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A INTERVENÇÃO OFICIAL E A PRÁTICA PEDAGÓGICA

O ITEM MESMO NO LIVRO DIDÁTICO

5.3 A INTERVENÇÃO OFICIAL E A PRÁTICA PEDAGÓGICA

Fundamentados nos estudos linguísticos, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) ressaltam que, para o Ensino Fundamental, o objetivo do ensino da língua é analisar e refletir

sobre os fenômenos da linguagem, particularmente, os que tocam a questão da variedade linguística, combatendo a estigmatização, a discriminação e preconceitos relativos ao uso da língua (PCN, 1997, p. 31-32).

Em primeiro lugar, analisar e refletir sobre os fenômenos da língua e sua variedade significa adotar uma postura acolhedora e respeitosa em relação ao “saber linguístico” do aluno, evitando depreciá-lo através de julgamentos valorativos sobre o seu “jeito de falar”. Atitudes preconceituosas têm sido responsáveis por traumas profundos que marcam o aluno na sua carreira de aprendiz.

Nessa perspectiva, cabe ao professor não apenas auxiliar o aluno em sua reflexão sobre a língua e sua variedade, como usar sua própria prática linguística como instrumento de partida dessa atividade, “por meio da qual deve ser aprimorada a capacidade de compreensão e expressão dos alunos, em contextos de comunicação oral e escrita”, como salientou Oliveira (2003, p.92).

Além dessas constatações, os PCNs destacam a utilização competente do português, não só como instrumental de acesso e apropriação de bens culturais e participação plena no mundo letrado, como também, e de forma acentuada, sua utilização na resolução e superação de situações e problemas do cotidiano.

Nessa perspectiva, a educação comprometida com a cidadania deve criar condições e oportunidades para o desenvolvimento e uso eficaz da linguagem. Com esse objetivo, os conteúdos gramaticais caracteristicamente prescritivos, descontextualizados e fundamentados na tradição literária, devem ceder espaço para atividades integradas de leitura, compreensão, produção e revisão de texto, o que significa lidar, de modo criativo, com as questões relativas à morfologia, à sintaxe, à semântica e à pragmática da língua. Ou seja, em lugar de partir de definições e conceitos para se chegar à análise, como tradicionalmente se faz, o trabalho didático de análise linguística deve partir da exploração ativa e da observação das regularidades no funcionamento da linguagem, auxiliando o aluno nas suas conclusões como ressalta o documento oficial (PCN, p. 80).

Na verdade, espera-se que o aluno observe que as formas linguísticas são imprevisíveis e que novos sentidos e funções podem ser acionados, dependendo do contexto de uso e das intenções comunicativas, ou seja, são motivadas pragmaticamente.

Na ótica funcionalista, essa propriedade instável das expressões linguísticas faz parte da dinâmica da língua no seu contínuo fluir e encontra explicações através dos princípios de

iconicidade, gramaticalização, frequência, informatividade, etc. Professores antenados nessas informações podem promover mudanças sensíveis na prática docente, dando um novo enfoque ao ensino da gramática.

Entre os objetivos do ensino da língua preconizados pelos PCNs, destacam-se ainda a leitura, a produção e a interpretação de textos. Nesse documento, encontra-se a seguinte recomendação:

Cabe a escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circula socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los, tornando-o capaz de compreender um conceito, apresentar uma informação nova, descrever um problema, comparar diferentes pontos de vista, argumentar a favor ou contra uma determinada hipótese ou teoria. (PCN, p. 30).

Comentando essa orientação, Koch (2004) ressalta que:

[...] a maior “novidade” no ensino de língua materna – se realmente o for – é o deslocamento que se vem operando já há alguns anos - do foco na gramática normativa para o foco no texto. Contudo, isto não quer dizer que a gramática seja inútil e não deve ser ensinada. Mas sim que é possível ensinar a gramática dentro das práticas concretas de linguagem. Tampouco, significa fazer do texto um simples pretexto para ensinar a gramática. Significa levar o aluno a uma reflexão sobre como se produzem sentidos na interação social por meio da língua, ou seja, por intermédio de textos. (KOCH, 2004, p. 2-3).

Ancorada na L.T., ela ressalta postulados e princípios dessa teoria que devem ser considerados nas atividades com texto em sala de aula.

Na concepção interacional da língua, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos sociais ativos que – dialogicamente –nele se constroem e são construídos. Desta forma há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação. (KOCH, 2004., p. 2-3)

Nessa perspectiva, um texto deve ser entendido em termos de interação entre produtor e leitor/ouvinte. Enfim, como acentua Koch (op.cit.), cabe a L.T. o estudo dos recursos linguísticos e das condições discursivas que presidem à construção da textualidade e, em decorrência, à produção textual dos sentidos.

Particularmente para o Ensino Médio, os PCNs (137-138) ressaltam o aprofundamento dos conhecimentos linguísticos e sua integração com a literatura e continuam pondo em destaque a importância da produção textual com ênfase na relação entre os gêneros discursivos e as exigências sociais. Mantém e reforça a relevância de uma prática que se resume na atividade de “análise e reflexão sobre a língua” já estabelecida para o Ensino Fundamental. Recomendam também o desenvolvimento da capacidade cognitiva do aluno e a dimensão interativa da linguagem, aspectos relacionados aos estudos funcionalistas.

Assim, tanto pelo lado teórico, quanto pelo lado prático, como se constata, a proposta oficial apresenta-se bem construída e fundamentada, promovendo diferentes sugestões e possibilidades para a ação pedagógica, a fim de garantir sua total viabilização. Mesmo assim, romper os vínculos seculares que prendem o ensino à tradição não é tarefa fácil. Trata-se de um desafio a ser abraçado pelas escolas, pelos professores e até pelos editores de livros didáticos de português (doravante LDPs).

Esforços têm sido empreendidos. As redes pública e particular já contam hoje com professores licenciados e aptos para dar sustentação a uma proposta de ensino nesse nível. Embora questionados, os autores dos LDPs, de algum modo, têm procurado fazer a sua parte, investindo em propostas afinadas com os aportes teóricos da linguística e com as diretrizes oficiais.

No momento, a solução, aparentemente ingênua, encontrada pela maioria dos professores tem sido confiar e seguir a orientação do LDP adotado pela escola, embora quando necessário, recorram, também, a outras fontes. Na verdade, o livro didático acaba sendo o apoio, por excelência, de alunos e professores. Criticados ou não, são eles que instrumentam a prática pedagógica e vão revelar realmente os métodos e pressupostos subjacentes ao ensino da língua na sala de aula.

Complementando esta reflexão, reporto-me a eles nas próximas páginas, investigando o tratamento dispensado ao item mesmo.