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A locação internacional de trabalhadores e as consequências tributárias

A evolução do direito do trabalho e os desafios do século XXI: As relações de trabalho triangular e a mobilidade

3. A locação internacional de trabalhadores e as consequências tributárias

No direito tributário com a intensificação do processo de globalização e de desenvolvimento do comércio internacional, uma das questões que com maior acuidade se levanta recorrentemente resulta de perceber onde devem ser tributados os rendimentos das atividades assalariadas. Nesse âmbito, surge o fenómeno da locação internacional de trabalhadores, que para além das questões laborais referenciadas, têm na sua génese razões fiscais. Pois, em alguns casos podem conduzir a um aproveitamento abusivo das normas estabelecidas nos acordos internacionais para evitar a dupla tributação em sede de impostos sobre o rendimento.

Os referidos acordos, via de regra, seguem o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património, do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, estabelecendo como regra geral que, nos rendimentos provenientes de emprego assalariado, a competência tributária pertence ao Estado onde o trabalho é efetivamente exercido. Isto significa que, por exemplo, um residente português que aufere uma remuneração, a título de emprego, de fontes situadas na Alemanha, mas que aí não exerce efetivamente o emprego, não pode ser tributado

pelo Estado alemão pelo simples facto de os resultados do seu trabalho serem aí explorados, quando o trabalho ocorre efetivamente em Portugal7.

Porém, o número 2 da referida disposição estabelece uma exceção, no sentido de afastar a possibilidade do Estado onde o trabalho é efetivamente realizado poder tributar. Esta exceção tem vindo a ser utilizada e a dar origem ao desenvolvimento da locação internacional de trabalhadores. Desta disposição legal resulta a necessidade de serem cumpridas três condições de forma cumulativa. Em primeiro lugar, para que exista tal isenção no Estado onde é efetuado o trabalho é necessário que o período de execução não exceda 183 dias, “durante qualquer período de doze meses com início ou termo no ano fiscal em causa”8. A

segunda condição pressupõe que a entidade patronal que paga a remuneração não seja residente no Estado onde é exercida a atividade laboral9. Por último, a terceira condição tem

por base os casos em que a entidade patronal possui um estabelecimento estável no Estado em que o trabalho é exercido, pelo que a isenção depende da remuneração não ser suportada por esse estabelecimento estável1011.

Esta exceção tem dado lugar a inúmeros casos de abuso, através do recurso pelas entidades empregadoras à locação internacional de trabalhadores, estabelecendo-se as ditas

7 vide o artigo 15.º, n.º 1, do modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património, do Comité dos

Assuntos Fiscais da OCDE, que dispõe que “Com ressalva dos disposto nos Artigos 16.º, 18.º e 19.º, os salários,

vencimentos e outras remunerações similares obtidos de um emprego por um residente e outras remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser eu o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado”. Vide igualmente os comentários à

referida norma em http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/taxation/model-tax-convention-on- income-and-on-capital-condensed-version-2014_mtc_cond-2014-en#.WbeaX7eo17w#page23

8 Vide neste sentido o artigo 15.º, n.º 2, alínea a) do modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o

património, do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE – ob. cit.

9 Vide neste sentido o artigo 15.º, n.º 2, alínea a) do modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o

património, do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE – ob. cit. Esta condição pode ser problemática ao nível administrativo, pelo que certos países entendem não ser desejável alargar a exceção aos casos em que a entidade patronal não é residente do Estado de residência do trabalhador, pois a determinação da remuneração do trabalhador ou a implementação das obrigações do empregador em matéria de retenção da fonte levanta problemas de aplicação.

10 Vide neste sentido o artigo 15.º, n.º 2, alínea a) do modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o

património, do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE – ob. cit.

11 O número 2 do artigo 15.º do modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património, do Comité dos

Assuntos Fiscais da OCDE, não se aplica às remunerações obtidas por um residente de um Estado em relação a um emprego exercido no outro Estado e pagas por, ou em nome de, um empregador que não seja residente desse outro Estado se o destinatário presta serviços no decorrer desse emprego a uma pessoa que não seja o empregador e essa pessoa, direta ou indiretamente, supervisiona, dirige ou controla a maneira como esses serviços são executados; e esses serviços constituem parte integrante das atividades comerciais exercidas por essa pessoa.

relações triangulares de trabalho. Isto conduz a que um empregador local, imagine-se, um empregador alemão, que deseja empregar trabalhadores estrangeiros durante períodos inferiores a 183 dias, o faça com recurso a um intermediário estabelecido num distinto país estrangeiro, o qual funciona como empregador dessa força laboral, que a cede em locação a um empregador local. Desta forma, o empregador local conseguirá obter trabalhadores que cumprem as identificadas três condições e, assim, beneficiar de trabalhadores com isenção de impostos no país onde exercem temporariamente as suas atividades.

Com vista a evitar-se este tipo de abusos, a OCDE tem defendido a necessidade de se interpretar a entidade patronal no contexto da identificada norma, o que encerra uma dificuldade suplementar, por não existir uma noção de entidade patronal no modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património. Contudo, entende-se que o empregador deve ser considerado como a pessoa jurídica que detém os direitos sobre o resultado da atividade do trabalhador e que assume as responsabilidades e os riscos correspondentes, o que devemos atribuir em muitas situações ao utilizador da mão-de-obra e não ao fornecedor da mesma.

Neste sentido, a substância da relação laboral deverá prevalecer sobre a forma que a mesma adota, o que implicará a necessidade de apreciar casuisticamente se é o intermediário (locador internacional de trabalhadores) ou o respetivo utilizador (empregador local) quem exerce mais amplamente as funções de empregador, o que deverá ser fixado de modo bilateral entre os Estados, como via de se aferir a amplitude do conceito de entidade patronal para efeitos da referida isenção no Estado onde é exercido o trabalho.

Em alguns casos, os serviços prestados por um indivíduo a uma empresa podem ser considerados como uma relação de emprego para fins de direito tributário interno, mesmo que esse trabalho seja prestado sob um contrato formal de serviços entre, por um lado, a empresa que adquire a serviços e, por outro lado, o próprio indivíduo ou outra empresa pela qual o indivíduo está formalmente contratado ou com o qual o indivíduo concluiu outro contrato formal de serviços. Nestes casos, a legislação nacional pode ignorar a forma como a relação laboral é concretizada nos contratos formais. Isto sucede porque pode preferir concentrar-se principalmente na natureza dos serviços prestados pelo indivíduo e a sua integração no negócio desenvolvido pela empresa que adquire os serviços, para concluir que existe uma relação de trabalho entre o indivíduo e essa empresa.

Por isso, o conceito de emprego para efeito destas convenções deve ser determinado de acordo com o direito interno do Estado que a aplica, pelo que se deve concluir que existe uma relação de trabalho entre a empresa para a qual são prestados os serviços e o indivíduo, quando se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do número 2 do artigo 15.º da convenção modelo. Logo, mesmo que a lei interna do Estado não ofereça a possibilidade de questionar uma relação contratual formal, não deixa de ser possível que o Estado que procede à aplicação da convenção negue a aplicação do número 2 do artigo 15.º em casos de abuso. Assim, os Estados em que as atividades são exercidas podem rejeitar a aplicação desta exceção.

Igualmente, tal afastamento é possível nos casos em que, de acordo com o conceito de emprego de direito interno desse Estado, os serviços prestados a uma empresa local por um indivíduo formalmente empregado por uma empresa não residente, considerem-se prestados numa relação de trabalho com essa empresa local. Com efeito, desde que o Estado de residência reconheça que o conceito de emprego na legislação tributária nacional do Estado de origem ou nos acordos constitua um abuso da Convenção, permite que esse Estado tribute o rendimento de um indivíduo em conformidade com a Convenção, devendo conceder uma redução da dupla tributação de acordo com as obrigações previstas nos artigos 23.º-A e 23.º B.

A conclusão de que uma concreta relação formal contratual deve ser desconsiderada, deve no entanto ser baseada em critérios objetivos. Assim, um Estado não pode argumentar que os serviços são considerados, nos termos da sua legislação interna, como relação laboral, quando os factos e as circunstâncias relevantes tornam evidentes que esses serviços são prestados ao abrigo de um contrato para a prestação de serviços, celebrado entre duas empresas separadas. No entanto, nem sempre será claro se os serviços prestados por um indivíduo podem ser devidamente considerados por um Estado como prestados numa relação de trabalho, e não no âmbito de um contrato de prestação de serviços celebrado entre duas empresas.

A natureza dos serviços prestados pelo indivíduo será um fator importante. Por conseguinte, será importante determinar se os serviços prestados pelo indivíduo constituem integralmente uma prestação de serviços, em que a empresa locadora cobra de um cliente um

preço, baseado numa taxa horária pelo tempo gasto por um de seus funcionários na execução de um contrato específico.

É importante notar que a questão de saber se a remuneração do indivíduo é diretamente cobrada pelo empregador formal à empresa a que os serviços são fornecidos é apenas um dos fatores subsidiários que são relevantes para determinar se os serviços prestados por esse indivíduo podem ser devidamente considerados por um Estado como prestado em uma relação de trabalho, e não no âmbito de um contrato de serviços.

Portanto, podemos ter um caso exemplificativo em que uma empresa multinacional possui e opera em hotéis em todo o mundo através de várias subsidiárias, em que uma dessas subsidiárias é residente na Alemanha, onde possui e opera um hotel e, bem assim, tem um determinado funcionário que é deslocado por um período de quatro meses para outra subsidiária em França, por escassez de funcionários qualificados, que lhe paga as despesas de viagem, mas que ainda assim se mantém formalmente empregado na subsidiária alemã, de quem recebe o salário e as contribuições sociais. Ora, de acordo com as considerações anteriores se os serviços desse trabalhador forem considerados como prestados à subsidiária francesa no âmbito de uma relação de trabalho, esse Estado poderia, logicamente, considerar que essa subsidiária é o empregador e a exceção do número 2 do artigo 15.º da convenção não seria aplicável.

4. Conclusões

Do exposto nos pontos anteriores resulta que o contexto inegável da globalização e do comércio internacional introduziu profundas alterações no direito do trabalho, sendo que as formas atípicas de contratação e de relações laborais que foram sendo construídas são consequência da rigidez das regras laborais clássicas e do intervencionismo do Estado. Assim, como se assumiu, o principal dilema que surge no atual período histórico resulta do modo como se deve conciliar a flexibilização e a segurança nas relações de emprego para alcançar um crescimento económico sustentável.

A crise económica e financeira do final do século veio a acelerar o processo de flexibilização, pelo aumento da necessidade de encontrar novas soluções organizativas e de

gestão dos escassos recursos disponíveis. Este período trouxe igualmente um conjunto de novas questões no âmbito da tributação internacional da locação de mão-de-obra, do qual tem resultado o surgimento de comportamentos abusivos, resultantes do aproveitamento das regras de tributação do rendimento do trabalho assalariado, fixadas nas convenções internacionais.

Em face da atual realidade económica, centrada no comércio internacional e na globalização, o processo de flexibilização e de mobilidade internacional de trabalhadores é um processo sem retorno, que conduz o mercado a procurar mão-de-obra competente, formada e adaptável aos novos desafios, independentemente do local do mundo em que a mesma se encontre. Consequentemente, o surgimento das relações de trabalho triangular são uma consequência do desenvolvimento económico das sociedades, em que o individuo vem a reassumir maiores responsabilidades. Assim, será necessário promover a reformulação dos mercados laborais, assente no pensamento liberal e individualista, e abertos à inovação e à mudança, que inevitavelmente conduzirá a um afastamento dos modelos tradicionais, nomeadamente, ao nível das condições de segurança do emprego, da estabilidade das condições de trabalho e das condições de vida que lhes estão associadas.

Por outro lado, a cristalização dos contratos de trabalho clássicos, que impossibilitam uma maior flexibilidade é hoje incompatível com o mercado laboral internacional. Por este motivo, o setor privado promoveu a adaptação das relações laborais e criou novas formas de contratação, que por natureza serão inseguras e instáveis. Na realidade, o mundo laboral transformou-se, existindo presentemente novas formas de emprego, que o mercado exigiu face às restrições do contrato de trabalho clássico, altamente protetor, bem como, do ponto de vista internacional, pela necessidade de uma maior mobilidade e flexibilidade dos trabalhadores. Estes desafios, dilemas e novos fenómenos, também resultam da modificação da organização das empresas, as quais impulsionaram a criação de novos tipos de relações contratuais, da qual a vertente tributária teve o efeito de favorecer a locação internacional de mão-de-obra.

Por fim, as novas formas contratuais vieram contrabalançar as dificuldades impostas pelo contrato de trabalho tradicional, que não garante a mobilidade necessária e os incentivos ao individualismo laboral. Deste modo, não se deve ver na flexibilidade um ataque aos direitos dos trabalhadores, mas deve-se pelo contrário vê-la como uma oportunidade.

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