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O LIVRO DIDÁTICO E AS ORIENTAÇOES OFICIAIS

O ITEM MESMO NO LIVRO DIDÁTICO

5.4 O LIVRO DIDÁTICO E AS ORIENTAÇOES OFICIAIS

Há uma ou duas décadas, o ensino da Língua Portuguesa ainda era apontado como o responsável pelo fracasso escolar e os livros didáticos eram vistos como colaboradores diretos da situação. A causa era o método defasado e distante da realidade, a ênfase na escrita e nos conteúdos prescritivos da gramática, difíceis de serem assimilados na prática, enfim, o descompromisso do LDP com a aprendizagem dos alunos.

Reagindo positivamente a esses questionamentos, os PCNs, juntamente com o conjunto de princípios e critérios estabelecidos pelo MEC/FAE/96 para a Avaliação dos LDP,

fundamentados nas orientações teórico-metodológicas da linguística e no conhecimento construído pelas ciências da aprendizagem (sócio-construtivista), passam a constituir um paradigma no que concerne ao ensino da língua materna. De acordo com as recomendações aí encontradas, trata-se de saber se o livro:

- oferece ao aluno textos diversificados e heterogêneos, do ponto de vista do gênero e do tipo de texto, de tal forma que a coletânea seja o mais possível representativa do mundo da escrita;

- prevê atividades de leitura capazes de desenvolver no aprendiz as competências leitoras implicadas no grau de proficiência que se pretende levá-lo a atingir;

- ensina a produzir textos, por meio de propostas que contemplam tanto os aspectos envolvidos nas condições de produção, quanto os procedimentos e estruturas próprias da textualização;

- mobiliza corretamente a língua oral, quer para o desenvolvimento da capacidade de falar/ouvir, quer para a exploração das muitas interfaces entre oralidade e escrita;

- desenvolve os conhecimentos linguísticos de forma articulada com as demais atividades. (RANGEL, 2005, p. 19).

Em síntese, como ressalta Rangel (2005, p.19), o credenciamento do LDP para o ensino da língua materna passa pelo reconhecimento do discurso, da língua oral, da textualidade e das diferentes “gramáticas” de uma mesma língua, etc. como instrumentos didáticos mínimos adequados aos novos padrões oficiais.

Espera-se que os manuais editados após a publicação desses estudos apresentem-se focados com as novas tendências e orientações na teoria e na prática. A análise de alguns deles pode mostrar em que nível as mudanças conceituais e metodológicas foram incorporadas na prática.

No capítulo 3 deste trabalho, apresentei o item linguístico mesmo, focalizando sua descrição pelas gramáticas tradicionais. Pontuei a distração de alguns autores em relação a sua classificação, principalmente, após a NGB. Nas obras analisadas, salvo algumas exceções, as referências feitas a ele são resumidas e lacônicas, em relação a tantas outras funções desempenhadas pelo item no evento comunicativo.

Agora direciono minha atenção para as propostas de ensino da língua nos LDPs para os níveis de ensino Fundamental e Médio. Especificamente, foco meu olhar na análise dos conteúdos gramaticais, observando, sobretudo, o tratamento dispensado ao item mesmo pelos seus autores.

Parto do entendimento de que ensinar português é ampliar o conhecimento do aluno sobre as possibilidades reais da língua como instrumento de cidadania e participação social, e como tal interagir verbalmente, seja de forma oral e escrita, em qualquer situação da vida. Nesse sentido, deve-se propiciar ao aluno o acesso à variante de prestígio, via regras e conceitos gramaticais.

Por conseguinte, defendo a ideia de que, diferente da gramática que é um manual de consulta, cabe ao LDP oferecer ao aluno uma visão mais abrangente dos fenômenos linguísticos estudados, uma vez que o seu objetivo é dar suporte teórico e prático à atividade docente, na tarefa de desenvolver as habilidades de ler, falar, ouvir e escrever do aluno e sua compreensão sobre a funcionalidade da língua.

Além de obserar as recomendações funcionalistas, priorizo na análise o objetivo oficial declarado nos PCNs: a análise e reflexão sobre a língua em uso. Adoto, portanto, a concepção de gramática/língua como estrutura maleável, regulada por princípios de instabilidade e estabilidade. Nesse sentido, a morfologia e a sintaxe, aliadas à semântica e à pragmática, passam a constituir pontos cuja reflexão se faz necessária para o competente exercício da língua.

Não tenho a pretensão de fazer um rastreamento exaustivo desses manuais. A lista é imensa e meu objetivo é apenas situar os LDPs nesta reflexão sobre o item mesmo, visando contribuir com a qualidade pedagógica desse instrumento, já que eles constituem, praticamente, o único suporte auxiliar do processo ensino-aprendizagem. Além disso, de um modo geral, os manuais didáticos de português apresentam-se muitos semelhantes na sua forma de abordar o item mesmo, isto quando a ele fazem referência.

Dentre os manuais consultados, antes e após a proposta dos PCNs, destaquei cinco coleções do Ensino Fundamental e duas do Ensino Médio para integrar a análise, a saber:

i) Ensino Fundamental

SOARES, M Português através de textos 1990 MESQUITA, R e MARCOS, C. Gramática Pedagógica, 1996 CEREJA, W e MAGALHÃES, T.- Português: Linguagens. 1998 ABAURRE, M. e PONTARA, M.-Gramática: Texto, análise e construção. 2006 CAMPOS, M.T. PROJETO ARARIBÁ/ Português- Ensino fundamental. 2006 ii) Ensino Médio

ERNANI E NICOLA.- Gramática, Literatura e Redação. . 1997 PEREIRA, H. E PELACHIN, M. Português na trama do texto 200

5.4.1.1 NO ENSINO FUNDAMENTAL

Começo a tarefa, investigando um manual de reconhecida referência na década de 90, antes da publicação dos PCNs - Português através de textos de Magda Soares (1990), pressupondo encontrar nele uma orientação teórico-metodológica de ensino da língua bastante diferenciada para a época.

Fundamentada em pressupostos da Teoria da Comunicação Linguística Estrutural Distributiva, como declara a autora, a proposta assinada por Soares (1990) para o ensino fundamental destaca a linguagem oral e a diversidade linguística e textual como pontos de partida para todo o trabalho de linguagem a ser desenvolvido. Adota o princípio de que o ensino é “primordialmente um processo de interação através do qual se constrói o conhecimento”.

Estruturalmente, o livro apresenta-se dividido em unidades, tendo sempre o texto como instrumento de leitura e introdutório para as demais atividades (compreensão de texto, vocabulário, ortografia, redação, linguagem oral e gramática).

No ensino de gramática, a autora toma como perspectiva teórica orientadora a Linguística de Texto. A ênfase é colocada no exercício da interação verbal entre os alunos e na reflexão sobre “o funcionamento da língua como um sistema de estruturas, tornando explícita a gramática implícita no uso da língua” (SOARES, 1990, p. XV).

Não se pode deixar de reconhecer o mérito e o esforço da autora na elaboração da proposta de ensino que assina. Contudo, os conteúdos gramaticais ainda são tratados de forma tradicional, através de regras e nomenclaturas, priorizando-se a morfologia e a sintaxe. Particularmente, no estudo que desenvolve sobre os pronomes demonstrativos e advérbios, o procedimento metodológico segue o padrão adotado em toda a coletânea, partindo-se de sua apresentação através de frases, contradizendo a própria proposta.

Estranhamente, porém, o item mesmo não é contemplado nesses conteúdos e nem nas demais atividades propostas no manual analisado. Tampouco, encontra-se referência ao item como palavra denotativa, como reforço ou concessivo.

Constituindo uma palavra recorrente e multifuncional no português atual, essa omissão depõe contra a obra em análise e mostra a insuficiência do método utilizado em relação aos fatos da língua. Apesar de adotar uma concepção interativa de ensino e evocar a reflexão sobre a língua em uso como meio de aprendizagem, a proposta não consegue operacionalizar esses pressupostos nos conteúdos relacionados ao estudo da língua.

Em sua ampla análise sobre a referida obra, Souza (2002) destaca que, apesar de louvável, a concepção de linguagem circunscrita à função instrumental adotada no manual passa uma falsa ideia de homogeneidade da língua e pacificidade entre os sujeitos envolvidos na interação. Para Souza, a linguagem em uso contempla conflitos e contradições, e os exercícios gramaticais propostos no manual como atividades de reflexão (transformação, substituição, etc.) não propiciam a percepção do funcionamento dinâmico da língua, uma vez que são apresentadas através de frases isoladas e não através de textos devidamente contextualizados como postula a LT

O manual Gramática Pedagógica, assinado por Mesquita e Martos (1996) concentra o ensino da língua nas atividades ouvir, falar, ler, escrever (grifo do autor) e no enfoque, essencialmente, tradicional dos conteúdos gramaticais, enfatizando a classificação das