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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.4 A interdisciplinaridade e a criatividade

Ela (a interdisciplinaridade) tem basicamente a ver com a procura de um equilíbrio entre a análise fragmentada e a síntese simplificadora. Entre especialização e saber geral, entre o saber especializado do cientista, do expert e o saber do filósofo.

Siebeneichler

Por muito tempo, a ciência ocidental foi reducionista, ou seja, reduziu o conhecimento do conjunto ao conhecimento das partes que o constituem, partindo do princípio que ao se conhecer as partes o todo seria conhecido (MORIN, 2000). O conhecimento ficou então repartido em inúmeras disciplinas que se tornaram fechadas em si mesmas, compartimentadas umas em relação às outras, dificultando o entendimento global. Para o autor, a especialização, ao abstrair e extrair um objeto de seu contexto e de seu conjunto, rompe os laços e a intercomunicação do objeto com o seu meio, inserindo-o no compartimento da disciplina, cujas fronteiras quebram arbitrariamente a sistemicidade, isto é, a relação da parte com o todo. Para ele, são importantes determinadas especializações, mas o exagero leva à perda do todo e do próprio objetivo. Atualmente, os meios de produção querem trabalhadores qualificados, flexíveis, com base técnica e científica. Ainda Morin (2000) invoca Pascal, que afirmava que as partes só podiam ser conhecidas se houvesse conhecimento do todo em que se situavam e só se poderia conhecer o todo se houvesse a busca do conhecimento das partes componentes. Assim, não se pode compreender o ser humano apenas através dos elementos que o constituem. A medicina é um exemplo típico da especialização. Para um simples cidadão que sente algumas dores não precisas é difícil se encaminhar a um especialista, senão através de um clínico geral.

Apesar da necessidade de integração entre as disciplinas, no Brasil, observa-se uma organização de ensino fragmentada e desarticulada, em que os currículos escolares são constituídos por compartimentos estanques e incomunicáveis, que produzem uma formação humana e profissional de alunos aquém do necessário para o enfrentamento das práticas sociais que exigem formação mais crítica e competente (PIRES, 1998). Em função da velocidade das mudanças causadas pela globalização e pelas tecnologias de virtualização, como a internet, as mudanças paradigmáticas no campo científico, as transformações de valores na sociedade, a competição intensificada, o descompasso entre o que a sociedade precisa e os profissionais que as universidades têm formado, são necessárias mudanças urgentes na instituição de educação superior, como a adoção da interdisciplinaridade, entre

tantas outras.

No que diz respeito ao tópico aqui discutido, entram em cena três conceitos que precisam ser esclarecidos: multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, que são níveis de relações entre as disciplinas. Medeiros (2010) e Pombo (2010) esclarecem tais termos, buscando em Berger e Piaget conceitos para multidisciplinaridade, transdisciplinaridade e interdisciplinaridade.

Multidisciplinaridade - para Berger, é a justaposição de disciplinas diversas, às vezes sem relação aparente entre elas; para Piaget, ocorre quando a solução de um problema requer a obtenção de informações de uma ou mais ciências ou setores do conhecimento, sem que as disciplinas que são convocadas por aqueles que as utilizam sejam alteradas ou enriquecidas. A multidisciplinaridade tem se resumido nas tentativas de trabalho conjunto, pelos professores, entre disciplinas em que cada uma trata de temas comuns sob sua própria ótica, articulando, algumas vezes bibliografia, técnicas de ensino e procedimentos de avaliação, ficando a ideia apenas de justaposição de disciplinas (ALMEIDA FILHO, 1997). A mesma ideia é compartilhada por Japiassu (1976), ao afirmar que a multidisciplinaridade se caracteriza por uma ação simultânea de várias disciplinas, por sinal, bastante fragmentadas, em torno de um tema comum.

Transdisciplinaridade - para Berger, é o desenvolvimento de uma axiomática comum a um conjunto de disciplinas; para Piaget, é uma etapa superior à interdisciplinaridade que não atinge as interações ou reciprocidade, mas também situaria essas relações no interior de um sistema total; haveria uma teoria geral de sistemas ou estruturas que incluiria estruturas operativas, estruturas regulatórias e sistemas probabilísticos e que uniria estas diversas possibilidades por meio de transformações reguladas e definidas. A transdisciplinaridade é uma pedagogia de educação proposta com vinculação ao pensamento complexo e epistêmico, que Morin trata com muita propriedade. Seria a interação global das ciências que, na visão de Fazenda (2000), é um horizonte inalcançável. Para Almeida Filho (1997), a transdisciplinaridade é como a busca de um novo paradigma para as ciências da educação. Mas é um objetivo a perseguir, tanto que a Carta da Transdisciplinaridade, adotada no primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, realçou, em seu preâmbulo, a proliferação das disciplinas acadêmicas, a inexistência de um olhar global do ser humano e a necessidade de sua adoção (UNIPAZ, p. 3, 1994).

Interdisciplinaridade - para Berger, é a interação que existe entre duas ou mais disciplinas, podendo integrar muitos conceitos diretivos até uma simples comunicação de ideias; para Piaget, é o intercâmbio mútuo e a integração recíproca entre várias ciências, tendo

como resultado um enriquecimento recíproco. Etges (2000, p. 64) entende que “a interdisciplinaridade consiste precisamente na transposição, no deslocamento de um sistema construído para outro” e, mediante isso, propõe uma interdisciplinaridade baseada na própria gênese e no fundamento da produção do saber. Pombo (2010) pontua que, para ocorrer a interdisciplinaridade, o especialista de alguma disciplina deve “esforçar-se fora do seu domínio próprio e da sua própria linguagem técnica para aventurar-se num domínio de que não é o proprietário exclusivo”, interagir ideias, conceitos diretivos da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização da investigação e do ensino correspondentes. Segundo Fazenda (2000), é imprescindível levantar o problema da prática da interdisciplinaridade, que facilitaria o enfrentamento da crise do conhecimento e das ciências, seja ela de ensino ou pesquisa. Ela também pode auxiliar a evitar a superespecialização, a efetivação de trocas intersubjetivas e a quebrar a rigidez e o isolamento das disciplinas dos currículos escolares.

Mas onde estaria o elo da criatividade com a interdisciplinaridade, já que são dois pontos requisitados para a superação de crises no âmbito educacional e no mundo contemporâneo? Para Etges (1993), a interdisciplinaridade, sendo um princípio mediador entre as diversas disciplinas, não pode ser elemento de redução a um denominador comum, mas elemento teórico-metodológico da diferença e da criatividade. A interdisciplinaridade é o princípio da máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da compreensão dos seus limites, mas, acima de tudo, é o princípio da diversidade e da criatividade.

Com relação à pós-graduação stricto sensu, é importante lembrar que os especialistas são necessários, pois garantem a verticalização da pesquisa e a análise de um objeto- problema, sendo que a eles se devem creditar méritos de tantas descobertas e conquistas da ciência. Entretanto, é importante assinalar que não teriam chegado a muitas conquistas se não estabelecessem conexões com outras ciências e disciplinas, não dispusessem de mente aberta e olhos criativos, enfim se não tivessem toda uma carga de criatividade (BIANCHETTI; JANTSCH, 2010).

Também Baraúna (2005) observa que o desenvolvimento do mundo atual tem provocado relações cada vez maiores entre as diferentes áreas do conhecimento e a adoção de princípios da interdisciplinaridade e da criatividade propiciam a formação destes elos de integração. A autora adotou, na implantação de grupos de pesquisa na Faculdade de Ciências e Tecnologia, em Salvador, Bahia, a metodologia da interdisciplinaridade e da criatividade, por considerar que tinha uma perspectiva em que o conhecimento está voltado para as necessidades do ser humano e, ainda, porque reunia elementos que possibilitavam uma

melhor análise dos problemas e meios de superá-los. Baraúna (2005) enfatiza que a criatividade e a interdisciplinaridade são o ponto de encontro entre o momento de renovação da atitude diante dos problemas de ensino, pesquisa e conhecimento científico. Observa também que o pensar criativo interdisciplinar provém do pressuposto de que nenhuma forma de conhecimento se esgota em si mesma, sendo necessário o diálogo com várias fontes do saber. Daí, ser a ousadia da busca, da pesquisa, da investigação a característica da atitude interdisciplinar/criativa. E aqui o papel do professor é fundamental: se adotar a criatividade como partícipe de suas aulas, poderá mais facilmente chamar a interdisciplinaridade para dentro de sua prática pedagógica.

Outro exemplo da necessidade da interdisciplinaridade ligada à criatividade vem da experiência vivenciada por Mancelos (2009). O pesquisador apontou a necessidade de diálogo entre algumas disciplinas da Portuguese Catholic University/Foundation for Science and Technology: Literatura, Escrita Criativa e Teoria da Literatura, para ensinar estratégias criativas para a escrita de um modo mais organizado, discutir a afinidade desta área do saber artístico com outros campos acadêmicos e aspectos comuns aos diversos campos e, também, explorar o território ainda desconhecido que se estendia entre estes.

Uma reflexão sobre a fragmentação do conhecimento que tem deixado sequelas profundas na maneira de pesquisar, de ensinar e, sobretudo, de pensar e ver o mundo, é enfocada em „Interdisciplinaridade e visão de mundo‟, constante do Caderno Pedagógico de EJA (CADERNOS DE EJA, 2010). Se os alunos, durante toda a sua escolaridade e processo de aprendizagem, tomam contato com as disciplinas sempre divididas em segmentos que nunca dialogam, forçosamente desenvolvem uma percepção igualmente fragmentada dos conhecimentos de cada área. Isso, sem dúvida, acaba moldando uma forma de pensar que dificilmente incluirá a síntese, o que é compreensível, considerando que essa habilidade só é adquirida quando se aprende a buscar a visão global dos fatos. .Esses exemplos demonstram

que se pode pensar em um ensino conciliador de diferentes conceitos, de áreas diversas, que integre várias disciplinas, que substitua a fragmentação pela interação e dê ao aluno a oportunidade de aprender a relacionar conceitos, construir novos conhecimentos, com autonomia e criatividade. Mais autonomia, porque ele teria aprendido a considerar fatores de diferentes ordens na realização de seus objetivos, inclusive de aprendizagem. Mais criatividade, porque a prática de relacionar implica também a arte de encontrar combinações inéditas, ousadas, saídas novas para velhos problemas. Esse seria um ganho inestimável do processo de ensino no novo milênio.

Por outro lado, a própria criatividade, segundo Sternberg e Lubart (1999) carece da interdisciplinaridade para ser compreendida, para que não haja uma visão parcial e incompleta do fenômeno que por sua natureza é complexo. Ela busca informações e explicações na Psicologia, na Educação, na Biologia e em outras áreas. Daí, seu caráter transdisciplinar, tão bem expresso por Romo (1997), quando cita o Congresso Mundial de Criatividade, realizado em Madri, em setembro de 1993, onde estiveram presentes numa mesma discussão psicólogos, pedagogos, artistas, inventores, epistemólogos, biólogos, físicos, empresários, publicitários, pessoas da comunicação, jornalistas, desportistas, atores e escritores.

É importante lembrar que a criatividade é como um diamante precioso que exibe múltiplas faces que refletem miríades diferentes, conforme a luz e o olhar. Segundo Romo (1997), a primeira face deste diamante seria sua interdisciplinaridade. A criatividade está presente em todas as áreas e setores: pode-se encontrá-la em diferentes áreas, como arte, medicina, engenharia, arquitetura, docência, advocacia, economia e tantas outras. Assim, a criatividade deveria estar presente não só em cursos e disciplinas de arte, comunicação, publicidade, teatro, dança, mas em todos os cursos e todas as disciplinas. Ela é um valor que cresce em versões mais pragmáticas que se possa imaginar, acentua essa autora.

A criatividade existe em todas as partes, onde a imaginação do homem possa alçar vôo. Em seu sentido mais puro significa mente livre para imaginar qualquer possibilidade, pois “jamais protegemos nossos olhos do brilho de uma centelha criativa porque acreditamos que ao olhar através dos olhos da imaginação algo pode acontecer” (IMAGINEERS, 2009). Para que a criatividade na educação aconteça, é preciso que o professor e o ambiente sejam seus estimuladores. Por meio de seus procedimentos didático-pedagógicos criativos, o professor poderá realizar o elo entre várias disciplinas e, com isso, implementar a interdisciplinaridade, consciente de que esta não anula as disciplinas, mas pede que essas dialoguem entre si numa perspectiva educacional em busca de inovação, como acentua Fortes (2011). Ainda esta autora enfatiza que a interdisciplinaridade supõe um eixo integrador com as disciplinas de um currículo, para que os alunos aprendam a olhar o mesmo objeto sob perspectivas diferentes e que é necessário a criatividade estar de mãos dadas com a interdisciplinaridade.

Sabiamente, Gregório de Matos, no século XVII, já dizia em seu poema “Ao Braço do Mesmo Menino Jesus Quando Apareceu” (MATOS, 2011):

O todo sem a parte não é todo, A parte sem o todo não é parte, Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Não se diga, que é parte, sendo todo. ...

2.5 Características e procedimentos pedagógicos do professor criativo - fontes