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1 O PRIMEIRO ESPÍRITO DO CAPITALISMO A VERSÃO MARXIANA

1.6 AS CONDIÇÕES DE TRABALHO

Outro efeito decorrente dessas condições foi o aumento das mortes por inanição, o que ocorreu em paralelo à expansão da costura à máquina. O trabalho nessas máquinas, realizado sentado ou em pé e cuja duração torna insalubre a ocupação, exige o uso de uma força considerável nas mãos e/ou pés. Nessas oficinas, onde 30 a 40 indivíduos trabalham juntos, com tetos baixos e calor intenso, decorrente dos fogões a gás usados para aquecer os ferros de passar, é frequente a ocorrência de desmaios (Idem, p. 543).

Apenas em 1864, com a imposição da Lei Fabril, algumas melhorias ocorreram, tais como a redução das temperaturas dos fornos, adoção do método de preparação de argila por pressão e não por evaporação, na construção dos fornos, criação de máquinas de imersão, cujos vapores não atingiam a pessoa, na fabricação de palitos de fósforos. Nestas, antes da chegada de citadas máquinas, era praxe que os adolescentes, ao mesmo

tempo que almoçavam, molhassem os palitos num composto de fósforo quente, cujo vapor venenoso lhes subia até o rosto (Idem, p. 546-547).

Como já relatado, asatividades eram muitas vezes realizadas à noite (até 2 horas da madrugada), em locais malcheirosos, com instalações insuficientes e pouco espaço. A compra de uma máquina adicional, ao custo de 16 ou 18 libras, eliminaria a necessidade do trabalho noturno.

Os empregadores exploram a irregularidade habitual do trabalho domiciliar para, nos períodos em que se faz necessário trabalho adicional, forçarem-no a prosseguir noite adentro até 2 horas da madrugada ou por horas a fio, e isso em locais "onde o fedor é suficiente para vos desfalecer. Podeis ir, talvez, até a porta e abri-la, mas recuaríeis apavorados em vez de prosseguir". "Gente esquisita esses nossos patrões" - diz um sapateiro, uma das testemunhas ouvidas - "pensam que a um rapaz não lhe causa mal algum se ele se mata trabalhando durante metade do ano e na outra metade é quase obrigado a vagabundear". Child. Empl. Comm., p. 127, n. 56. Os rapazes não precisariam trabalhar até tão tarde da noite se seus patrões não fossem tão ávidos por lucros; uma máquina adicional não custa mais do que 16 ou 18 libras. [...] Todas as dificuldades provêm da insuficiência de instalações e falta de espaço. Child. Empl. Comm., p. 171, n. 35-6, 38 (Idem, p. 549, 551).

Quanto às cláusulas sanitárias da legislação fabril, além da redação, que facilitava ao capitalista transgredi-las, eram extremamente exíguas, limitando-se a estabelecer regras para o branqueamento das paredes e algumas outras medidas de limpeza, ventilação e proteção contra máquinas perigosas. Até então, em alguns locais, os trabalhadores respiravam, durante o excessivo trabalho diurno e/ou noturno, “uma atmosfera mefítica que impregnava de doença e morte atividades que, não fosse por isso, seriam comparativamente inócuas”. Não se duvide, no entanto, que referidas leis protetivas daspessoas vinham em resposta a alguma vantagem para os patrões (Idem, p. 551).

A Lei Fabril de 1864 caiou e limpou, nas olarias, mais de duzentas oficinas, algumas das quais não passavam por uma operação desse tipo há 20 anos, e outras a experimentavam pela primeira vez (essa é a "abstinência" do capital!), e isso em locais onde estão ocupados 27.878 trabalhadores. Até então, estes respiravam, durante seu excessivo trabalho diurno e, muitas vezes, noturno, uma atmosfera mefítica que impregnava de doença e morte uma atividade que, não fosse por isso, seria comparativamente inócua. A lei melhorou muito os meios de ventilação. Reports of Insp. of Fact, 31st Oct. 1865, p. 27 (Idem, p. 549, 552).

As pessoas que manuseavam as máquinas, muitas vezes, não tinham o menor conhecimento de seu funcionamento, de regras de segurança para sua utilização. Eram, em sua maioria, adolescentes, mulheres, filhos, filhas, vindas

do campo, no outono e no inverno. A produção das mercadorias era, assim, realizada à custa das vidas ou, ao menos, dos membros dos corpos dos indivíduos. Aconteciam os mais terríveis acidentes, nos quais, algumas vezes, um quarto do corpo era arrancado, ou dos quais resultavam morte, invalidez e sofrimento, sem qualquer fiscalização ou punição. “Em dimensão e intensidade, os acidentes eram absolutamente sem precedentes na história da maquinaria”. Referidos acidentes poderiam ser evitados pelos mais simples dispositivos, que custariam poucos xelins, bem como minimizados por adequada fiscalização estatal (Idem, p. 552).

Outrossim, os patrões lograram vitória contra o entendimento médico da necessidade de 500 pés cúbicos de ar por pessoa num trabalho continuado (embora houvesse estudos mostrando a necessidade de 800). Diante da insurgência dos capitalistas, autoridades sanitárias, comissões de inquérito industrial, inspetores de fábrica repetiam reiteradamente a necessidade dos 500 pés cúbicos, mas também a impossibilidade de impô-los ao capital. “Com isso, eles declararam, na realidade, que a tuberculose e outras doenças pulmonares que atingiam os trabalhadores eram condições vitais do capital10”. O trabalho na mineração, o qual igualmente contava com a mão de obra infantil, era o que oferecia as condições mais terríveis e penosas: pesos excessivos, constantes sensações de aprisionamento, ventilação insuficiente, ar pestilento, contatos com os minérios sem qualquer proteção, longas jornadas debaixo da terra, acidentes causados por explosões de gases, adoecimentos e mortes (Idem, p. 564-565, 569-570)11.

Atividades noturnas, imoralidades, promiscuidades, alimentação insuficiente, frio, desconforto, doenças respiratórias, pobreza extrema, ausência dos carinhos e cuidados próprios das famílias, multas, exaustão após

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O modo de produção capitalista exclui toda melhoria racional. Um exemplo disso é que os médicos ingleses declaram em uníssono que 500 pés cúbicos de ar por pessoa constituem o mínimo parcamente suficiente em condições de trabalho continuado. [...] A imposição legal do volume de ar necessário para cada trabalhador atingiria a raiz do modo de produção capitalista, isto é, a autovalorização do capital, grande ou pequeno, por meio da livre compra e o consumo da força de trabalho. Por isso, diante desses 500 pés cúbicos de ar, a lei fabril perde o fôlego. As autoridades sanitárias, as comissões de inquérito industrial, os inspetores de fábrica repetem reiteradamente a necessidade dos 500 pés cúbicos e a impossibilidade de impô-los ao capital. Com isso, eles declaram, na realidade, que a tuberculose e outras doenças pulmonares que atingem os trabalhadores são condições vitais do capital. Há estudo mostrando que seriam necessários 800 pés cúbicos (Idem, p. 552-553).

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socorrer os acidentados, subsistência inteiramente dedicada ao trabalho embrutecedor. Isso eraa herança de pai para filho por gerações e gerações (ZOLA, 1979, p. 11-18).

- Não, não. Desde o mês passado que ando resfriado. Nunca tossia, agora não consigo mais livrar-me desta tosse... E o mais engraçado é como escarro, como escarro [...].

Pigarreou novamente e cuspiu negro. - É sangue? – Etienne ousou perguntar.

Boa-Morte limpava lentamente a boca com as costas da mão. - É carvão. Tenho tanto carvão no corpo que chega para aquecer o resto dos meus dias. E já faz cinco anos que não ponho os pés lá embaixo. Tinha tudo isso armazenado, parece-me, sem saber. Melhor, até conserva! (Idem, p. 11).

A ambiência nas minas é reveladana obra O Germinal da seguinte forma: perigo constante de explosão; refeições feitas apressadamente “para não perderem o calor do corpo; e seus sanduíches, comidos numa voracidade muda e naquela profundidade, transformavam-se em chumbo no estômago”; operários deitavam-se de lado para golpear mais forte e assim completar número elevado de vagonetes; água escorria pelos seus corpos, inchava-lhes os membros; cãibras resultantes das posições forçadas; escuridão.

A descrição continua no referido livro: ar envenenado “com o aquecimento fumacento das lâmpadas, a pestilência dos hálitos, a asfixia do grisu, que pousava nos olhos como teias de aranha”; “ar contaminado, morto, embaixo pesados gases asfixiantes, em cima gases leves que se incendeiam e fulminam uma mina inteira e centenas de homens num relâmpago”; os operários, “no fundo dos seus buracos de toupeira, suportando o peso da terra, sem ar nos peitos escaldantes, continuavam a cavar”; umidade; abafamento do filão; o mineiro “respirava sem dificuldade a poeira do carvão, via muito bem no escuro, suava tranquilamente, adaptado à sensação das roupas molhadas colando-se ao corpo da manhã à noite”; calor escaldante (quarenta graus) (Idem, p. 56, 139, 145, 18/319). Trabalho aniquilador, que conduzia à exaustão.

Entre os mineiros eram frequentes as doenças, tais como “anemia, escrofulose, bronquite negra, asma sufocante, reumatismo que paralisa”, as mortes, muitas vezes decorrentes de explosões, nas quais eram emparedados, afogados, asfixiados, calcinados, esmagados (Idem, p. 297, 490-491, 496, 500).

A Lei de 1872, por mais defeituosa, foi a primeira a regulamentar o horário das crianças ocupadas nas minas e que, em certa medida, responsabilizava os exploradores e proprietários pelos acidentes (MARX, 2013, p. 570).

Havia também uma tendência de universalização desses princípios de proteção física e espiritual a toda a classe trabalhadora, até porque a produção capitalista, que é “meio de subjugação, exploração, empobrecimento do trabalhador, opressão organizada de sua vitalidade, liberdade e independência individuais” (Idem, p. 570, 572-573), destruía a vida, nos âmbitos urbano e rural.

A contribuição mais importante dos movimentos operários do século XIX aos direitos humanos foi demonstrar que eles exigiam uma grande amplitude e que tinham de ser efetivos na prática tanto quanto no papel. Esta foi, naturalmente, uma contribuição importante e crucial (HOBSBAWN, 2000, p. 427).