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2 O SEGUNDO ESPÍRITO DO CAPITALISMO A ERA DA

2.3 O TAYLORISMO (NA PASSAGEM DO SÉCULO XIX PARA O XX) E O

A máquina a vapor abre a era das revoluções industriais, o que deu novo impulso à divisão do trabalho. Até então o operário especializado, com seu conhecimento, experiência, atividade e ferramenta, começava e acabava o objeto. A partir da mecanização, a divisão das tarefas prossegue em ritmo acelerado. As máquinas se especializam, as operações, outrora agrupadas nas mãos de um único tecelão profissional, começam a se desvincular.

Inicia-se no curso do século XIX, a partir de 1880, e consolida-se no seguinte como um fenômeno universal (Idem, p. 248-249)17,favorecido pela especialização das máquinas e crença de que toda racionalização científica se faz acompanhar por uma fragmentação das tarefas, que aumenta o rendimento dos trabalhadores especializados e o volume da produção, bem como baixa o preço de custo dos objetos fabricados em grande escala (FRIEDMANN, 1972, p. 26-27).

Compreendia-se que a divisão do trabalho, com suas funções complementares, numa harmonia de especialidades, estava associada ao progresso. Essa evolução encontrava-se ligada à história do capitalismo industrial que, ao desenvolver intensamente as forças produtivas, conquistar mercados nas colônias, precisava produzir sempre mais, a preços de custo pequenos, a fim de satisfazer às exigências do capital investido e às crescentes necessidades de um mundo cada vez mais extenso de consumidores. O Fordismo – abordado adiante - trouxe resposta a essa necessidade, a partir de 1913, com seu trabalho em cadeia e tarefas também fragmentadas, repetidas e parceladas (Idem, p. 27-28).

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Os princípios tayloristas foram aplicados de tal maneira generalizada e intensiva, que eles configuraram o paradigma explicativo do regime de acumulação no período compreendido entre o final da Primeira Guerra Mundial até meados dos anos 70. O surgimento de novas formas de gestão da força de trabalho no regime de acumulação flexível não pode ser entendido como a superação da Organização Científica. Seus princípios continuam sendo aplicados nos mais diferentes ambientes de trabalho.

Na execução dessas tarefas, simples, limitadas, decompostas, por isso efetuadas a uma cadência rápida, medidas por cronômetro, preferiu-se reduzir a qualificação dos operários ao mínimo (ler plano, traçar gabarito). A racionalização, a fragmentação das tarefas os despojou do conteúdo mais precioso de sua atividade profissional: o contato com o material e seu conhecimento (Idem, p. 30-31, 36).

Consideravam-se especializados os que conseguiam juntar diversas operações parceladas e possuíam habilidade, precisão, destreza manual, cuidado e rapidez, mas também esses não detinham o conhecimento do material, que praticamente desapareceu com a mecanização muito adiantada e com a minuciosa divisão do trabalho (Idem, p. 38).

Em algumas fábricas, a produção organizava-se inteiramente com a ajuda de máquinas semiautomáticas, funcionando em movimento contínuo e ruidoso,

cujos choques acumulados fazem um alarido inaudito, de diapasão agudo, ruído que impõe à contratação de trabalhadores difíceis problemas de seleção, pois, para certas pessoas, ele se revela intolerável[...]. As operárias [...] realizam tarefas alternadas. [...]Algumas “resmungam” no início. [...] Mas a maioria “se habitua e se fixa no trabalho”. O fato denominado de “habituação” às condições de um trabalho penoso deveria ser estudado nos locais de trabalho por equipes de fisiologistas e psicólogos. Não exclui a adaptação psicomotora a uma cadência rápida e certas formas de habilidade. Por outro lado, põe em causa o problema da “rotina” da repugnância às mudanças de trabalho, que lhe é frequentemente associada. Enfim, gostaria que psicólogos [...] investigassem se, através da habituação, não se sancionam, ao menos em certos indivíduos [...] graves empobrecimentos ou alterações da personalidade (Idem, p. 39-40).

Apontam-se outras características do modelo, como a avaliação da qualificação pela velocidade em algumas tarefas, pelaadição de diversas operações muito especializadas, pelasoma de qualificações particulares, mas não um ofício como um conjunto, uma síntese. O operário pluriespecializado não se formava para tornar-se um profissional polivalente (Idem, p. 41-42)18.

Exigia-se também a alternância ou rodízio das tarefas, a fim de que os operários pudessem ser indiferentemente designados para qualquer uma das operações da fábrica, e assim “taparem buracos” da cadeia (utility-man). A alternância dava-se de forma irregular ao invés de rotação sistemática, sem

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O operário pluriespecializado jamais será um profissional polivalente, a menos que se beneficie, em outro lugar, de uma outra formação.

sistema nem previsão possível. O operário realizava, pois, um processo simplesmente aditivo, uma justaposição de tarefas no tempo, não havendo um processo de integração (Idem, p. 42-44)19.

Podia acontecer de algum indivíduo chegar a compreender a operação total da produção relativa ao setor em que a variação de suas tarefas parceladas lhes permitiu circular e, em consequência, experimentar a satisfação em seu trabalho, até mesmo certo orgulho pela obra acabada, pelo produto “total” (Idem, p. 44).

Apenas se a alternância de tarefas fosse esclarecida, se a experiência de soma de tarefas fosse completada por um ensino profissional, poderia haver uma verdadeira revalorização intelectual de seu trabalho por parte do utility-man. Somente então o profissional pluriespecializado poderia compreender o que é, por exemplo, um motor e nele ocorreria um real processo de integração. Caso contrário, não iriam muito longe as satisfações suscetíveis de retirar do seu ofício (Idem, p. 44).

A satisfação dos obreiros cresce de acordo com a complexidade das operações efetuadas. Já um trabalho em partes fragmentadas é particularmente fatigante e causador de insatisfação, uma vez que a pessoa reconhece que seria capaz de efetuar tarefa superior, caso se lhe tivessem sido proporcionados os meios para tanto. Essa é uma das causas de envelhecimento prematuro (Idem, p. 45).

Muitos trabalhos efetuados em nossas oficinas poderiam e deveriam ser confiados a retardados mentais: por exemplo, passar toda a jornada inserindo uma pequena mola numa caixa.

Muitas de nossas operárias que não foram selecionadas como muito rigor preferem os trabalhos simples, que comportam pequeno número de operações elementares. Quando esse número aumenta, [...] seu rendimento decresce. Ademais, mesmo que essas mulheres sejam adestradas, têm momentos de hesitação que nos tornam difícil a preparação do trabalho e, particularmente, a cronometragem (Idem, p. 45).

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Outility-man surgiu das exigências da cadeia de montagem, onde, a fim de atender às falhas imprevistas e tapar os buracos, os técnicos se viram obrigados e pôr em prática, o princípio da alternância das tarefas. [...] Os comentários deles acerca de seu trabalho são muito significativos: apreciam a ausência de monotonia, a experiência de toda linha numa seção em cadeia, que lhes é assim proporcionada, e sentem mesmo um certo orgulho de conhecer todos os seus postos. Reintroduz-se, dessa maneira, ao menos para uma parcela privilegiada de operários, a variedade nas tarefas especializadas da produção em série, sem que esta sofra, em qualquer grau, nem econômica, nem financeiramente. Este é um desmentido bastante claro infligido aos técnicos que julgavam semelhante experiência irrealizável sem graves prejuízos para a empresa. O utility-man não é um operário qualificado [...]. Se, por exemplo, souber “tapar” uma dezena de buracos numa cadeia de talho dos porcos, não se converte, por isso, num trabalhador identificável a um salsicheiro profissional.

A fim de minimizar os perigos físicos e mentais da fragmentação das tarefas passaram a ser adotadas as seguintes medidas: pausas, educação física, organização de grupos competitivos, difusão de música funcional por alto-falantes, distribuição de receptores individuais, que permitem a audição de conferências, reportagens, e mobilizam seu espírito, enquanto continuam atuando neles os automatismos psicomotores. O tédio gerado por essas tarefas também pode ser atenuado quando se substitui a uniformidade por uma certa variedade, por exemplo, através das mutações regulares de tarefas (Idem, p. 53, 61).

Mesmo que a introdução da variedade provoque dificuldades na organização e administração do trabalho, e imponha um sacrifício em relação à eficiência máxima possível (a curto prazo) devida à intensificação das tarefas parceladas, ela comporta, a longo prazo, ganhos reais compensadores da queda da produção, da baixa do moral, das atitudes de inadaptação e não cooperação na empresa, companheiras da insatisfação e do tédio (Idem, p. 62).

Aflorava o desejo de mudança de serviço, de promoção, a fim de encontrar orgulho no afazer. Desejavam mais associação à organização, maior liberdade na utilização das ferramentas, participação na atualização dos métodos, escapando das minuciosas imposições do planning vindo do alto.

Sentem-se ligados e mesmo presos a essas tarefas pela especialização, pela divisão, pela miudeza, pela ausência de aprendizagem, que as caracterizavam. Através de seus comentários afloram o mal-estar, a amargura: trata-se de tarefas que não é preciso aprender, que qualquer um, preparado em poucos dias ou em poucas horas, pode executar. Ao contrário, desde que são colocados em empregos mais refinados, comportando um número maior de operações e de mudanças de tarefas, portanto uma duração mais longa da iniciação, seu complexo de inferioridade se atenua, sinais de orgulho pelo trabalho aparecem (Idem, p. 59).

As razões apontadas para esse desejo de mudança não eram o aumento do prestígio ou a elevação na escala social, e sim o tédio, a insatisfação, a necessidade de aprendizagem. Eles desejavam: a) maior variedade; b) ritmo de trabalho não fixado por uma cadeia; c) maior exigência na iniciativa e na habilidade (Idem, p. 120)20; d) menos fadiga física; e) obtenção de acesso à promoção (Idem, p. 60, 73)21.

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Mais que uma habilidade, há nos operários uma agilidade obtida graças a coordenações neuromotoras que, a longo prazo, engendram automatismo e rotina.

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“Seria diferente não fazer todo o tempo a mesma coisa”; “Nada de novo se pode aprender no job que tenho agora”; “Seria um pouco mais fácil e mais variado”; [...] “No job de que gostaria, seria possível ver como funciona a fábrica inteira”.

Alguns benefícios psicológicos foram obtidos no trabalho em equipe, no qual o indivíduo goza de certa liberdade no interior do seu grupo, em razão de sua necessidade de participar da moldagem de sua atividade, o que era desprezado pela organização científica (Idem, p. 60).

A admissão de que muitos operários poderiam obter melhor rendimento transferindo-os de uma tarefa parcelada para outra ou praticando sistematicamente o rodízio das tarefas já significava recomposição das tarefas e reação contra a excessiva divisão do trabalho (Idem, p. 61).

Pouco a pouco opiniões se manifestaram contra o dogma de que novos processos de trabalho, baseados na fragmentação ou parcelarização metódica de uma operação em tarefas elementares, diminuem os gastos e aumentam o rendimento. Isso deu-se pela observação de que em casos de subdivisão crescente das operações e de extrema especialização havia uma tendência a rendimentos decrescentes. “Assim, qualquer que seja a qualidade das máquinas e da preparação da tarefa pelo setor de planejamento, uma obra de alta qualidade não pode sair de operários que se aborrecem” (Idem, p. 63).

Taylor apenas analisou os movimentos individuais dos operários, mas não a integração dos movimentos individuais num conjunto de trabalho, tratou dos problemas humanos da organização da mesma forma que tratou dos problemas das máquinas.

Nesse modelo, em que havia a total separação entre pensamento e execução (Idem, p. 75)22 buscava-se elevar o rendimento por meio da especialização, com supervisão e controle cerrado, diminuição da qualificação dos operadores – que não deveriam produzir por sua iniciativa, mas executar ordens detalhadas - e do preço da mão de obra (FRIEDMANN, 1972, p. 69)23.

O trabalho perde toda significação para o operador especializado que, em consequência, tende a se sentir pouco responsável por sua tarefa elementar; diante da apatia resultante disso, a supervisão torna-se mais pesada, o que, em contrapartida, suscita tensões e resistências passivas ou ativas no pessoal, e exige uma enxurrada de

22 “Não pedem a você para pensar, aqui há outras pessoas pagas para isto”. Esta frase é relatada numa das biografias de Taylor. Em igual sentido: As iniciativas e o trabalho cerebral são banidos das oficinas e centrados na administração superior (CATTANI, 1997, p. 248). 23

Não podemos ter um organismo industrial saudável se ele se compõe de grupos distintos de trabalhadores e pensadores. Não podemos contar com um espírito de equipe em 90% dos membros do pessoal, se nos empenhamos em lhes repetir que sua função é de trabalhar e a nossa a de pensar (Alexander Heron – empresário). [...] É preciso começar por colocar os trabalhadores numa relação criativa com seu trabalho.

inspetores, escalonados e hierarquizados; cada unidade funcional se dobra sobre si mesma, [...] desaparece toda cooperação espontânea (Idem, p. 70).

A organização científica introduziu nas oficinas uma divisão muito impulsionada das operações através da análise dos tempos e movimentos24 e da cronometragem (em busca da eficiência imediata, caçavam os tempos mortos25), um ajustamento rigoroso das tarefas entre si, devido às fichas de instrução, ao dispatching e ao planning. As operações eram inacabadas e a atividade funcional, muito reduzida, sendo contínuas e coordenadas.

Em síntese, o Taylorismo, integrante da Organização Científica, era um sistema de organização ou uma estratégia patronal de gestão, especialmente industrial, baseado: a) na separação das funções de concepção e planejamento das de execução; b) na fragmentação e especialização das tarefas; c) no controle de tempo e movimentos; d) na remuneração por desempenho (estímulo ao desempenho individual com salários e prêmios por produção). Conjugado à utilização intensiva da maquinaria, enfatizava o controle e a disciplina fabris26, visava a eliminar a autonomia dos produtores diretos e o tempo ocioso, como forma de aumentar a produtividade no trabalho.

Desde o início, a organização capitalista da produção esbarrou na autonomia dos produtores diretos e na sua capacidade de definir a sequência das tarefas e os ritmos de trabalho. Desse confronto, resultava uma multiplicidade de formas de se produzir. Ao longo do século 19, intensificaram-se as tentativas de se reduzirem o domínio operário e a “anarquia da produção” (CATTANI, 1997, p. 247).

Assim, no Taylorismo, o trabalho transfigurou-se em atividade fragmentada, repetitiva, monótona e desprovida de sentido. Sem autonomia ou possibilidade de usar sua criatividade, o ser humano foi reduzido a operáriomassa, alienado do conteúdo do seu esforço produtivo. Em reforço

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Graças ao estudo dos tempos e movimentos é possível decompor-se o trabalho em parcelas elementares e simplificadas e, assim, encontrarem-se maneiras mais rápidas e eficientes de executá-las. Graças a um criterioso processo de recrutamento, é possível destacar-se o operário mais adequado para ocupá-lo (CATTANI, 1997, p. 248).

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Equivalentes aos poros da jornada de trabalho. A intensificação do trabalho conduzindo ao uma tensão superior do esforço do operário, a um “preenchimento mais cerrado dos poros do tempo de trabalho” (MARX, 2013, p. 482).

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Criação de uma estrutura hierarquizada na qual atuam especialistas de controle - engenheiros, contramestres, cronometristas (CATTANI, 1997, p. 248).

aos preceitos liberais, o embrutecimento e a alienaçãoeram considerados irrelevantes. Importava a vida e o consumo pós-trabalho27.