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A interação em sala de aula e o papel da atividade de estudo

CAPÍTULO 2 AS INTERAÇÕES NA SALA DE AULA: A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM NO DESENVOLVIMENTO DO

2.4 A interação em sala de aula e o papel da atividade de estudo

A interação na sala de aula, processo que se interpõe entre o sujeito e o meio, deve ser intencionalmente planejada. Essa afirmação é senso comum, porém as mediações que se realizam no tempo e no espaço da aula não podem ser entendidas como resultado de um trabalho linear, mecânico. As idéias que foram desenvolvidas até aqui, tanto de Vigotski (VIGOTSKII, 1988; VYGOTSKI, 1993; VYGOTSKI, 2000) como de Bakhtin (2006a, 2006b), mostram que o que determina a aprendizagem e o desenvolvimento da criança não se refere apenas ao biológico da espécie (sem o qual é impossível a existência da vida), mas se refere também e principalmente ao que é histórica e socialmente dirigido.

Martins (2006), em estudo sobre as implicações pedagógicas dos pressupostos de Vigotski, considera que a premeditação do planejamento em educação requer que se considere “o aluno, em sua concreticidade”, e essa consideração não se limita apenas àquilo que o aluno é, mas principalmente ao “que ele pode vir a ser.” (p. 440).

Para que essa “influência premeditada” ocorra, é preciso “situá-la no âmbito das formas políticas e econômicas pelas quais se reveste historicamente a organização social.” (MARTINS, 2006, p. 50). Para a autora, mediante isso, uma outra questão se apresenta – a função essencial da escola como responsável em socializar o saber historicamente produzido e acumulado com o objetivo de alcançar “a máxima humanização dos indivíduos.” (p. 50).

Desta maneira, a intencionalidade que visa à humanização, de acordo com Martins (2006), representa “um efetivo posicionamento político-pedagógico” e “pressupõe tomada de decisões” (p. 51). A adesão à máxima humanização requer um novo professor, uma nova postura. Uma opção assim formulada tem a premissa de que é preciso uma “apropriação de formas de elevação acima da vida cotidiana” (2006, p. 53), e isso só se alcança quando a teoria se expressa nos micro-níveis da sala de aula em decisões didáticas que permitam aos alunos a análise, a síntese e as generalizações.

No contexto dessa abordagem, é preciso pensar a sala de aula no momento exato das interações. A trajetória dos conceitos espontâneos, já explicitados neste texto, até os conceitos científicos, envolve, além de uma nova postura do professor, a reorganização do tempo e do espaço da escola e da sala de aula, em que o aluno se sinta participante e seja ouvido.

Em importante trabalho, Mello (2000) reflete sobre uma nova questão pouco estudada e que implica, sobretudo, a mudança da postura do professor no momento da interação em sala de aula, com a finalidade de promover a humanização máxima dos alunos. Trata-se da

visão que o professor tem do aluno e do que ele pensa a respeito das suas capacidades. De acordo com Mello, essa visão depende de como:

[...] entendemos suas possibilidades e capacidades, a forma como pensamos que ela [a criança] aprende. Tais concepções – a concepção de criança, de processo de conhecimento – e a maneira como entendemos a relação desenvolvimento- aprendizagem e a relação aprendizagem-ensino orientam nossa atitude ao organizar a prática pedagógica. (MELLO, 2000, p. 2).

O conceito de criança que tem orientado a escola na pedagogia “tradicional” é a de um adulto em miniatura e, por isso, um ser incapaz e com necessidade de proteção. Essa proteção inibe as possibilidades do vir-a-ser da criança, uma vez, que na intenção de a “proteger”, o professor limita a “experiência de vida ao definir o que ela pode ou não aprender/fazer.” (MELLO, 2000, p. 2). A autora considera ainda que

[...] ao defini-la como ser incapaz, o educador estabelece uma relação de poder com a criança que, em nome de protegê-la, não permite que ela experimente o “complexo” e descubra seus limites. Com isso, a construção de sua identidade como ser humano único e irrepetível fica prejudicada. (MELLO, 2000, p. 3).

Ao se limitar assim as capacidades da criança, fica impedido o seu acesso às formas complexas de conhecimento, aqueles que vão além dos conhecimentos espontâneos, adquiridos no dia-a-dia, na própria vida. Desse modo, a criança é desestimulada pelo descrédito do professor, gerando nela o sentimento de insegurança.

Por não acreditar nas possibilidades dos alunos, na organização da aula, o professor, por vezes, impede a participação dos alunos nas atividades, ou então a organização de seqüência didática não deixa espaço para o aluno opinar ou refletir, e a aula toma um rumo bastante conhecido: cópias sem sentido, perguntas com respostas previstas de antemão, sem espaços para “análise, síntese e generalizações”, como considera Martins (2006, p. 58).

Segundo Mello, a criança impedida de participar da aula pela própria organização da atividade “vai introjetando uma imagem de incapacidade que permeará fortemente o conceito que constrói de si mesma. Em sua incapacidade e anonimato, a criança vira propriedade dos adultos que dela dispõem.” (2000, p. 3).

Contudo, o professor que tenha uma postura diferente e que seja capaz de fazer a opção pelo “desenvolvimento máximo das possibilidades humanas criadas pelos homens ao longo da história”, de acordo com Mello (2000, p. 3), considera a criança como capaz de participar da construção de enunciações que se dão na comunicação verbal próprias da sala de aula.

A participação de todos – alunos e professores – como protagonistas é resultado do posicionamento do professor diante do processo de ensino e de aprendizagem, e esse posicionamento implica entender que a linguagem, como o lugar de diálogo, é responsabilidade tanto do professor quanto do aluno. Para Machado (2006), Bakhtin apresenta “um circuito de responsabilidade: falante e ouvinte não são papéis fixados a priori, mas ações resultantes da própria mobilização discursiva no processo geral da enunciação. Além de potenciais, são intercambiáveis.” (p. 157).

A devolução da palavra à criança permitirá que se alcance o objetivo proclamado nos PCN16 de temas transversais sobre a pluralidade cultural, qual seja, o de eliminar todas as formas de discriminação e exclusão entre os alunos. Há implicações importantes quando se trata de atingir esse objetivo. Como afirma Mello,

Assumir a pluralidade das identidades infantis implica que o educador perceba a história individual de cada criança como parte de sua identidade e não como fardo do qual é preciso se livrar, implica não criticar, lamentar ou negar a linguagem e os valores que as crianças aprendem em casa e trazem para a escola, implica não tentar fazer a criança esquecer-se ou envergonhar-se da memória da vida fora da escola, mas percebê-la criticamente. (MELLO, 2000, p. 5)

Portanto, nas aulas de linguagem, as experiências vividas fora da sala de aula devem ser objeto de reflexão, compreensão, interpretação, confronto (não valorativo), favorecendo o processo de humanização pela construção conjunta de sentidos e significados. A organização das atividades de estudo pode facilitar ou dificultar esse processo.

Davídov e Márkova (1987, p. 324) consideram que na tarefa de estudo, principal

célula da atividade de estudo, ocorre a assimilação dos conceitos científicos, permitindo aos alunos a aquisição de novas capacidades, ou “novos procedimentos de ação com os conceitos científicos”. O processo de transformação dos conceitos espontâneos em científicos não se dá apenas no domínio dos conteúdos escolares, do “mero intelectualismo”. A transformação pretendida na tarefa de estudo é aquela que ocorre com o próprio aluno, ou seja, mudanças qualitativas no desenvolvimento dos alunos.

Os autores sintetizam a estrutura a qual permite essa transformação em três etapas distintas: em primeiro lugar, “a compreensão pelos alunos das tarefas de estudo”, por via da generalização teórica da área de conhecimento que se quer que o aluno aprenda, quando se torna “sujeito” da atividade. Em segundo lugar, com as “ações de estudo”, as quais expõem a

16 Os Parâmetros Curriculares Nacionais, documento do Ministério da Educação, editado desde 1997, têm a

intenção de orientar a escola de Ensino Fundamental quanto ao trabalho com a diversidade étnica e cultural do Brasil, cujo objetivo declarado é “formar novas mentalidades, voltadas para a superação de todas as formas de discriminação e exclusão.” (BRASIL. PCN – Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, 2001b, p. 15).

organização das ações a serem desencadeadas pelos alunos, para assim individualizar os princípios gerais e as idéias chave da área do conhecimento em foco. E, finalmente, com a realização pelos próprios alunos das “ações de controle e avaliação”. Para os autores, todas essas etapas devem ser realizadas em conjunto com o professor e seus alunos.

A atividade de estudo, nessa perspectiva, “não é um fim em si mesma, mas antes de tudo, a condição indispensável para o desenvolvimento intelectual e moral do aluno, de sua esfera intelectual e motivacional”. (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987, p. 328).

O percurso sugerido pelo desenvolvimento desse processo requer que cada aula e as ações dos alunos sejam estruturadas nas bases teóricas e gerais dos princípios que constituem determinado conteúdo ou área do conhecimento. As questões particulares serão vistas a partir desses princípios gerais, e a busca de soluções para problemas particulares deve ser feita por referência a problemas semelhantes ao apresentado pelo professor. Para os autores, esse trajeto representa o caminho do pensamento teórico com componentes que se englobam em “a reflexão, a análise, o plano interno das ações”. (1987, p.329).

Nas aulas de linguagem escrita, a apresentação e a exploração do texto como unidade de estudo levam o aluno a entrar em contato com toda a complexidade do conteúdo que se quer transmitir, e os princípios gerais estão presentes quando a escrita dos textos não é “facilitada” pela sentença ou por frases desconexas.

No próximo capítulo, a linguagem que se escreve e toda a sua complexidade serão tratadas à luz da teoria Histórico-Cultural.

CAPÍTULO 3 - TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E O ENSINO DA