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CAPÍTULO 4 ANÁLISE DOS DADOS

4.1 A categoria utilizada na análise

4.2.2 Observações das aulas

Além dos registros reflexivos de P, a organização das tarefas de estudo pode ser vista nos registros de observações das aulas de trechos destacados dos apêndices. No dia 05-06- 2007, P planejou uma pesquisa na internet sobre os animais em extinção. Como o número de computadores não é suficiente para todos os alunos, antes de sair da sala, P determinou antecipadamente quais duplas iriam trabalhar em cada computador, como já afirmamos anteriormente. Além disso, preparou uma atividade de pintura para os que iriam esperar o momento de fazer a pesquisa (a sala tem uma mesa central que possibilita a divisão dos alunos em dois grandes grupos para o uso das máquinas). P explicou para os alunos a divisão prévia das duplas:

A divisão das tarefas é muito importante, pois sei que existem alunos que já sabem acessar a internet e aqueles que não sabem. Vou orientar passo a passo, e aqueles que já sabem não irão atropelar e nem se adiantar aos que ainda não sabem. O compromisso com os combinados tem que ser seguido à risca, senão o tempo não será aproveitado. (Apêndice V).

Para Leontiev (1978), a preocupação com a organização do material didático deve estar em relação direta com o “objeto do qual se deve tomar consciência e que deve ser assimilado” (LEONTIEV, 1978, p. 203), e as ações externas devem colaborar para a assimilação por parte do aluno. A professora com 33 alunos e apenas 10 computadores teve de tomar providência para que o uso da máquina não fosse apenas mais um exercício mecânico, mas que as aprendizagens fossem, de fato, conseguidas, não apenas em relação aos animais em extinção, mas também em relação ao uso do site de busca que a professora utilizou (para essa tarefa, ela contou com a ajuda de uma funcionária da escola).

A mediação do computador na aprendizagem dos alunos só foi possível, nesse caso, pela organização rigorosa das duplas e pela divisão das atividades a serem desenvolvidas por eles em dois grandes momentos: o de pintar o cartaz que seria usado para ilustrar o trabalho e o de participar da pesquisa no computador. Ao planejar as atividades, a professora pensou nas condições disponíveis na sala de informática da escola e nas dificuldades que teria por isso. Ao permitir que, em ordem, os alunos tivessem o contato com os dados sobre os animais em extinção, a professora possibilitou que o material didático exercesse o “papel concreto [...] na assimilação” dos conteúdos por parte dos alunos e a relação que esse material tem com o próprio conteúdo (LEONTIEV, 1978, p. 203).

No dia 16-05-07 (Apêndice III – Produção coletiva de texto), a professora fez com os alunos a produção coletiva de um texto, que teve como referência a seqüência de gravuras (história em quadrinhos) de uma menina que pretendia desenhar um pássaro e que, no entanto, ao vê-lo preso na gaiola, não conseguiu. Solicitou, então, ao dono da gaiola que soltasse o pássaro, mas o pedido não foi atendido. Assim, a menina desenha e pinta uma paisagem e faz uma troca com o dono do pássaro: ele solta a ave e ela pendura o quadro no lugar da gaiola.

Nessa produção, a professora mobilizou vinte e três participações dos alunos, e a interação realizada entre eles e a professora resultou em um texto do tipo narrativo que teve origem em um texto visual. Segundo Bronckart (2006), a professora desenvolveu dois processos: um referente ao gênero de texto escolhido (conto), que atendia às necessidades de ação, e outro referente às adaptações ao modelo escolhido, resultando em um “novo texto empírico, que, portanto, apresentará os traços do gênero escolhido e os do processo de adaptação às particularidades da situação.” (BRONCKART, 2006, p. 147).

Para esse autor, os alunos e a professora estão envolvidos em uma situação de ação na linguagem; trata-se de uma “mediação formativa”, isto é, processo deliberado no qual o adulto (neste caso, a professora) integra os alunos aos “pré-construídos disponíveis no seu ambiente sociocultural.” (BRONCKART, 2006, p. 129).

P não demonstra ansiedade para encerrar as participações: utiliza a linguagem na escuta e produção de sentidos pelos alunos, os quais partem da produção do texto oral para chegar à produção do texto escrito posteriormente. A utilização da linguagem como mediação estrutura a experiência do aluno. Nessa estruturação, P e os alunos operam com várias áreas do conhecimento. No caso do título da história, a questão da liberdade aparece:

P: Qual é a primeira coisa de um texto? O título. P: Vamos escolher um.

A1: Marina e o passarinho. A12: Solte o passarinho. A3: O passarinho engaiolado. A5: A gaiola do passarinho.

A22: O passarinho que pensa em ser livre. A7: O passarinho triste.

A16: O sonho de liberdade.

P anota todas as sugestões na lousa, e faz o seguinte comentário: “A história poderia ter um título que falasse sobre o que vai acontecer, ou que crie um suspense. Vou respeitar a opinião de vocês. A história é NOSSA. Não precisamos colocar títulos parecidos com os que encontramos geralmente nos textos” (Apêndice III, de 16-05-07). Ao ouvir um número tão grande de sugestões para o título da história, P está permitindo o protagonismo dos alunos e a possibilidade de expressão dos mesmos (MELLO, 2006, p.190), possibilitando que os mesmos se apropriem da linguagem de forma ativa.

Ao poder participar da elaboração do texto sem medo, o aluno tem o seu desejo de expressão estimulado e exercita “seu papel de protagonista no seu processo de aprender e se tornar cidadão.” (MELLO, 2006, p. 190). A afirmação desse protagonismo aparece quando a professora respeita as sugestões dadas pelos alunos, mesmo não concordando muito com eles, sem descuidar, no entanto, de fazer as adequações quando elas são indispensáveis.

Apesar da participação intensa dos alunos nessa produção, em vários momentos, a professora faz adequações nas sugestões dos alunos para aprimorar e dar sentido ao que vai ser escrito:

P: Vamos começar. Não escrevam, por enquanto. A 6: Era uma vez.

A6: Era uma vez uma menina que se chamava Marina.

P: Um texto narrativo tem vários começos. Não precisa começar sempre com ERA UMA VEZ.

A11: Um belo dia, Marina queria desenhar um pássaro.

A16: Uma tarde Marina saiu para desenhar um pássaro para sua coleção de desenhos.

P [na lousa]: “Um belo dia Marina saiu de sua casa muito contente à procura de um passarinho para desenhar.”

Ao completar as idéias dos alunos, a professora dá pistas de como continuar o texto, de como explicitar a idéia que está implícita, nesse caso, a alegria da menina manifestada na gravura. Além disso, ao retomar a leitura do texto todo constantemente, a professora recupera o foco narrativo com os alunos e os ajuda na construção de sentidos, para que seja possível continuar a escrita. Para Koch (2002), o texto passa a ser considerado o próprio lugar de interação entre os interlocutores, que, como sujeitos ativos no processo de produção, “se constroem e são construídos.” (KOCH, 2002, p. 17).

No dia 24-05-07 (Apêndice IV), na aula de Produção individual de texto, a professora elabora um quadro com todas as características de um texto narrativo. Na construção desse quadro, a participação dos alunos é intensa, pois eles já conhecem esse tipo de texto. Com vinte e três participações nas sugestões da composição do quadro, os alunos, mesmo sem usarem a nomenclatura, sugerem o foco narrativo, os personagens, a presença do narrador, o enredo, o tempo da narrativa e o espaço:

P: Vocês vão falar para mim o que não podemos esquecer na hora de produzirmos nosso texto.

A3: Pontuação. A8: Parágrafo.

Em outros trechos:

P: O que mais temos que lembrar para fazer um texto? A22: Começo, meio e fim.

P: E como será o começo da história?

A8: A menina saiu para desenhar o passarinho.

P: Ela saiu com A INTENÇÃO de desenhar um pássaro. E o meio? Como será? A6: Ela viu um pássaro na gaiola.

P: E o final?

A6: Ela resolve dar o desenho em troca da gaiola.

Em outro trecho, P perguntou: “O que mais temos que lembrar?” A8 respondeu: “Temos que lembrar que existe um narrador. Quando ele for falar, tem que ficar separado.” P escreve na lousa: “Anunciar os diálogos com (:) ou (–)”.

A professora, nessa atividade, fez do gênero textual “conto” e do tipo “narrativo” o instrumento de mediação entre aluno e professor (MARCUSCHI, 2005). A produção desse texto faz parte de uma seqüência de aulas que têm por objetivo principal ensinar as características do gênero conto24. Apesar de ser um gênero conhecido pela criança, mesmo antes de entrar na escola, o desenvolvimento detalhado das características desse gênero é

24 Ver também o Apêndice III, quando a professora faz a exploração oral de uma seqüência de gravuras e produz

importante para explicitar como ele se apresenta na escrita de um conto. A maior dificuldade dos alunos parece estar na separação adequada dos personagens e do narrador.

Para Schneuwly e Dolz (2004), os gêneros, por serem “formas relativamente estáveis tomadas pelos enunciados em situações habituais”, podem tornar-se “instrumentos que fundam a possibilidade de comunicação.” A utilização dos gêneros textuais nas aulas, de acordo com esses autores, evita que a linguagem seja apreendida de forma fragmentada e se transforma em um megainstrumento, isto é, “um suporte para a atividade nas situações de comunicação”, em que dominam a ‘expressão do pensamento, da experiência, ou da percepção.” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 74-76).

Outro momento significativo de interação entre a professora e os alunos, mediada pelos gêneros, ocorreu em aula do dia 12-06-07 (Apêndice VII), quando trabalhou com a fixação das características do texto do tipo informativo, gênero verbete de dicionário:

P inicia a correção da tarefa em voz alta: “Por que a floresta tropical está com

problemas?” Aqui, P realiza o que Schneuwly e Dolz (2004), indicam como sendo a adaptação do gênero a ser estudado às capacidades apresentadas pelos alunos.

A8: Porque está sendo destruída.

A13: Os animais estão perdendo o lugar onde moram.

P: O que é biodiversidade? Procurem no caderno. Nós já procuramos no dicionário. Leiam no caderno.

[A4 faz a leitura.]

P: Então uma floresta rica em biodiversidade é aquela que tem uma variedade muito grande de espécies de animais e vegetais. A destruição das florestas tropicais traz junto a destruição de tudo que existe lá. Abram a cortina e vejam que aquelas duas árvores são da mesma espécie, porém o coqueiro do jardim é outra espécie.

A busca das capacidades dos alunos em relação ao assunto continua, pois P busca, no cotidiano, referências para o entendimento do texto. Para Leontiev (1988), as atividades podem ser decompostas em ações, e as ações de linguagem envolvem uma série de reflexão, compreensão, interpretação e outras. Essas ações dependem do contexto. Para Schneuwly e Dolz (2004), “é através dos gêneros que as práticas de linguagem materializam-se nas atividades dos aprendizes” e ampliam a capacidade de comunicação. P, ao questionar os alunos sobre as características do gênero informativo, permite que elas sirvam de suporte para a comunicação/interação que ocorre na sala de aula.

P pergunta qual é a informação mais importante do texto e lembra aos alunos que as características do texto informativo já haviam sido estudadas alguns dias atrás.

A5: A maioria dos seres vivos precisa da floresta tropical. A11: O Brasil tem floresta tropical?

[P faz correção de questões do texto: diferença entre ambiente silvestre e ambiente doméstico – o desenho é auto-explicativo.]

[A7 lê um verbete de dicionário] A7: Silvestre: da selva. P: Tudo o que é da selva, selvagem.

[A8 lê também um verbete de dicionário] A8: doméstico (ambiente doméstico)] P: Tudo o que é relacionado à casa, família, lar.

[P escreve na lousa: “Silvestre: Ambiente próprio das selvas, selvagem; Doméstico: Concernente à vida da família, à casa, ao lar.”] [Os Alunos dão várias respostas.]

A3: Porque estão acostumados com a vida nas selvas e irão morrer. A9: Porque é crime.

A10: Porque eles gostam de viver juntos.

A11: Porque eles não vivem sem seu habitat natural. P: Parabéns! Vocês já estão usando novo vocabulário. A4: Porque haverá interrupção na cadeia alimentar.

P: Parabéns! Sua resposta está ótima. Vocês estão caprichando nas respostas. [P escreve na lousa: “Porque eles precisam viver em seu habitat natural para viver.”] P: Quando compramos animais, aumentamos a lista dos animais ameaçados de extinção e prejudicamos a cadeia alimentar.

P [pergunta ao A3]: Por que quando compro animais silvestres aumento a lista dos animais em extinção?

A3: Porque ele não sobrevive em ambiente doméstico.

P: Porque interrompem a cadeia alimentar e, se não houver alimento, pois já sabemos que um animal come o outro, e se aquilo que ele come está em extinção, acabou então ele terá que recorrer a outro alimento.

[P diz que quer ouvir todas as respostas] P: Penso que as pessoas quebram uma lei. A13: Porque é muito errado. Acho chato.

A14: Acho que está errado tirá-lo do seu habitat natural porque eles já estão acostumados lá.

A1: Ninguém gosta de viver em cativeiro.

A16: O animal silvestre pode criar dependência de seu dono e não resistir se voltar para seu ambiente natural.