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A Lei nº 9.656/1998 diante do positivismo jurídico

CAPÍTULO 4 A ATUAÇÃO DA INICIATIVA PRIVADA NA SAÚDE

4.2. A Lei nº 9.656/1998 diante do positivismo jurídico

Segundo as teorias juspositivistas, a fonte do direito é a lei, ou melhor dizen- do, o órgão ou a pessoa que detenha a função legislativa. Sob esta ótica, o direito é monista quanto à sua fonte, de forma que somente o legislador é a fonte do direito e a justiça se obtém com o simples cumprimento da legislação vigente naquele Esta- do.

Apesar de não haver uma única definição para o vocábulo positivismo, pode- mos conceituá-lo como um conjunto de correntes filosóficas e científicas que marca- ram os movimentos do século XVIII, principalmente o Iluminismo, porém, do ponto de vista doutrinário, afirma-se que o positivismo começou a se firmar a partir do Le- viatã, de Hobbes, em 1651.

A partir desse marco histórico, a sociedade iniciou uma quebra de relação do direito com a religião, construindo um sistema com elementos puramente racionais, de fundamento matemático, baseados na autonomia da razão.

Diferentes correntes admitiram a existência de uma pluralidade de ordens normativas, distintas entre si, com a pretensão de regular a conduta humana de for- ma obrigatória. Diante disso, podemos verificar a seguinte ordenação normativa tida por determinada comunidade, qual seja, o direito positivo nacional, a ordem normati- va constitutiva do Estado, o direito internacional, as normas morais, o direito natural, as normas religiosas e as normas convencionais sociais.

Partindo do ponto de análise da teoria de Hans Kelsen, as três primeiras or- dens normativas unificadas constituem o direito positivo, baseando-se no conceito dinâmico do direito, já que um é o fundamento de validade do outro, podendo-se ob- ter a unidade da ordem jurídica nacional, da estatal e da internacional, não sendo possível, no entanto, a unificação, em um mesmo sistema de conhecimento, das normas morais, de direito natural, religiosas e convencionais.

Tendo em vista que o positivismo constitui a ideia do Direito como um conjun- to de normas que regulam sua própria criação escalonada, cuja fonte de validade é a norma hierarquicamente superior, não é possível alcançar a unificação do direito positivo com as demais ordens normativas mencionadas, já que os conteúdos des- tas normas não estabelecem os atos de criação de outras normas, tampouco deter- minam o conteúdo destes atos de criação normativa.

Segundo Norberto Bobbio, as características essenciais do positivismo jurídi- co podem ser divididas em seis aspectos: (i) o modo de abordar o direito; (ii) a defi- nição do direito; (iii) as fontes do direito; (iv) teoria da norma jurídica; (v) teoria do ordenamento jurídico; (vi) o método da ciência jurídica; e (vii) a teoria da obediência. Segundo Hans, uma norma jurídica somente será válida se obtiver seu fun- damento de validade em uma norma hierarquicamente superior, também válida.

Como ponto de partida, Kelsen inicia seu estudo acerca do fundamento de validade das normas jurídicas:

"O sistema de normas que se apresenta como uma ordem jurídica tem essencialmente um caráter dinâmico. Uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, quer dizer, porque seu conteúdo pode ser deduzido pela vida de um raciocínio lógico do de uma norma fundamental pressuposta, mas porque é criada por uma forma determinada - em última análise, por uma forma fixada por

uma norma fundamental pressuposta".208

De acordo com sua teoria, Kelsen afirma que, uma vez tomando por base que o fundamento de validade das normas é uma norma hierarquicamente superior, o fundamento de validade máximo será uma norma, porém uma norma pressuposta, já que não poderia sê-lo por uma norma dada por determinada autoridade pública.

"dado que o fundamento de validade de uma norma somente pode ser uma outra norma, este pressuposto tem de ser outra norma: não uma norma posta por uma autoridade jurídica, mas uma norma pressuposta, quer dizer, uma norma que é pressuposta sempre que o sentido subjetivo dos fatos geradores de normas postas de con- formidade com a Constituição é interpretado como o seu sentido subjetivo"209.

208 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. 6ª ed., São

Paulo : Martins Fontes, 1998, p. 221.

O positivismo jurídico adota que o constituinte (originário) é o fundamento de validade de todo ordenamento jurídico, conferindo validade e unidade ao sistema legal daquele Estado, ou seja, as normas jurídicas serão válidas de editadas de acordo com os preceitos constitucionais, já que a norma pressuposta determina o respeito e cumprimento à Constituição.

Por esse motivo, qualquer lei ou normativo editado pelo legislativo deve en- contrar o fundamento de validade da norma hierarquicamente superior, até a Consti- tuição, a qual detém seu fundamento de validade na norma pressuposta, conforme doutrina de Kelsen visitada acima, que manda obedecer a Constituição.

Colacionamos os ensinamento de Goffredo Telles Junior acerca do tema: "Nenhuma norma é atributiva ou jurídica se não estiver fundada na norma atributiva ou jurídica que lhe é superior.

Entre as normas, há hierarquia de preponderância. A norma superior prepondera sôbre a inferior, ou seja, a primeira decide sôbre se a segunda é ou não atributiva. Em outros têrmos: a segunda só é atri- butiva se se harmonizar com a primeira.

Desde as simples normas contratuais, estabelecidas entre particula- res, até a Constituição Nacional, forma-se, desta maneira, uma au- têntica pirâmide jurídica, na qual a juridicidade de cada norma é hau-

rida da juridicidade da norma que a suspende"210.

O positivismo jurídico estabelece que as normas serão válidas se obtiverem fundamento na norma hierarquicamente superior, formando uma verdadeira ordem escalonada de hierarquia e validade das normas de um ordenamento jurídico, até que alcançada a norma pressuposta.

Este arcabouço introdutório é necessário na medida em que analisaremos al- gumas disposições contidas na Lei nº. 9.656/98, conhecida como a “Lei dos Planos de Saúde”, sob validação direta à Constituição, especialmente aos dispositivos ana- lisados no início do presente estudo, quais sejam, os direitos à vida e à saúde, bem como a liberdade de exploração da assistência à saúde pela iniciativa privada.