não consegue acompanhar a demanda: o homem transforma os recursos em resíduos mais rápido do que a natureza consegue transformar esses resíduos em novos recursos (LATOUCHE, 2009, p. 27).

Além da degradação ambiental, sobrevém a destruição de patrimônios culturais pela construção civil - com o aval dos Municípios e Estados-, bem como a poluição visual e sonora pelo excesso de publicidade, nesse último caso, de forma a misturar a vida dentro e fora do trabalho.

Montante colossal de poluição material, visual, auditiva, mental e espiritual. O sistema publicitário apossa-se da rua, invade o espaço coletivo - desfigurando-o -, apropria-se de tudo o que tem vocação pública (estradas, cidades, meios de transporte, estações de trem, estádios, praias). São programas televisivos entrecortados pelas inserções publicitárias, crianças manipuladas e perturbadas, florestas destruídas (LATOUCHE, 2009, p. 19).

Conforme as teorias dos movimentos sociais e o novo internacionalismo operário, incumbe aos sindicatos optar por uma visão horizontalizada, alargando suas pautas reivindicatórias, que abrigue toda a sociedade, e não apenas as pessoas presentes no interior das organizações produtivas.Até porque a globalização188, ao patrocinar grandes deslocamentos humanos e o desmantelamento das redes de proteção social189, afeta o planeta inteiro, exemplificativamente, os imigrantes e os países do Sul, bem como transforma em concorrentes os trabalhadores de outros países, na busca comum por qualquer tipo de trabalho190.

As expressões definidoras do novo internacionalismo operário são contrapostas ao internacionalismo operário tradicional: rede, e não

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O crescimento [...] só é um negócio rentável se seu peso recair sobre a natureza, as gerações futuras, a saúde dos consumidores, as condições de trabalho dos assalariados e, mais ainda, sobre os Países do Sul. Por isso uma ruptura é necessária (LATOUCHE, 2009, p. 40).

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Esta forma de globalização, apesar de hegemônica, não é a única e tem vindo a ser crescentemente confrontada por uma outra forma, uma globalização alternativa, contra- hegemônica, constituída pelo conjunto de iniciativas, movimentos e organizações que, através de vínculos, redes e alianças locais/globais, lutam contra a globalização neoliberal mobilizados pela aspiração a um mundo melhor, mais justo e pacífico, que julgam possível e a que sentem ter direitos (SANTOS, 2005, p. 11-12).

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http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n104/03.pdf. Acesso em 30/04/2014 (no texto Ricardo Antunes mostra como os capitais transnacionais buscam ampliar ainda mais o desmonte da legislação trabalhista).

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hierarquia; descentralização, e não centralização; participação, e não comando; capacitação, e não controle; debate aberto, e não debate restrito; tomada de decisões rápida, e não lenta; temporizada, e não elevada burocracia; flexível, e não formal; orientação para a mobilização, e não para a diplomacia; focalização na construção de coligações com novos movimentos sociais e ONGs, e não exclusiva nos sindicatos, e locais de trabalho; predominante no Sul, e não no Norte (WEBSTER; LAMBERT, 2005, p. 97).

Sob o mencionado pressuposto único (modo de produção capitalista), os movimentos sociais, complexos, heterogêneos, multifacetados, precisam redefinir o objeto desse ramo, alargar o contorno de sua luta, a fim de refugiar todas as possibilidades e alternativas de trabalho e rendas.

o mundo do trabalho sofreu, como resultados das transformações e metamorfoses em curso nas últimas décadas, um processo de desproletarização do trabalho industrial, fabril, que se traduz na diminuição da classe operária tradicional e numa significativa subproletarização do trabalho, decorrente “das formas diversas de trabalho parcial, precário, terceirizado, subcontratado, vinculado à economia informal, ao setor de serviços”, etc. Verificou-se uma “heterogenização, complexificação e fragmentação do trabalho”. Há um múltiplo processo que envolve a desproletarização da classe-que- vive-do-trabalho e uma subproletarização do trabalho, convivendo, ambas, com o desemprego estrutural (ANTUNES, 2006, p. 209- 211)191.

O tratamento jurídico adequado inicia-se pela desconsideração do trabalho subordinado como centro das teorizações, o qual, no entanto, carece de ainda maior resguardo. Isso não significa prevalência sobre os demais tipos, mas apenas reconhecimento das suas nocivas consequências, por ser vendido, comprado e separado da vida, num processo produtivo em que se introduz a força de trabalho, de forma imediata, e a pessoa humana com sua dignidade, mediatamente. Por essa razão, não há como dissociar o labor como condição de existência e as premissas mínimas que assegurem valora tais pessoas.

Aqui se reafirma oimperativo de retomada daslutas sindicais reformistas e emancipatórias, que devem se ajuntar aos demais movimentos sociais, posto que - a fim de não sucumbirem ao discurso pós-moderno de que tudo é líquido, interditado, fragmentado - todas as coletividades afetadas pelo ultraliberalismo global precisamunir-se em torno do referido pressuposto, o modo de produção capitalista e as nefastas consequências dele resultantes.

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A afirmação do sociólogo da UNICAMP ao se referir às evidências empíricas, presentes em várias pesquisas.

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9. DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS ÀS TEORIAS DOS MOVIMENTOS

SOCIAIS. OS MOVIMENTOS SINDICAIS SIMULTANEAMENTE

REFORMISTAS-REVOLUCIONÁRIOS

9.1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA

Muitas foram as lutas reformistas travadas pelos sindicatos, sempre com propósitos de melhorar as condições salariais e de saúde da classe trabalhadora. No entanto, não devemser esquecidas as ações emancipatórias e contra-hegemônicas, forjadas por esses mesmosatores, as quais são omitidas na maioria das narrativas doutrinais clássicas. Com o propósito de fortalecerem-se, devem se unir aos demais movimentos sociais e ampliarem suas pautas reivindicativas, a fim de obterem maior proteção aos interesses que defendem.

9.2. AS LUTAS PELA PRESERVAÇÃO DA SAÚDE NO E DO TRABALHO192