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Limites constitucionais da obrigação estatal na prestação da saúde: o limite

CAPÍTULO 3 – A LIVRE INICIATIVA E O DIREITO À SAÚDE

3.1 Limites constitucionais da obrigação estatal na prestação da saúde: o limite

Para analisar os limites da obrigação do Estado na prestação do direito à sa- úde e sua relação direta com a liberdade de atuação no âmbito da saúde pela inicia- tiva privada, primeiro cumpre verificar o conteúdo dos dispositivos concernentes da Constituição Federal que determinam o escopo da prestação do direito à saúde pelo Estado.

Ao comentarem o artigo 197 da Constituição Federal, Celso Bastos e Ives Gandra Martins afirmam que a saúde está em destaque no que toca aos direitos de relevância pública, sendo, juntamente com outros direitos relevantes, os mais ineren- tes à atividade estatal:

“As ações e serviços de saúde são considerados de relevância públi-

ca, o que vale dizer, entre os serviços públicos que o Estado deve prestar ao cidadão, a saúde se destaca.

De rigor, a segurança interna e externa, a administração de justiça, a saúde, a educação, a assistência e previdência social são serviços de maior relevância que o Estado executa, sendo de sua vocação

natural tal prestação.”178

Segundo os autores, a prestação dos serviços de saúde, seguindo-se os pre- ceitos constitucionais, pode dar-se por meio direto pelo Estado, ou indiretamente por pessoas físicas ou jurídicas, estas últimas somente por meio de licitação, com as exceções legais para casos de emergência.

“A execução dos serviços de saúde pode dar-se por terceiros, pes-

soas físicas ou jurídicas de direito privado. As pessoas físicas são os profissionais da medicina, que podem ser contratados pelo Estado para atuação determinada quando não são servidores públicos con- cursados”179.

Ao mesmo passo que o art. 196 desenvolveu o direito à saúde previsto no ar- tigo 6º, o art. 197 complementa as disposições e eleva o direito à saúde como de

178 BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários a Constituição do

Brasil (promulgada em 5 de outubro de 1988). V.8, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 115.

relevância pública, devendo ser atendido pelo Poder Público sempre que necessita- do.

Assim prevê o art. 197 da Constituição Federal:

“Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regu- lamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”. (grifamos).

Alexandre de Moraes salienta a importância do direito previsto na Constitui- ção que garante a todos o acesso à saúde para quem dela necessitar.

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante

políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de do- ença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário a ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF, art. 196), sendo de relevância pública as ações e serviços de saúde, ca- bendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regula- mentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita di- retamente ou por meio de terceiros e, também, por pessoa física ou

jurídica de direito privado (CF, art. 197)180”.

Ou seja, o Estado tem o dever constitucionalmente estabelecido de promover a saúde de forma ampla e irrestrita, devendo tomar todas e quaisquer medidas para garantir a todos, coletiva e individualmente, o direito à saúde.

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Júnior assim referem:

“O art. 6º da Constituição Federal indicou a saúde como um direito

social, incluindo-o, portanto, no rol dos chamados Direitos Funda- mentais.

Na verdade, o direito à saúde constitui um desdobramento do próprio direito à vida. Logo, por evidente, não poderia deixar de ser conside- rado como um direito fundamental do indivíduo.

Nesse sentido, o art. 196 prescreve que a saúde é um direito de to- dos e um dever do Estado, criando, por assim dizer, um direito subje- tivo público de atenção à saúde, cuja tutela tanto pode dar-se pela

via coletiva como pela individual.181”

180 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2010, p. 829.

181 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitu-

Esse é também o entendimento de Clarice Melamed e Sérgio Piola:

“Não existem direitos sem custos para sua efetivação. Não se trata aqui apenas dos direitos sociais, mas de todo e qualquer direito, fun-

damental ou não.”182

Dirley da Cunha também ressalta a importância que deu o constituinte para o direito à saúde previsto nos artigos 196 e 197 da Constituição Federal:

“(...) a Constituição consagra a saúde como direito fundamental, que deve ser garantido pelo Estado mediante políticas sociais e econômi- cas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua pro-

moção, proteção e recuperação183”.

O direito à saúde previsto na Constituição Federal tem por fundamento a ga- rantia de que se estenda a todos e, se o caso, cobrem ações estatais para a prote- ção, preservação e recuperação da saúde, sendo, portanto, um dever do Estado as medidas para que referido direito se efetive.

“O direito de proteção à saúde está previsto no. Art. 196 da Consti- tuição Federal como (1) “direito de todos” e (2) “dever do Estado”, (3) garantindo mediante “políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos”, (5) regido pelo princípio do “acesso universal e igualitário” (6) “às ações e serviços

para a sua promoção, proteção e recuperação”184.

De acordo com as regras constitucionais aplicáveis ao caso e acima estuda- das, o Estado deve fornecer irrestritamente todas as medidas para garantir a saúde da população, pois, caso contrário, estar-se-ia violando norma constitucional referen- te a direitos fundamentais:

“O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municí- pios).185

Ricardo Cunha Chimenti refere, nesse contexto:

182 MELAMED, Clarice e PIOLA, Sérgio Francisco (organizadores). Políticas públicas e fi-

nanciamento federal do Sistema Único de Saúde – Brasília: IPEA, 2011, p. 80.

183 CUNHA JUNIOR, ob. cit., p. 1069.

184 MENDES e BRANCO, ob. cit., p. 685.

O atendimento integral também está entre as diretrizes constitucio- nais, abrangendo todas as etapas de proteção: prevenção, proteção e recuperação.

A garantia de promoção, proteção e recuperação cumpre a universa-

lidade da cobertura e do atendimento de todas as fases”186.

A Constituição Federal, ao garantir o direito à saúde, acabou por abranger não apenas a saúde física estritamente referente à manutenção vital das pessoas, mas todo o bem estar físico e mental, com todas as ações e medidas a ela inerentes e disponíveis pela ciência da época.

Este é o entendimento da maior parte da doutrina constitucional pátria:

“Não havendo distinção no texto constitucional, a proteção abrange a

saúde física e mental187”.

“Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e espiritual

do homem, e não apenas a ausência de afecções e doenças”188.

“É incontestável que, além da necessidade de se distribuir recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saú- de, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a

volta de uma doença supostamente erradicada”189.

De acordo com a Constituição Federal, todos os tratamentos e medidas dis- poníveis pela ciência médica serão de oferecimento obrigatório pelo Estado para a proteção, manutenção e recuperação da saúde física e mental das pessoas, de for- ma irrestrita.

João Carlos Azuma afirma:

“hodiernamente, os direitos sociais e, por assim dizer, o direito à sa- úde, não se resumem a obrigar o Estado a proteger o direito contra violações por parte de terceiros, bem como a adotar medidas que conduzam à sua plena concretização, por meio do acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recupe- ração da saúde; pelo contrário, impõem, também, ao Estado a obri- gação de se abster da prática de atos que interfiram no efetivo exer-

186 CHIMENTI et al., ob. cit., p. 525.

187 Idem, ob. cit., p. 525.

188 BULOS, ob. cit., p. 1537.

cício desse direito”190.

As sociedades prestadoras dos serviços de saúde suplementar, ao passo que auferem lucro na atuação de sua atividade econômica, estão obrigadas a fornece- rem todos os tratamentos e soluções a que estão obrigadas contratualmente com seus beneficiários, não ignorando, por outro lado, o âmbito prestacional do direito fundamental a que estão obrigadas, mantendo um mínimo necessário para manu- tenção, preservação e conservação das vidas envolvidas no seu mercado profissio- nal.

Salientam, de outra forma, Celso Bastos e Ives Gandra Martins:

“As pessoas jurídicas de direito privado, a meu ver, só podem servir

ao Estado nessa área, excluídos os casos de emergência, mediante licitação.

A esquematização da saúde, portanto, segue regras normais de atendimento que, se cumpridas fossem pelo Estado, nas diversas es- feras federativas, ofertaria ao brasileiro notável sistema de atendi- mento. Lamentavelmente, entre os piores serviços públicos que o Es- tado brasileiro oferece está o da saúde pública, em face dos desvios de recursos desse setor para outras finalidades menos essenci- ais.”191

Nos termos da Constituição, como vimos, a atuação no âmbito da assistência à saúde pela iniciativa privada será efetuada de forma complementar, e não substitu- tiva ou suplementar àquela prestada pelo Estado, por meio de sua obrigação consti- tucionalmente prevista.

Portanto, o Estado está obrigado a elaborar políticas públicas com o fim de prestar todo e qualquer atendimento à saúde das pessoas em território nacional, por disposição expressa da Constituição, sendo a exploração da atividade privada ape- nas complementar, ou seja, não exime o Estado de prestar integral e universalmente serviços concernentes ao direito à saúde, mas fornece um meio adicional, e remune- rado, para a prestação dos serviços de saúde.

190 AZUMA, ob. cit., p. 36.

3.3. O limite da liberdade de atuação no âmbito do direito à saúde: interven-