CAPÍTULO 4 A ATUAÇÃO DA INICIATIVA PRIVADA NA SAÚDE
4.1. O Sistema de Saúde Complementar: delimitação do tema
Como vimos, o direito à saúde é dever do Estado e direito constitucionalmen- te previsto para toda e qualquer pessoa no território nacional, sendo que o sistema de saúde é livre à exploração pela iniciativa privada, no qual “as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo dire- trizes deste”, conforme versa o artigo 199, §1º, da Constituição Federal.
O Ministério da Saúde assim explica o sistema de assistência à saúde no Brasil:
“Os cuidados em saúde no Brasil podem ser providenciados pelo Es-
tado ou pela iniciativa privada. Os cuidados em saúde de natureza pública são prestados no âmbito do Sistema Único de Saúde, por ór- gãos e instituições públicas e estabelecimentos privados de assis- tência à saúde, sendo que nesse caso devem ser complementares, mediante a celebração de contrato ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
Os serviços exclusivamente privados de assistência à saúde são dis- ponibilizados por profissionais liberais, legalmente habilitados, pres- tadores de serviços privados de saúde, ou por operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde. De acordo com a Consti- tuição do Brasil a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. As operadoras de planos privados de assistência à saúde oferecem tais planos mediante contraprestação pecuniária, com atendimento em serviços próprios ou de terceiros. E as operadoras de seguros privados de assistência à saúde comercializam seguros que garan- tem a cobertura de riscos de assistência à saúde, mediante livre es- colha pelo segurado ao prestador do respectivo serviço e reembolso
de despesas”203.
A fim de normatizar o sistema privado de saúde, foi publicada a citada Lei nº. 9.656, de 3 de junho de 1998, a qual traz as diretrizes gerais dos planos privados de assistência médica, bem como subordina toda e qualquer atuação do setor privado
203 BRASIL, Ministério da Saúde. Consultoria Jurídica. A implementação do direito à saúde
na esfera da saúde complementar à regulação e fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS.
A ANS foi criada tempos depois, por meio da publicação da Lei nº. 9.961, de 28 de janeiro de 2000, instituindo-a como autarquia sob regime especial e vinculada ao Ministério da Saúde, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscali- zação das atividades de saúde complementar.
Assim estabelece o artigo 1º da citada Lei:
“Art. 1º É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro - RJ, prazo de duração indeterminado e atuação em todo o território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde.”
O Parágrafo Único estabelece a autonomia da Agência, o que é criticado por alguns doutrinadores, tendo em vista as análises com relação à independência das agências reguladoras acima estudadas.
"A lei da ANS, no art. 1º, parágrafo único, aponta como caracteriza- dores de tal regime "autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de recursos humanos, autonomia nas suas decisões
técnicas e mandato fixo de seus dirigentes";204.
Referida autarquia tem por objetivo a regulação e fiscalização das atividades das operadoras do sistema privado de assistência médica, promovendo, nos termos da referida lei, a promoção da defesa do interesse público no âmbito da saúde com- plementar205.
Apesar de extensas, as atribuições da ANS, principalmente com relação à sua competência regulamentar, está restrita às atividades técnicas de saúde comple- mentar e não podem ser usurpadas ou extrapoladas quando da regulamentação do setor.
Salienta Maria Stella Gregori que a regulação da ANS não engloba determi-
204 BANDEIRA DE MELLO, ob. cit., p. 170.
205 Conforme artigo 4º da Lei nº. 9.961/2000, que trata das competências e atribuições da
nados entes privados sujeitos à fiscalização de outros órgãos públicos de defesa dos interesses coletivos, tais como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), criada pela Lei nº. 9.782, de 26 de janeiro 1999, que regulamenta os setores relacio- nados a produtos e serviços que possam afetar a saúde, mas não relacionada dire- tamente à prestação da saúde complementar, competência esta restrita à atuação da ANS.
Afirma referida autora:
“A ANS tem como escopo regular o sistema privado de saúde, disci- plinando e controlando as atividades que garantam a assistência su- plementar. Ela não regula todos os serviços de saúde, tais como: prestadores de serviços, médicos, hospitais, medicamentos, mas
apenas as operadoras de assistência à saúde”206.
A regulamentação no âmbito da saúde suplementar não se confunde com aquela aplicável à defesa geral das atividades que possam afetar a saúde pública, tal como o faz a ANVISA.
Explica Ruy Camargo:
“O conceito de regulação médica é definido como sendo o conjunto de atividades destinadas à avaliação de prejuízos resultantes de si- nistros cobertos por contratos de Seguro Privado, envolvendo danos pessoais que estejam incluídos no âmbito da competência médica. Compreendem atos intimamente relacionados entre si, de gêneros distintos, abrangendo procedimentos técnicos-científicos de cunho essencialmente médico. São atos médicos e devem ser realizados por médicos qualificados. Objetiva a regulação médica de sinistros, a determinação do percentual indenizável nos casos de invalidez, bem como o estudo de causas de sinistro, para efeitos de avaliação de cobertura”207.
As explicações acima são de extrema relevância, uma vez que prosseguire- mos com a análise de dispositivos da legislação aplicável ao sistema de saúde com- plementar, de modo que seu âmbito não seja confundido com aqueles que, muito embora relacionados à saúde e sua proteção estatal, não refletem diretamente no
206 GREGORI, Maria Stella. A normatização dos planos privados e assistência à saúde no
Brasil sob a ótica da proteção do consumidor. Dissertação (mestrado) em Direito das Rela- ções Sociais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2004, p. 76.
207 CAMARGO, Ruy Monteiro Cintra de. Medicina de seguro: estudo sobre a conceituação e
área de competência médica no seguro privado. Rio de Janeiro: Federação Nacional de Se- guros, 1991, p. 11.
ramo de atuação pela iniciativa privada no âmbito da assistência à saúde, tal como prevista no artigo 199 da Constituição Federal.