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APORTE TEÓRICO: O FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO

2.5. O PRINCÍPIO DE UNIDIRECIONALIDADE

As definições e os conceitos sobre gramaticalização são muitos. Entretanto, em todos eles, a gramaticalização é colocada como um processo unidirecional de mudança, segundo o qual os itens lexicais e/ou construções sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais referentes à organização interna do discurso ou a estratégias comunicativas. Em outras palavras, tornam-se regulares e mais previsíveis.

A literatura linguística mostra que a unidirecionalidade tem se constituído em uma das mais fortes hipóteses associada à teoria da gramaticalização, sugerindo que a mudança linguística, prototipicamente, evolui numa trajetória irreversível rumo à abstratização e conuolidação das formas no discurso, perdendo, no processo, seus traços e funções originais.

A unidirecionalidade é vista como uma característica do processo de mudança. Essa ideia está implícita em todas as definições e tem sido frequentemente mencionada como uma propriedade desse fenômeno. Em outras palavras, a mudança se processa sempre do menos gramatical para o mais gramatical, do mais concreto para o mais abstrato, e nunca o contrário

(HEINE et alli, 1991) Porém, interessa entender, nessas definições, o que significa unidirecional, dos pontos de vista gramatical e semântico.

Hopper & Traugott (1993, p. 104) e outros, compartilhando dessa opinião, apresentam a unidirecionalidade como um continuum, sugerindo uma gradação categorial: maior [NOME, VERBO, PRONOME] > mediana [ADJETIVO, ADVÉRBIO] > menor [PREPOSIÇÃO, CONJUNÇÃO]. A gramaticalização dos itens obedece a essa escala, pressupondo-se um processo que configura a recategorização; isto é, a passagem da categoria maior para a categoria mediana ou menor. Entende-se, portanto, que um verbo, por exemplo, evolui para um adjetivo/advérbio e, em seguida, para uma preposição/conjunção, mas nunca ao contrário.

É bom ressaltar que esses autores consideram a especificidade dos contextos discursivos como fatores que propiciam a gramaticalização e afirmam que a passagem de [lexical] > [gramatical] não é direta. Ou seja, na passagem de um processo para outro, os itens lexicais que se tornam gramaticalizados cumprem, primeiro, funções necessariamente discursivas, tornando-se, em seguida, sintaticamente fixos e, posteriormente, vindo a constituir um morfema. Postula-se que existe uma relação entre os estágios A e B; A ocorre antes de B, mas nunca o contrário. É isso que se entende por unidirecionalidade.

Da mesma forma, os exemplos de mudanças semânticas de caráter metafórico, observados por Heine et al. (1991, p.160), apresentam um processo unidirecional do tipo:

Pessoa > objeto > espaço > tempo > processo > qualidade

Como observa Gonçalves,

essa unidirecionalidade implica que as mudanças são operadas sempre da esquerda para a direita e, nesse caso, de categorias cognitivas mais próximas do individuo [+ concretas] para categorias cognitivas mais distantes do indivíduo [– concretas]. Essa ordenação de categorias cognitivas mostra um processo de abstratização cada vez mais intenso. (GONÇALVES 2007, p. 40)

Supostamente, verifica-se um processo ascendente de mudança que se reflete na carga semântica das palavras, fazendo com que sua significação original torne-se cada vez mais

esmaecida, até mesmo dessemantizada, e/ou ao mesmo tempo, plenas de significação pragmática, pertinentes à atitude do falante para o que está sendo dito, como salientam Traugott e König (1991).

Entretanto, a questão da irreversibilidade dos fenômenos linguísticos tem sido discutida por muitos estudiosos, uma vez que evidências empíricas demonstram que esse processo linear de mudança não ocorre com alguns fenômenos investigados, colocando por terra esse postulado.

Objetivando esclarecer esses questionamentos, Heine et al (1991) colocam que os contra-exemplos apontados como fenômenos de degramaticalização devem ocorrer nas línguas, contudo eles são insignificantes, do ponto de vista estatístico, portanto, devem ser ignorados.

Votre et al (2000), por exemplo, propõem uma revisão da hipótese da unidirecionalidade da mudança semântica e sintática, nos processos de gramaticalização, pelo fato de se descobrirem, em estágios anteriores da língua, os mesmos usos encontrados hoje, no fenômeno que investigaram. Essas descobertas, segundos os autores, desafiam a hipótese de que, ao longo do tempo, os sentidos vão se abstratizando e as construções sintáticas se tornando mais integradas. Concluem eles que o que ocorre é um processo de estabilização das formas investigadas.

Traugott (2001) argumenta que não se deve entender a gramaticalização e os fatos a ela relacionados como hipóteses ou tendências absolutas. Para a autora, como uma boa hipótese de se verificar se certo fenômeno é ou não um caso de gramaticalização, a unidirecionalidade tem sido um instrumento bastante usado.

Segundo ela, historicamente, a hipótese de unidirecionalidade na mudança dos fenômenos linguísticos tem sido estudada e confirmada através de evidências empíricas, por inúmeros estudiosos: Meillet (1912) descreveu a gramaticalização como a mudança de uma palavra autônoma a um elemento gramática. Bybee (1984) e outros têm definido a gramaticalização em termos de fusão morfossintática e perda de liberdade sintática. Givón (1979), ao desenvolver o conceito de “ondas cíclicas” para explicar o processo de mudança, enfatiza que o discurso é o ponto de partida e também o ponto de chegada das mudanças que ocorrem na língua, empreendendo uma trajetória, supostamente, unidirecional do tipo:

É nessa perspectiva que se diz que o discurso é o ponto de partida e também de chegada para a gramática. O item lexical pressionado pelo uso – no discurso – passa a ocorrer de forma previsível e codificável, sujeitando-se às regras gramaticais (gramaticalização); ou num processo acentuado de evolução, mesmo gramaticalizado, ser usado imprevisivelmente, sem observar as restrições gramaticais, retornando assim ao discurso.

Em síntese, é no discurso que a forma linguística se atualiza gramaticalmente, ganha funções/status, como é também no discurso que ele se neutraliza, ganha liberdade sintática e, ao mesmo tempo, perde substância semântica e fonológica. Esse processo é conhecido na linguística como discursivização. Destaco, a seguir, alguns pontos de vista sobre o assunto.