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3 O TERCEIRO ESPÍRITO DO CAPITALISMO DA DUALIZAÇÃO DO

8.3 AS NOVAS FACES DO ADOECIMENTO E A MORTE LENTA NO

8.3.7 As formas sutis de adoecimento pelo trabalho

Para o aumento da produção as relações são organizadas e as escalas hierárquicas, estabelecidas. O labor é concebido, homogeneizado, dividido em pequenas tarefas simplificadas,possibilitam a criação de variadas funções e de linhas de montagem. Na administração científica, havia um operário principal e os ajudantes.

A divisão do trabalho em tarefas simplificadas traz consigo a desqualificação dos trabalhadores, que é sentido poreles como fator que promove o embotamento da criatividade. [...] Funcionários entrevistados assinalam a falta de significado da tarefa e a necessidade de combater a “contaminação” que este tipo de trabalho promove nas outras atividades. A organização do trabalho reprime o trabalhador e tal repressão continua fora do ambiente de trabalho, contaminando as atividades desenvolvidas fora do tempo de trabalho (Idem, p. 36).

A simplificação das tarefas não propicia satisfação a quem o realiza,desvaloriza e desqualifica o indivíduo, torna-o facilmente substituível. O parcelamento do serviçoe o do indivíduo são indissociáveis (divisão da unidade orgânica175), porquanto despreza o corpo como um todo, no qual as atividades motora, intelectual e emocional atuam em harmonia, segundo características singulares. São também atributos dessa forma de organização a repetitividade e a monotonia das tarefas, a adoção de posturas incômodas e inadequadas, a intensificação do ritmo (já que as tarefas são simplificadas), variadas formas de controle da exigência da produção.

Pela máquina calibrada para trabalhar seguindo ritmo determinado pela gerência, devendo o trabalhador acompanha-lo sob o risco de sofrer acidentes, existindo as dotadas de dispositivos que registram a produção diária de cada trabalhador, bem como o horário de início e fim do trabalho (digitação, caixa computadorizado); pela pirâmide hierárquica, que cria funções de supervisão e chefia, atribuindo a alguns trabalhadores a incumbência de cobrar de seus companheiros (subalternos) a produção estipulada; pelas formas de pagamento (por produção, comissões e prêmios) adotadas para garantir que o trabalhador se dê ao máximo no trabalho; cronometragem do tempo das idas ao banheiro, bem como limitar a sua frequência durante a jornada; condicionar o café com leite e pão à pontualidade para o início da jornada (Idem, p. 37).

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Seção baseada em: REBOUÇAS, 1989, p. 35-40. 175

Levantamento de todas as operações realizadas em uma fábrica revela: 670 tarefas podiam ser confiadas a homens sem ambas as pernas; 237 requeriam o uso de uma só perna; em 2 casos podia prescindir dos dois braços; 715 casos, de um braço; em 10 casos a operação podia ser feita por um cego (Idem, p. 36).

A pessoa não detém autonomia sequer para o funcionamento do seu corpo (necessidades fisiológicas, movimentos, pensamentos e desejos), que é ditado pela gerência. Além das estratégias de controle externo, acima elencadas, há o autocontrole, através do qual o sujeito incorpora essas regras, passa a reprimir as manifestações que seu corpo, para atender a sua individualidade, deseja realizar, o que desencadeia patologias.

Relacionam-se também com o processo de adoecimento: duração da jornada, regime de horário, regime em turnos alternados (rodízio, revezamento)176, labor noturno, a inexistência de pausas suficientes para a recuperação do desgaste físico e mental durante a execução das atividades, limitações de tempo para o convívio familiar e social e participação em atividades de lazer (folgas usadas para recuperar a fadiga física e mental).

CONDIÇÕES DERIVADAS DAS CARACTERÍSTICAS DA

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Fatores de ordem tecnológica, econômica e política determinam a persistência de aspectos organizacionais reconhecidos por alguns pesquisadores e por muitos trabalhadores como profundamente lesivos à saúde e à vida social dos atingidos. Um exemplo é o do trabalho em turnos alternantes (TTA) e do trabalho noturno, adotados [...] sob justificativa de que o processo industrial envolvido é contínuo e ainda sem alternativa tecnológica para evitar seu funcionamento ininterrupto [...].

O ritmo intensivo e extenuante imposto nas linhas de montagem e em outras situações laborais constitui causa de cansaço físico e geral, com a presença de tensão psíquica. Mas também o trabalho lento, monótono e repetitivo é fonte de sofrimento mental.

As jornadas extensas estão entre as causas mais frequentes de cansaço naqueles países onde não ocorre a obediência ao preceito das oito horas de trabalho, internacionalmente consagrado. Veremos adiante como o prolongamento ilegal das jornadas pode ser constatado frequentemente em nosso meio.

Algumas outras condições da organização laboral estudadas na gênese de problemas psíquicos são: o isolamento a que são submetidos muitos indivíduos, ou por trabalharem fisicamente isolados (em cabines fechadas), ou pelas proibições existentes para que possam falar mesmo que rapidamente; formas de controle e avaliação desenvolvidas de modo a gerar medo, vergonha ou revolta, em que geralmente são fortemente reprimidos conflitos interpessoais (SILVA, 2001, p. 239-240).

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O organismo humano é dotado de um ritmo que regula os períodos de repouso e atividade (ritmos circadianos) que se repete a cada 24 horas. O trabalho em regime de turnos alternados, uma vez que constantemente são mudados os períodos de repouso e atividade, desregula este ritmo. [...] Estudos apontam os seguintes distúrbios da saúde a esse regime relacionados: relativos ao sono e ao funcionamento do aparelho digestivo, fadiga patológica (cansaço crônico não recuperável com o período de repouso), dificuldades de memorização, raciocínio e atenção [...]. O risco de acidente aumenta [...]. Problemas similares a esses se verificam naqueles que trabalham permanentemente no horário noturno (Idem, p. 37).

A delimitação das relações humanas é outro aspecto determinado pela organização, pois por motivos políticos (controle), a escala hierárquica é posta de forma que favorece o aparecimento de conflitos interpessoais (gerência delega ao supervisor a missão de disciplinar os colegas subalternos), causando desgaste emocional e facilitando acidentes. O controle realizado pelas relações humanas e os conflitos interpessoais são importantes fontes de tensão e desgaste emocional, originadores de sofrimento mental. Estratégias também são montadas para isolar os trabalhadores-líderes dos demais em seu conjunto.

A divisão dos homens, determinada pela organização do trabalho é também importante estratégia de controle da organização dos indivíduos dentro da fábrica. A organização, em sua relação com o desgaste da saúde está vinculada a distúrbios ósseo articulares, emocionais e psicossomáticos (desconforto emocional desencadeia distúrbio orgânico, p. ex. cardiovasculares, gastrointestinais, mal- estar sem diagnóstico).

A autorrepressão continuada dos sentimentos de revolta e raiva influenciam na hipertensão arterial. Tristeza, medo e raiva reprimida influem no aparelho digestivo, podendo originar doenças psicossomáticas, como as diarreias nervosas, colite, distúrbios de funcionamento do estômago, intestinos, p. ex. síndrome dispéptica e prisão de ventre (REBOUÇAS, 1989, p. 39).

Outra fonte de tensão e desgaste emocional é o risco de acidente, de intoxicação por produtos químicos, a exposição ao barulho, ao calor e à adoção de posturas forçadas e incômodas, pois são ameaças permanentes à integridade física dapessoa.

Além das patologias, o obreiro pode apresentar outros distúrbios mentais (nervosismo, medo constante, depressão, alternância entre euforia e depressão, sentimento constante de insegurança), resultantes de conflitos psíquicos desencadeados pelas condições e organização do trabalho, muitas vezes geradoras de assédios morais e discriminações.

É preciso lembrar que as enfermidades profissionais, decorrentes do trabalho sacrifício, apenas se transfiguraram, ao longo da história, tanto em relação ao esforço físico quanto aos controles e, muitas vezes, às torturas psicológicas de vários gêneros. Não é por acaso que temas como dano e assédio morais – decorrentes das novas formas de gestão e de administração, bem como da utilização massacrante das novas tecnologias, que acarretam lesões e traumas

psicofísicos – lesão por esforço repetitivo e depressão177, dentre outros – vêm ocupando a literatura jurídico trabalhista (ANDRADE, 2014, p. 110).

Um fator agravante é o preconceito contra essas manifestações, decorrente da compreensão de que as doenças mentais são originárias de problemas familiares e individuais, o que culpabiliza a pessoa e exclui o trabalho como determinante do adoecimento (as condições e a organização são fontes de tensão e desgaste da saúde e fatores de insalubridade).