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3 O TERCEIRO ESPÍRITO DO CAPITALISMO DA DUALIZAÇÃO DO

9.2 AS LUTAS PELA PRESERVAÇÃO DA SAÚDE NO E DO TRABALHO

preservação da saúde não é, necessariamente sucessiva, e sim, por vezes, simultânea. Será dividida, apenas por objetivos didáticos, em cinco grandes lutas: 1) sobrevivência; 2) reparação dos acidentes e das mutilações; 3) identificação e reparação das doenças atribuídas ao trabalho; 4) saúde no trabalho; 5) saúde do trabalho.

O objetivo das três primeiras éa obtenção de benefícios pecuniários para minimizar os efeitos danosos. A aparente monetização e desconsideração da saúde decorre, na realidade, da violência e da desigualdade nas relações de produção, mantidas com repressão dentro e fora da organização.

A quarta luta foi e é influenciada pela concepção prevencionista clássica, pela qual a saúde é a ausência de doenças. Expressa-se pelas práticas das empresas e legislações consubstanciadas em preceitos de higiene e segurança, com enfoque médico e sanitarista.Seus objetivos podem ser assim resumidos: detectar precocemente as alterações fisiológicas e patológicas do indivíduo; evitar que ele adoeça, afastando-o da fonte do risco caso haja alteração perceptível no seu funcionamento normal; sanear o

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ambientea fim deevitar o contato com agentes nocivos; evitar acidentes que mutilam e matam, através de preceitos de segurança. Essas ações servem apenas para garantir que a força de trabalho impulsione a produção.

Por desconsiderar, na relação causa e efeito, os aspectos dinâmicos e dialéticos das relações de produção e trabalho, o positivismo dessa abordagem sanitarista, ambientalista e de segurança não conseguiu responder às razões das lutas dos operários, originada da própria contradição entre capital e trabalho.

A quinta luta baseia-se no conceito de que é na raiz do conflito dessas relações que se encontra a solução definitiva para preservar a saúde e a vida dos que labutam. Para essa vertente, a saúde não é um estado, mas reflexo dinâmico da vida e da sociedade, no nível individual e coletivo. Esse conceito contém implícita a possibilidade de ação e transformação, a ser obtida com liberdade dentro e fora do trabalho.

Difícil é dizer quando a saúde e as condições são boas, se quase invariavelmente a liberdade é cerceada, a capacidade de criar é coibida, o evoluir intelectual, psíquico e social é reprimido no trabalho e fora dele. [...]

O sofrimento isolado ou coletivo dos trabalhadores não pode ser encarado, apenas, como fruto da exposição a agentes físicos, químicos e biológicos do ambiente. As máquinas e seu donos, os produtos manipulados, as relações, ritmo e organização, os salários e o prolongamento social disso tudo é que modula a saúde, sequestra- a e abrevia sua vida (REBOUÇAS, 1989, p. 22-23).

Ao se reconhecer insuficiente a simples detecção precoce do estado normal dos órgãos e meios biológicos, deve-se buscar a razão da inadequação do trabalho.Somente a ação coletiva, política e consciente, pode modificar a sua natureza.

Nem sempre o trabalho destrói o indivíduo instantaneamente. Isso apenas ocorre com as vítimas dos acidentes. Para os demais, o desgaste é lento, acionado pela chefia ou pelos modernos modos de controle e captação da subjetividade. Com sutileza e sofisticação ocorre a extração dos sonhos, da juventude, da saúde, da vida. O esgotamento é tanto mais perverso quando da percepção da superexploração que atinge o ser humano.

9.3. AS RESISTÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS. PARA UMA ARTICULAÇÃO ESTRUTURADA ENTRE A SOCIEDADE DO TRABALHO E A SOCIEDADE CIVIL

Os trabalhadores encontram formas de resistir à produção do sofrimento físico e mental vinculado à organização.

Em face do taylorismo, o absenteísmo e a busca de novos empregos foram resistências assumidas, juntamente com ações sutis voltadas para o boicote dos “enquadramentos” realizados pelos ritmos e regras impostos a partir da “organização científica” (SILVA, 2011, p. 169).

Tais ações afetaram a produtividade e a resposta das organizações tayloristas foi a repressão e a intimidação, mas não conseguiram eliminar as resistências e obter submissão e produtividade máxima.

Respondendo aos interesses patronais, surge uma nova política empresarial, entre os anos 1945 e 1950, apoiada na ideia de que, se as resistências que se opunham à maximização dos esforços produtivos decorriam de oposição e luta contra o patrão, será preciso “fazer desaparecer essa luta por processos de integração econômica eideológica” (Idem, p. 170).

A rotatividade nos empregos e o estímulo à competição entre os indivíduos dificultam a organização de resistências nas empresas, voltadas à alteração e superação das situações opressivas e potencialmente adoecedoras.

Resistências efetivas seriam aquelas dirigidas a produzir transformações na organização. Nessas situações, a sublimação e a criatividade seriam resgatadas e o trabalhador deixaria de estar diante de um trabalho alienado, passando a identificar-se com a atividade que é produto do seu pensamento e desejo (Idem, p. 393).

É de resistência qualquer ação direcionada ao combate das condições atentatórias à dignidade humana,a qual pode ser individual ou coletiva. Em diversos países, as lutas políticas dos trabalhadores incorporaram as pela saúde e humanização das condições, assim como ocorreu na questão da redução das jornadas.

Como exemplos de organizações formais voltadas para a proteção da saúde podem ser apontadas as CIPAs (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes), cujas regulações vigentes limitam a sua eficácia, e os setores de saúde criados junto aos sindicatos. Estes podem constituir-se numa importante forma de resistência organizada, caso superem o assistencialismo e realizem estudos, divulguem informações, produzam conhecimento através de

pesquisas de campo, objetivando a supressão das condições prejudiciais à saúde.

No Brasil, a partir da segunda metade da década de 1980, ocorreram mobilizações dos trabalhadores que reivindicavam a superação de condições agressivas à saúde, como a instauração efetiva da jornada de seis horas, prevista na Constituição de 1988 para os turnos de revezamento. A redução de jornada e a previsão de pausas favorecem a saúde mental e física.

Outra estratégia de resistência adotada pelos sindicatos, no Brasil, é a denúncia ao Ministério Público do Trabalho da degradação das condições de saúde ou daambiência laboral193.

Numa sociedade democrática anseia-se pela verdadeira instauração de uma cidadania plena, que inclui saúde dentro e fora do trabalho, tanto mais nos dias de hoje em que as pessoas continuam conectadas,psicologicamente,ao trabalho, mesmo após o término das jornadas. Isso somente pode ser alcançado mediante o esforço conjunto de toda a sociedade, a partir da ação estatal, através de legislações, negociações coletivas entre empresas e empregados, educação nas escolas,etc.

Causam preocupação a reestruturação neoliberal da economia e os retrocessos empreendidos – que fragilizam os movimentos de resistência, em nome da acumulação de riquezas de muito poucos em detrimento da saúde e da vida de muitos, trabalhadores e coletividade, afetados pelos processos produtivos destrutivos e não sustentáveis194.

A internacionalização do capital e ada divisão da força de trabalho caminham juntas, e tornam necessária a unificação destas num nível também universal.

As dificuldades somente serão atravessadas com a organização dos indivíduos, dentro e fora das fábricas, e a ampliação das pautas sindicais. A estas devem sersomadas as vozes de mulheres, imigrantes, deficientes,

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Exemplificativamente, em 2013, no Piauí, o Sindicato dos Bancários denunciou ao MPT o afastamento de quatro gerentes do mesmo banco para tratamento de saúde. Iniciaram-se as investigações, que culminaram no ajuizamento de ação civil pública na Justiça do Trabalho e consequente condenação da empresa por dano moral coletivo, em 5 milhões de reais, em virtude da prática de assédio moral organizacional (MELO, Anucha. Reduzido a cinzas. In Labor Revista do Ministério Público do Trabalho. Brasília, 2014. p. 16-20).

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http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2015/01/em-2016-grupo-com-1-dos-mais-ricos- domundo-vai-superar-os-99-mais-pobres-3617.html. Acesso em: 26/09/2015.

minorias étnicas e raciais, povos colonizados, desempregados, jovens, enfim, da sociedade como um todo, que é afetada do ponto de vista humano, social, ambiental e econômico.