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Os registros reflexivos de P

CAPÍTULO 4 ANÁLISE DOS DADOS

4.1 A categoria utilizada na análise

4.2.1 Os registros reflexivos de P

Nas conversas que tive com a professora, na leitura e análise dos cadernos de planejamento das aulas, foi possível perceber que ela planeja suas aulas semanalmente. Ao final do planejamento da semana, P faz um breve registro reflexivo, que é lido, vistado e comentado pela coordenadora pedagógica e pela diretora da escola.

Na organização do trabalho docente, P preenche uma planilha semanal que recebe o nome de ROTINA, na qual descreve os conteúdos a serem trabalhados nas seguintes modalidades: atividades permanentes (diárias, semanais ou quinzenais), atividades seqüenciadas (quando se trata de repetir um conteúdo em diferentes situações de ensino, para fixação do mesmo), projetos (são projetos didáticos, com foco na leitura ou na escrita, que visam a um determinado produto final, por exemplo, fazer uma exposição de cartazes sobre um determinado assunto ao final do projeto), e atividades esporádicas (para assuntos nem sempre pertinentes aos tópicos do conteúdo que estão sendo desenvolvidos, porém necessários para cumprir uma exigência da escola). Em registro reflexivo de 12 de maio de 2007, a professora escreveu:

Considero-me uma professora conteudista, pois acredito que a assimilação do conteúdo pelos alunos da escola pública pode aproximar os alunos que não tem chances de viajar, ler, ter acesso ao computador. O fato de eu me considerar conteudista não significa que eu valorizo e faço meus alunos decorarem os conteúdos. Mesmo a gramática eu procuro sempre contextualizar, mas, quando não dá, mostro que é importante saber as regras para escrever bem...

Considerando a importância dada por Vygotski (2000, p. 356) à apropriação dos signos construídos pelos homens ao longo da história da humanidade para “novas conexões no cérebro”, o fato de P se considerar conteudista, não seria uma marca de depreciação, mas pelo contrário, o entendimento da professora sobre a importância desses conteúdos para a formação do homem.

Nos registros de P, é comum encontrar críticas contundentes ao seu próprio trabalho, às suas aulas e aos seus planos. Ela avalia constantemente as aprendizagens dos seus alunos. Replaneja os conteúdos sempre que considera os resultados ruins. Esse rigor estende-se também à organização física da classe na sala de aula e/ou a outros ambientes como a biblioteca, a sala de informática, os grupos que forma para o desenvolvimento de alguma atividade em especial (a professora trouxe por escrito os nomes para a composição das duplas que iriam para os computadores na sala de informática, conforme APÊNDICE V - 05/06/2007). A professora determina os lugares dos alunos na sala e faz a troca desses lugares bimestralmente, ou de acordo com a atividade a ser realizada. Essa ordem é obedecida pelos alunos.

Outro aspecto a ser considerado na prática da professora refere-se à organização com que apresenta os conteúdos e a ordem que consegue manter na classe quando explica um conteúdo. No registro do dia 12 de junho de 2007, observa-se que P planeja situações adequadas de atividades de ensino:

Já assumi por três anos classes de 4ª série consideradas “difíceis”, duas vezes em rede municipal de uma cidade vizinha e uma ao chegar em 2006 nesta escola estadual. Para esses alunos, uso estratégias diferenciadas, materiais alternativos, como um material que conheço com o nome de Classes de Aceleração23, material

que acho muito bom, porque estimula os alunos a se envolverem nas tarefas, pois trabalha quase tudo em forma de projetos. Esse material traz jogos, trabalho com música, poesias. Para os que não estão totalmente alfabetizados, utilizo parlendas, músicas que sabem de memória, e então os alunos só precisam ter o foco no sistema de escrita e não em compor um texto. Para esses alunos, na correção dos cadernos, nunca coloco críticas ou uso a caneta vermelha para pôr tudo errado, pois eu sei que eles vão cometer muitos erros mesmo. A auto-estima deles deve ser melhorada, não passando a mão na cabeça deles, mas mostrando o que eles já sabem e aquilo que eles erraram. Quando é para corrigir, eu uso o lápis assim dou oportunidade para eles acertarem.

Há uma correlação entre a adequação das atividades com os diferentes níveis de desenvolvimento dos alunos da classe. O nível de desenvolvimento efetivo (VIGOTSKII, 1988, p. 111) dos alunos é levado em conta nessa adequação. A oportunidade de acertar, dada

23 Esse material foi elaborado pelo CENPEC (Centro de Pesquisas para Educação e Cultura), com coordenação

geral de Marta Wolak Grosbaum, e editado em quatro módulos para o professor e quatro módulos de atividades para os alunos, em 1998, no projeto denominado Aprender pra Valer. O material destinava-se a classes com

pela professora ao aluno, quando ela corrige a escrita a lápis, demonstra que a professora sabe que a habilidade de escrever se desenvolve na escola e que se trata de conteúdo complexo.

Em outro registro, do dia 20 de junho de 2007, a professora escreveu sobre a importância do contato dos alunos com os signos culturais criados pelo homem. Essa interação do aluno com o objeto em sua “forma ideal” (VYGOTSKY, 1935, p. 23), os bons textos, permite uma compreensão, um melhor discernimento que só a apresentação do objeto como tal pode fornecer ao aluno:

Diferentemente da maioria das crianças que adoram gibis, os meus alunos não se mostraram muito interessados/motivados. Acho que isso acontece porque eles têm muitas dificuldades de entenderem as malícias e estratégias utilizadas nesse tipo de gênero. Vou continuar insistindo, pois os meus alunos não têm acesso a esse tipo de leitura, uma vez que não podem comprar gibis (...). Estou feliz com a leitura em voz alta que faço todos os dias. Estamos lendo um livro em capítulos. Não achei que conseguiria o envolvimento dos alunos tão cedo, pois, é texto longo. Eles estão gostando muito. Antes de começar um novo capítulo, pergunto-lhes sobre o anterior e eles sempre têm informações para apresentar.

O trecho acima mostra como o nível de desenvolvimento efetivo (VIGOTSKII, 1988, p. 111) influenciou a professora na escolha e organização do trabalho com a leitura de gibis e outros textos.

Como decorrência do trabalho que faz com a leitura em voz alta, P realiza com seus alunos atividades de sistematização por meio das fichas de leitura. Em seu registro do dia 08 de julho de 2007, percebe-se que P não considera ser possível a simplificação para esse ensino. Os autores escolhidos pela professora demonstram que ela entende a escrita e a leitura como um “artefato histórico, cultural e antropológico” que é “amplo e multifacetado” (ARENA, 2006, p. 170).

Esta semana finalmente, consegui deixar a ficha de leitura em dia, preenchemos todos os campos e avaliei com os alunos tudo que já tínhamos lido. E não foi pouca coisa! Anotamos dia a dia o que lemos com: data, título, autor, editora, gênero, e observações. Vi com esse trabalho que já lemos Monteiro Lobato, Ana Maria Machado, Clarice Lispector, Tatiana Belinki, Joel Rufino dos Santos, Sylvia Orthof. Acho que estamos bem, os alunos estão conquistando comportamento de leitores, ficam em silêncio, têm coisas a comentar ao final da leitura e reclamam quando não gostam.

A reflexão que P faz permite perceber que a leitura em voz alta, feita todos os dias, oportuniza aos alunos o contato com bons textos, que não são fáceis, mas são de qualidade. Os alunos compartilham idéias sobre os textos, com os colegas e com a professora, em uma estratégia que P utiliza para aproximar os alunos do mundo letrado e da produção de significados e sentidos, preenchendo as necessidades de leitura na escola e na vida cotidiana (JOLIBERT, 1994, p. 31).

Exercer a função social da escrita quanto à legibilidade parece ser a preocupação de P quando revisa os textos escritos por seus alunos. No registro de 11 de agosto de 2007, a professora planejou atividades de revisão, onde a autonomia do aluno como revisor do seu próprio texto e dos textos dos seus colegas pode ser exigida. O PCN de Língua Portuguesa (BRASIL, 2001a, p.80)

Fizemos a revisão coletiva da reescrita do texto Maria vai com as outras, de Sylvia

Orthof. Os alunos participaram bastante dessa atividade, o aluno 11 ficou orgulhoso de ver seu texto exposto no retroprojetor e, depois de revisado, colado no caderno dos colegas. Dessa vez fiz a revisão com o foco na textualidade, por isso devolvi os textos com a correção ortográfica já feita. Os alunos estão avançando na seqüência de um texto narrativo, epercebo que os alunos param para prestarem atenção no uso dos diálogos, da estruturação dos parágrafos.

As reflexões que P realiza permitem perceber que, no processo de produção e reprodução dos textos, bem como nas tarefas de revisão, os alunos podem ser protagonistas e recriadores de textos clássicos e produtos culturais da atividade humana, neste caso, a linguagem escrita de autores consagrados. No caso do conhecimento da linguagem em textos bem escritos (BRASIL, 2001a, p. 82) e do acesso aos livros, a maioria dos alunos, muitos filhos de plantadores/cortadores de cana e outros produtos da agricultura, depende exclusivamente da mediação de P.