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O direito à saúde nas Constituições brasileiras

CAPÍTULO 2 O DIREITO À SAÚDE: ALCANCE DOS ARTIGOS 6º E 196

2.1. O direito à saúde nas Constituições brasileiras

A preocupação com a saúde pública é tema recente em nosso ordenamento constitucional que antes apenas previa determinados direitos para os trabalhadores. Giselle Nori Barros explica quando teria se iniciado a preocupação com a sa- úde pública e, mais especificamente, com o início do processo de proteção à saúde pública no mundo.

“A questão da saúde relacionada à existência do ser humano é re-

cente, pois apenas com o Iluminismo compreendeu-se tal questão como saúde/doença, pois, até então, os doentes eram submetidos à discriminação, subjulgadas e até mesmo condenadas à morte, sem qualquer direito.

Os ideais de liberdade e igualdade trouxeram a proteção ao mais fra- co, tanto que, na Inglaterra, em 1875, foi promulgado um ato que as- segurou assistência médica e sanitária – Public Health Act. Iniciou- se, assim, a intervenção do Estado nas políticas públicas de saúde. A intensificação desta políticas é identificada com maior evidência no início do século XX. (...)

Conclui-se, portanto, que saúde e doença são termos que historica- mente estão indissociáveis, sendo, inclusive, utilizados para definir

100 NUNES, Edson. JACOBI, Pedro. KARSH, Ursula S. COHN, Amélia. A saúde como direito

um ao outro, como ocorre na conceituação de que saúde é ausência

de doença, definição esta equivocada (...)”101.

Silvia Badim Marques ressalta que a saúde somente foi constitucionalmente positivada como direito na Constituição de 1988, pois anteriormente somente os tra- balhadores que contribuíam com a Previdência Social teriam direito de acesso à sa- úde pública.

“As Constituições anteriores a de 1988 não tratavam a saúde como

um direito. Uma breve abordagem das Constituições republicanas nos permite constatar que a incorporação e construção dos direitos sociais, em especial do direito à saúde, se deram de forma vagarosa no Brasil. O sistema público de saúde brasileiro, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, não merecia um tratamento consti- tucional específico e atendia somente aos indivíduos que contribuís- sem à Previdência Social, ou seja, aqueles indivíduos que possuís- sem carteira de trabalho assinada. (...)

Salienta-se que o papel do Estado, em relação à prestação em maté- ria de saúde, como um direito do trabalhador assalariado, resumia-se à prestação de assistência médica e restringia-se basicamente ao gerenciamento da compra e oferta dos serviços privados de saúde aos beneficiários públicos. Lógica esta presente desde a criação do chamado Instituto Nacional da Previdência Social — INPS, em 1966, que inseriu a prestação sanitária dentre as ofertas públicas decorren-

tes da contribuição previdenciária.”102.

Lembra a autora que, antes da Constituição de 1988, as pessoas que não preenchessem os requisitos para o acesso à saúde pelas entidades públicas não tinham qualquer direito garantido, ficando na dependência da iniciativa privada o tra- tamento e prevenção da sua saúde.

“Percebe-se, desta forma, que no Brasil a proteção jurídica à saúde

de todos, independentemente de quaisquer requisitos como renda e inserção no mercado de trabalho, era inexistente. Os cidadãos não tinham direito de receber qualquer assistência médica ou sanitária do Estado, a menos que preenchessem os requisitos necessários (con-

tribuintes da previdência social).”103

A autora descreve como a Carta de 1988 amparou o direito à saúde de forma

101 BARROS, ob. cit., pp. 28/29.

102 MARQUES, Silvia Badim. O princípio constitucional da integridade de assistência à saú-

de e o projeto de Lei n. 219/2007: interpretação e aplicabilidade pelo Poder Judiciário. Re- vista de Direito Sanitário, v. 10, n. 2, p. 64-86, Jul./Out. 2009, pp. 66/67.

inaugural no nosso sistema constitucional:

“O art. 6º da Constituição Federal insere a saúde no rol dos direitos

sociais tutelados pelo ordenamento jurídico pátrio, e o art. 194 desta Carta Magna reconhece a saúde como parte integrante do sistema de seguridade social do país. Os artigos 196 a 201, por sua vez, ins- tituem uma estrutura política complexa e abrangente para o cuidado com a saúde da população brasileira, com a organização de um Sis- tema Único de Saúde (SUS) que integra a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, formando uma rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de Governo e par- ticipação da comunidade, destinada a garantir, de forma sistêmica, o

direito à saúde de todos os cidadãos. (…)

As diretrizes constitucionais, portanto, balizam a construção da políti- ca pública de saúde no Brasil, que por seu arcabouço jurídico sólido, alicerçado na mais alta norma da estrutura escalonada de produção do direito, configura- se como política de Estado, que deve ser ob- servada por todos os governantes, parlamentares e administradores públicos.”104

Da mesma forma Letícia Canut e Sergio Cademartori ressaltam que somente a partir da Constituição de 1988 o direito à saúde entrou para o rol de direitos soci- ais, de prestação inescusável do Estado.

“A Constituição brasileira de 1988 emerge como um documento basi-

lar para a institucionalização dos direitos humanos no cenário brasi- leiro. Ao incluir o direito à saúde dentre os direitos sociais (art. 6º), a Constituição impulsionou a proteção à saúde no Brasil. Com base nas propostas e reivindicações do movimento sanitário, ela elencou, pela primeira vez, a saúde como um direito social fundamental. Além disso, a Carta Magna dispôs sobre o direito à saúde em seu art. 196, elevando-o a um direito de todos, a ser garantido pelo Esta- do por meio de políticas sociais e econômicas que tenham por objeti- vo não só a recuperação da saúde, mas também a sua promoção e proteção, de forma a reduzir o risco de doença e outros agravos. O texto reconheceu a relevância pública das ações e serviços públicos de saúde (art. 197, CF), deixando “[...] claro que o bem jurídico saúde

tem preponderância no sistema jurídico brasileiro.”105

Além disso, os autores ressaltam a importância e enquadramento do direito à saúde, conforme amparado na Constituição Federal de 1988, sendo um direito sub- jetivo público das pessoas perante o Estado.

104 MARQUES, ob. cit., pp. 71/72.

105 CANUT, Letícia e CADEMARTORI, Sergio. Neoconstitucionalismo e direito à saúde: al-

gumas cautelas para a análise da exigibilidade judicial. Revista de Direito Sanitário, v. 12, n. 1, p. 9-10, Mar./Jun. 2011, p. 22.

“Além de destacar que a dimensão objetiva liga-se a tais deveres do Estado, é necessário diferenciar, no que diz respeito à dimensão subjetiva do direito à saúde, entre direitos subjetivos a políticas públi- cas e direitos subjetivos relacionados à demanda individual que abarque pretensão não prevista nessas políticas e, assim, no âmbito no Sistema Único de Saúde — SUS. (…)

Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independendemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a

políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saú-

de.”106(grifos do original)

Rodrigo Alberto Correia da Silva também nos mostra a evolução, ou ausência dela, na positivação do direito à saúde no ordenamento constitucional brasileiro.

Segundo o autor, a Constituição Imperial de 1824 não tratava expressamente do direito à saúde, contendo garantia dos “socorros públicos” para os cidadãos brasi- leiros, conforme art. 179, XXXI da referida Constituição107.

Vejamos citado dispositivo, para melhor visualização do tema:

“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cida- dãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança indivi- dual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. (...)

XXXI. A Constituição também garante os soccorros públicos.”

Acerca do tema, João Carlos Azuma lembra que, de fato, não existia efetiva previsão que dispusesse sobre o direito constitucional à saúde, sendo a previsão de garantia dos “socorros públicos” ineficiente diante dos diversos problemas sociais presentes:

“inegável é que não existia normatização específica que conferisse o

direito universal à saúde. Essa se encontrava vinculada à liberdade do exercício de qualquer atividade, quer no âmbito do trabalho, cultu-

ra, indústria ou comércio”. (…)

106 CANUT e CADEMARTORI, ob. cit., p. 24.

107 SILVA, Rodrigo Alberto Correia da. A iniciativa privada em saúde e a Constituição de

1988. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006, p. 12.

“A idéia de “socorros públicos”, por sua vez, pressupunha uma preo- cupação do Estado ao lado dos particulares, com relação a calami-

dades, tais como epidemias” 108.

Passando adiante, afirma Rodrigo Correia da Silva que a Constituição de 1891 tinha a mesma configuração da anterior, sendo uma Constituição liberal em termos de não intervenção estatal na esfera privada. No entanto, o dispositivo garan- tido os “socorros públicos” foi suprimido, havendo somente uma leve e indireta pro- teção sanitária no artigo 72, caput109, referente à “segurança individual”110.

No dizer de Rosah Russomano,

“a Lei suprema de 1891 foi, assim, elaborada em harmonia com o

espírito dominante àquela época. Simbolizou, antes, e acima de tudo, um instrumento decisivo na organização dos Podêres estatais, bem como o meio hábil e seguro através do qual se discriminaram e ga-

rantiram os direitos individuais.

O problema social permanecia oculto na penumbra, sem contornos precisos e sem provocar a convergência das atenções para sua pró- pria solução”111.

Já a Constituição de 1934 ampliou os direitos individuais e políticos, tendo criado, inclusive, um capítulo próprio para a Ordem Econômica e Social, gerando obrigações sociais para o Estado com a criação de normas programáticas,

“decorrentes do desejo de solução de problemas sociais pelo Poder

Constituinte Originário, que, desde então, estarão presentes em nos- sas Constituições, determinando a prática de políticas públicas pelo Poder Executivo e definindo o conteúdo das leis, vinculando, conse-

quentemente, as decisões judiciais ao sentido social ali colocado”112.

A Constituição de 1934 traz, em seu artigo 10, II, a competência concorrente para União e Estados cuidarem da saúde e assistências públicas garantindo, ainda, no artigo 121, 1º, h, a assistência médica e sanitária aos trabalhadores e gestantes.

108 AZUMA, ob. cit., pág. 47.

109 Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a invio-

labilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: (…)

110 SILVA, ob. cit., pág. 12.

111 RUSSOMANO, Rosah. Lições de Direito Constitucional. – Rio de Janeiro: José Konfino

Editor, 1968, p. 405.

Versam os referidos dispositivos constitucionais:

“Art. 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados: (...) II - cuidar da saúde e assistência públicas;”

“Art. 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. § 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: (...)

h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, asse- gurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contri- buição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte;”

João Carlos Azuma ainda ressalta outros dispositivos da Constituição de 1934 que fazem alusão ao direito à saúde, tais como o art. 113, item 34, e o art. 138, abaixo transcritos, de modo que, segundo ele,

“antes da Constituição de 1988, essa Carta Política é apontada como

a que melhor contemplou dispositivos acerca da saúde. No entanto, importante notar que, ainda, não se assegurava o direito universal à saúde”113.

Assim previam referidos dispositivos da Constituição de 1934:

“Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros resi- dentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberda- de, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos ter- mos seguintes: (...)

34) A todos cabe o direito de prover à própria subsistência e à de sua família, mediante trabalho honesto. O Poder Público deve amparar, na forma da lei, os que estejam em indigência”.

“Art 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos ter- mos das leis respectivas: (...)

f) adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a moralidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impe- çam a propagação das doenças transmissíveis;

g) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos so-

ciais”.

A Constituição de 1937 restringe a competência legislativa em matéria de sa- úde à União, com a possibilidade de delegação aos Estados em caso de interesse local, repetindo a obrigação da legislação trabalhista em proteger a saúde dos traba- lhadores.114

“Art 16 - Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: (...)

XXVII - normas fundamentais da defesa e proteção da saúde, espe- cialmente da saúde da criança.”

“Art 137 - A legislação do trabalho observará, além de outros, os se- guintes preceitos: (...)

l) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante, asse- gurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e depois do parto;”

Segundo Rodrigo Alberto Correia da Silva,

“o retorno da normalidade e dos direitos individuais de proteção con-

tra o Estado se dá, novamente, com a Constituição de 1946”, lem- brando que “pela primeira vez, no caput do seu artigo 141, a Consti- tuição de 1946 garante ao indivíduo o direito à vida, direito óbvio e elementar para o qual é criado o Estado: para a proteção da vida de seu povo”115.

No caso, a Constituição trouxe novamente a competência privativa da União para legislar sobre matéria de saúde (art. 5º, XV, b), porém “a assistência sanitária e médico-hospitalar preventiva é constitucionalmente garantida pela legislação traba- lhista e previdenciária apenas ao trabalhador e à gestante (art. 157, inciso XIV)”116.

Para Pedro Calmon, “o Título V da Constituição (Da Ordem Econômica e So- cial) provém em boa parte do diploma de 1934”117. E adiciona:

“Feita numa atmosfera de transformações políticas que deixavam in-

114 SILVA, ob. cit., p. 14.

115 Idem, ibidem.

116 Idem, ob. cit., p. 15.

117 CALMON, Pedro. Curso de Direito Constitucional Brasileiro – Constituição de 1946, 4ª

tacta a fisionomia social do país, a Carta de 1891 – lacônica, objetiva e individualista, como o seu paradigma norte-americano – ignorara quaisquer atitudes intervencionistas do govêrno, em face dos confli- tos do trabalho, das perturbações econômicas, do problema da justi- ça operária, de fenômeno sindical. Abandonou tôdas essas questões à legislação ordinária. (...)

A revolução de 3-24 de outubro de 1930, interrompendo o ritmo da vida constitucional, desencadeou soluções, tentativas e experiências, conducentes a aparelhara a administração no que se relacionava com a “questão social”. Deu-lhe a atualidade revolucionária ou mili- tante. Para isto, foi criado um ministério especializado: o do Trabalho. E copiosa legislação, concretizando as reivindicações trabalhistas no velho e no novo mundo, foi elaborado nos anos seguintes. A Consti- tuição, em 1934, fixou-lhe as linhas essenciais, que não pudessem ser alteradas por outras leis. Ressurgem, mais claras, no texto de 1946”118.

Anota que a Constituição de 1934 trouxe disposição muito semelhante à do artigo 72 da Constituição de 1891, porém com o acréscimo de disposição relativa aos direitos concernentes à vida. Explica o autor:

““a Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residen-

tes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liber- dade, à segurança individual e à propriedade” (artigo 141), “nos ter- mos seguintes” (garantias individuais).

É o mesmo art. 72 da Carta de 1891, com um acréscimo: “a vida”. Corresponde, esse complemento (entendendo-se o direito à vida, como à subsistência, ao mínimo indispensável para a vida digna) aos novos poderes que se irrogou o Estado, quanto à ordem econômica, mudando de atitude em relação ao regime anterior, e procurando en- caminhar as questões sociais. Por sua vez, a Constituição de 1891 se adiantara à de 1824, pois esta se limitara a reconhecer, no art. 179, aqueles direitos “aos cidadão brasileiros”, sem incluir os demais

indivíduos abrigados sob a proteção das leis do Brasil”119.

Refere Paulino Jacques que a Constituição de 1946 tentou manter um inter- mediário entre as Constituições de 1934 e 1937 na questão social e liberdade da iniciativa privada:

“a Constituição de 1946 procurou um meio têrmo entre os regimes de

1934 e 1937, mandando conciliar a “liberdade de iniciativa com a va- lorização do trabalho humano”. Fórmula vaga e, no fundo, contraditó- ria, porque, pela iniciativa individual, dificilmente o trabalho humano será valorizado (art. 145). No parágrafo único, todavia, foi menos im-

118 CALMON, ob. cit., pp. 297/299.

precisa, tornando o trabalho uma “obrigação social”, de modo a as- segurar a todos uma “existência digna”. Entretanto, admite, como em 1937 (art. 135), a “intervenção do domínio econômico, mediante lei especial”, bem assim, o “monopólio de determinada indústria ou ati- vidade”, tal ocorria em 1934 (art. 146). Na segunda parte, porém, do preceito subordina o princípio ao “interesse público” e à garantia dos

“direitos fundamentais”, situação difícil de conciliar”120.

Sahid Maluf também salienta a dinâmica da Constituição de 1946 no sentido de dar liberdade econômica, sem abster-se o Estado de garantir os direitos funda- mentais:

“o Estado brasileiro continuava aferrado à ordem individualista de

1891. A reforma de 1926 foi um inútil tentativa de adaptação. A Re- volução de 1930 veio sacudir os brios nacionais, conduzindo o país

pelo caminho da nova ordem social-democrática. (…)

a Constituição de 1946, como a de 1934, sem suprimir a iniciativa privada nem menosprezar os direitos fundamentais da pessoa hu- mana, procurou amparar as necessidades públicas, acautelar os di- reitos da coletividade, reprimir toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, no afã de transformar a “luta de classes”, explora- da pelo marxismo, numa real harmonia de classes dentro de uma disciplina legal. Acima da liberdade econômica coloca a Constituição

os princípios de justiça social”. 121

A Constituição de 1967, por outro lado, garante o direito à vida às pessoas re- sidentes no Brasil, sendo que Rodrigo Alberto Correia da Silva entende que referida disposição seria indiretamente uma proteção constitucional à saúde, ao menos a saúde de emergência, sem a qual não se garante a vida das pessoas.

“Por sua vez, a Constituição de 1967, expressamente, garante o di-

reito à vida aos residentes no País, o que em uma interpretação am- pliativa, cabível aos textos constitucionais, não deixa de ser uma ga- rantia à saúde, pelo menos à saúde de emergência, posto que, sem garantir o direito à saúde, o direito à vida ficaria restrito, apenas, ao direito e não ser assassinado, ou seja, apenas a um direito contra agressão, e não, verdadeiramente, a um direito à manutenção da vi- da”122.

120 JACQUES, Paulino. Curso de Direito Constitucional, 3ª edição, revista e atualizada – Fo-

rense Editora : São Paulo, 1962, p. 251.

121 MALUF, Sahid. Curso de direito constitucional, volume 2º (parte especial) – revisto e

adaptado ao texto constitucional de 1969. 5ª edição: Sugestões Literárias, 1970, pp. 441/442.

Também, na Constituição de 1967 foi mantida a iniciativa privativa da União para legislar sobre a matéria de saúde, com a inovação de que

é garantia [sic] a assistência sanitária, hospitalar e médico-

preventiva não só aos trabalhadores mas também às suas famílias, não mais pela Legislação Trabalhista mas, diretamente, pela Consti- tuição Federal (artigo 158, inciso XV), portanto de maneira auto- aplicável e ampla”123.

Assim versa referido dispositivo:

“Art 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes di- reitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social: (...)

XV - assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva”.

Nas palavras de Rosah Russomano,

“a Constituição de 1.967, portanto, torna a adequar-se à democracia-

social, dilatando, porém, os conceitos exarados pelo legislador cons- tituinte de 1.946, que, em verdade, superpôs à preocupação econô- mico-social a preocupação mais estrictamente política, atinente à es- truturação estatal que deveria ficar isenta da interferência, oblíqua

embora, de fôrças ditatoriais”124.

Já a Constituição Federal de 1988 consagrou, dentre os direitos sociais, o di- reito à saúde como dever do Estado e direito de todos.

"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a pro- teção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

Com essa inovação trazida pela Constituição de 1988, o direito à saúde inte- grou o rol de direitos fundamentais da pessoa humana, constituindo cláusula pétrea e sem possibilidade de redução ou extinção.

Nem sempre, porém, os doutrinadores entenderam dessa forma. Logo quan- do da vigência da Carta Constitucional de 1988, referiam que o direito à saúde per- manecia restrito aos trabalhadores celetistas e constituía um direito inócuo, em face

123 SILVA, ob. cit., p. 16.

da impossibilidade de pleito perante o Estado.

Afirmava, nesse sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho que o artigo 6º é apenas um rol exemplificativo de direitos sociais, pois do contrário os direitos do tra- balho previstos no artigo 7º não poderiam ser considerados como direitos sociais.

“O art. 6º não esgota os direitos sociais. Se o fizesse, os direitos do