• Nenhum resultado encontrado

Vocês estão de parabéns As respostas estão ótimas

CAPÍTULO 4 ANÁLISE DOS DADOS

P: Vocês estão de parabéns As respostas estão ótimas

No momento em que destaca as características do texto do tipo informativo, a professora interage com os alunos e vai ampliando as informações sobre os animais silvestres e outras que são pertinentes ao assunto do texto. Para Koch (2002), na busca de sentidos, “o ouvinte/leitor de um texto mobilizará todos os componentes do conhecimento e estratégias cognitivas que tem ao seu alcance para ser capaz de interpretar o texto como dotado de sentido.” (KOCH, 2002, p. 18).

Nas aulas de produção e interpretação de textos, P realiza com seus alunos a mediação necessária para buscar esse sentido a que autora se refere. Realiza com os alunos, passo a passo, o mesmo percurso que deverão realizar quando forem escrever os textos individualmente e “[...] estimula e ativa na criança um grupo de processos internos de desenvolvimento no âmbito das inter-relações com os outros, que, na continuação, são

25 Os trechos em negrito são grifos nossos e têm como objetivo ressaltar determinados aspectos da fala dos

absorvidos pelo curso interior do desenvolvimento e se convertem em aquisições internas da criança.” (VIGOTSKII, 1988, p. 115).

Ao permitir que os alunos participem ativamente das aulas, P transforma a atividade de escrita em oportunidade de ampliação da experiência psicológica deles. E por ser uma atividade reflexiva, estimula ainda “a formação de capacidades, motivos, finalidades, sentimentos etc.” (MARTINS, 2007, p. 84), tudo sendo objetivado na e pela atividade.

Durante os oito meses de observação das aulas de português, P nunca deixou de ouvir os alunos em qualquer que fosse o tipo de atividade desenvolvida: na interpretação, na produção, na reescrita dos textos dos alunos, na produção coletiva de texto, no estudo de um determinado gênero textual, dentre outras.

As questões gramaticais, nas aulas de P, foram ensinadas sempre em situações em que os textos estavam presentes, porém, observou-se que os textos não eram pretextos para a realização de atividades gramaticais. Permeadas por textos de diferentes gêneros, as atividades de gramática exigiam a reflexão dos alunos sob a influência da aplicação prática dos recursos no próprio texto. A atividade de gramática assim situada transforma-se em conteúdo constitutivo da atividade, isto é, os motivos da atividade, o objetivo da ação e o resultado da operação estão relacionados pelo uso prático desse mesmo conteúdo.

Para Galperin (1988, p. 10), a atividade psíquica é “o resultado da passagem das ações materiais externas para o plano da reflexão, ao plano das percepções das imagens e conceitos”. A aplicação imediata das regras da gramática no texto que está sendo discutido e/ou reformulado pode permitir que as etapas sobre as quais a forma material da ação produz a sua forma mental sejam contempladas.

Na aprendizagem e no ensino da língua escrita, a comunicação está atrelada ao desenvolvimento do aluno; ela não responde apenas à comunicação necessária para que a aula se realize, mas é meio de expressão importante e necessária para o aluno. P, ao propiciar as condições para que os alunos participem da aula, opinando sem inibição ou medo de errar na produção de textos orais com destino ao texto escrito, permite interações do aluno com o mundo (via texto) e com os outros alunos (na aceitação ou não das sugestões dadas). Esse processo de interlocução que P desenvolve durante as interações realizadas ao redor dos textos desempenha importante papel na construção de significados pelos alunos.

O movimento de produção de texto assim concebido torna-se um processo pedagógico privilegiado. Nesse processo ocorrem: o uso dos modelos (com os textos que a professora leva para leitura), a interpretação (com a sua assistência e a dos alunos mais adiantados e com

as pistas que a professora dá ao adequar as sugestões dos alunos no momento em que realiza o registro na lousa) e a negociação que P desenvolve com os alunos para realizar as escolhas.

A mediação exercida na e pela linguagem permite a internalização de signos qualitativamente melhores e culturalmente elaborados. As aulas observadas parecem confirmar a afirmação de Luria (1988, p. 188) de que “[...] não é a compreensão que gera o ato, mas é muito mais o ato que produz a compreensão – na verdade, o ato freqüentemente precede a compreensão”, e os alunos gradativamente são capazes de usar “expedientes culturais complexos.”

A mediação não ocorre somente pela fala da professora ou pelas falas dos outros alunos, mas pode ser realizada pelo texto, ao ser construído passo a passo em diferentes situações de aprendizagem, por meio de diferentes gêneros, na própria linguagem que se estabelece na aula.

A formação de conceitos pelos alunos nesse processo de construção de significados é muito importante. Vigotski destacou que os conceitos espontâneos são apreendidos pelo indivíduo “após seu contato com os objetos ou fenômenos e só mais tarde consegue realizar operações abstratas com eles.” Inversamente, um conceito científico nasce “após o estabelecimento de ligação indireta com o objeto.” (POLONI, 2006, p. 158). Com paciência, P ouve os alunos sem pressa e permite, nesse momento, a construção de significados com os textos e com os outros alunos.

Para Poloni (2006), o caminho do conceito científico, no caso do texto em construção e toda sua complexidade até a compreensão pelos alunos, se faz pelo “processo dedutivo”. Nas diversas observações das aulas, P depura com os alunos os textos, que, de inatingíveis por sua complexidade, tornam-se claros e assimiláveis pelos alunos. A atuação na ZDP é, portanto, realizada pelas falas da professora e dos outros alunos, pelas atividades e pelos textos. Os trechos a seguir mostram a organização da atividade que permite a participação dos alunos:

Leitura e entendimento de uma notícia de jornal (Apêndice XXII, do dia 17-10-07):

[P distribui a notícia “Pescador chinês captura tartaruga que pode ter 500 anos”.] P: Cada um lendo a notícia

[Os alunos, em silêncio, lêem a notícia.]

P: Quem acabou pode fazer a leitura para o companheiro (da dupla).

[Algumas duplas realizam a tarefa, já buscando algumas informações, por exemplo, o que era “yuans”.]

[P, enquanto os alunos fazem a leitura, escreve na lousa: “1. O que aconteceu? 2. Onde aconteceu? 3. Quando aconteceu? 4. Quais os envolvidos? 5. Como aconteceu? 6. Informações adicionais?”]

P: Hoje vocês não farão perguntas sobre o texto da notícia. Vocês resolverão as questões em dupla.

Em outra situação de leitura, expressa no trecho abaixo, é possível perceber a interação realizada pelos alunos com a professora, com os outros alunos, com o texto que está sendo produzido e com a ajuda específica dada pela professora a grupos especiais de alunos que encontram dificuldades:

Atividade: Leitura e entendimento do texto A Coisa, de Ruth Rocha (primeira parte). (APÊNDICE XVI - TRANSCRIÇÃO DE GRAVAÇÃO DE AULA EM ÁUDIO) Data: 22/08/2007.

[P inicia a leitura de texto em voz alta.] [A1 reconta texto de maneira breve.]

[P pede aos alunos para pensarem e dizerem o que é “a coisa”.] A17: Só imaginação dele.

A9: Uma bagunça, várias coisas espalhadas. A4: Brinquedos velhos com luz.

A11: Algum objeto que tem espelho e reflete quando bate luz. P: Só isso que vocês sabem da história?

[A classe, em alvoroço, quer iniciar a leitura da segunda parte do texto para descobrir o que era “A Coisa”.]

P [antes de entregar diz]: vocês ainda podem dar sugestões do que é... Nem você pode falar [para um aluno repetente que já conhecia o texto.]

P [para a classe]: Então ninguém acredita que é monstro de verdade? [A classe fica em tumulto e os alunos dão várias opiniões.]

A6 [tenta dar sua opinião sobre as várias solicitações]: Professora... Professora... [P distribui a segunda parte do texto.]

P: Pessoal... Deixa-me falar uma coisa... Pessoal... Nós ainda não terminamos a interpretação da primeira parte. Não é isso.

P continua: Nós fizemos a questão um; a dois era o desenho da casa de tarefa, nós fizemos a três. Nós fizemos a quatro, a letra “a” da cinco, a “b” era o desenho dos mortos também de tarefa... Então está faltando fazer as de número: 6, 7 e 8, certo? Marquem aí. Se você precisar de mim, é só levantar a mão que eu vou circular pela classe toda.

[Os alunos prestam atenção.]

P: Se o problema é “eu comecei e agora como faço, é só colocar ‘continuação da interpretação’...”

[P circula pela classe o tempo todo e responde aos mais diferentes tipos de questões: sobre o próprio texto, sobre se tinham ou não que pular linha, se era com letra maiúscula ou minúscula...]

P [após algum tempo]: Vamos fazer a 6, a 7 e a 8 no coletivo senão não dá tempo de fazer a outra parte e vocês estão ansiosos para saber o que é “a coisa”.

P [para A7]: O que você imagina que seja “foi tirar a limpo”? Quando uma pessoa fala isso “fulano foi tirar a limpo”. No texto, por exemplo, “Dona Julinha foi tirar a limpo o que estava acontecendo”.

A7: O que estava acontecendo.

P [para A11]: O que é “foi tirar a limpo”?

A8: Esclarecer uma dúvida sobre determinado assunto. [P dirige-se ao A9.]

A9: É... É... Ver o que está acontecendo. P: Todos falaram a mesma coisa até agora. [P dirige-se ao A17.]

A17: Tirar satisfação.