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Na cessação do contrato de trabalho

As redes sociais e a des(proteção) da privacidade do trabalhador Patrícia Canteiro

I. As Redes Sociais e o Direito à Privacidade

1.2 A utilização das redes sociais na relação laboral

1.2.3 Na cessação do contrato de trabalho

O ordenamento jurídico português é marcado por uma característica protetiva em relação ao trabalhador, especialmente no que diz respeito à cessação dos contratos de trabalho.

Nesta fase, coloca-se a questão da legitimidade do empregador poder ou não aceder ao perfil do trabalhador presente nas redes sociais e utilizar a informação a que teve acesso, para efeitos disciplinares.

Pragmatizando esta análise coloca-se a seguinte hipótese: O empregador vai ao local onde o trabalhador exerce a sua atividade e verifica que o mesmo não se encontra presente. Observa o seu computador e vê que o trabalhador tem o seu perfil pessoal do facebook aberto e que está a manter uma conversa com um amigo através do Messenger, difamando a sua empresa e a sua imagem. Pode despedi-lo?

Estas situações não são de fácil resolução, sobretudo, devido à escassez de regulamentação na matéria, e por isso só perante um caso concreto é que podemos saber se há ou não um comportamento do trabalhador e do empregador passível de ser censurado.

Para se concluir se este tipo de atos (comentários e publicações) por parte dos trabalhadores é suscetível de ser sancionado disciplinarmente, terá de identificar-se a natureza pública ou privada das publicações que o trabalhador insere no seu mural da rede social.

Seguindo o preconizado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 8 de setembro de 2014, a diferença entre estas vai ter em conta cinco fatores, a saber: o tipo de serviço utilizado, a matéria sobre que incidem as publicações, a parametrização da conta, os membros da rede social e suas caraterísticas e o número de membros.

Neste sentido, se o trabalhador escolheu restringir o acesso da sua conta pessoal a um número restrito de pessoas, é expetável uma certa privacidade, ainda que reduzida, pois são meios de fácil transmissão de dados. Neste caso, as publicações do trabalhador na rede social terão natureza privada.

Contrariamente, se o trabalhador tecer comentários depreciativos no seu mural da rede social referentes à sua entidade empregadora, aos quais tenham acesso, não só os amigos, como também os amigos dos amigos, considera-se que terão natureza pública.

Desta forma, e chamando à colação a questão inicial do presente ponto, considera-se que quando o trabalhador escolhe as suas definições de privacidade, podendo ou não restringir o acesso à sua conta e respetivas publicações, sendo visíveis apenas aos seus amigos, o empregador não poderá invadir a esfera privada, logo não poderia utilizar a conversa retirada do Messenger para efeitos disciplinares, pois estas comunicações estão tuteladas pelo artigo 22.º do CT, que estabelece o princípio da confidencialidade das mensagens e de acesso à informação, incluindo as comunicações realizadas através das redes sociais.

O n.º 1 do artigo 22.º do CT confere ao trabalhador direito de reserva e confidencialidade relativamente ao acesso à informação de carácter não profissional que consulte no local de trabalho. Este artigo visa proteger assim, as informações enviadas, recebidas ou consultadas pelo trabalhador que, não sendo pessoais, não digam respeito à atividade para a qual foram contratados.

O empregador não tendo regulado a utilização quer das redes sociais, quer do correio eletrónico para fins pessoais, conforme possibilita o n.º 2 do artigo 21.º do CT, o envio de comunicações através destes meios não pode integrar infração disciplinar. Assim, o empregador não pode controlar o conteúdo destas mensagens, nem mesmo no caso de difamações à entidade empregadora.

Contudo, o empregador pode regulamentar o uso destes meios estabelecendo quanto tempo os trabalhadores poderão utilizá-los e sancionar disciplinarmente quem exceda esses limites. Porém, não fica legitimado para vigiar e controlar as páginas da internet visitadas6.

6 Vide Decisão do TSJ de Cantabria, de 18 de Janeiro de 2007. Neste acórdão, o tribunal decidiu ser ilegal o

controlo efetuado ao trabalhador apesar de se ter cumprido o princípio da transparência, assim como com as regras da boa fé, na medida em que se tinha informado previamente os trabalhadores acerca da existência de um sistema de controlo da utilização da Internet. Porém, a recolha de dados não se limitava a realizar controlos estatísticos dos acessos à Internet, mas pelo contrário, permitiam conhecer, inter alia, as várias páginas Web visitadas, as fotografias, bem como todos os sites visitados e o tempo de conexão, o que permitia reconstruir minuciosamente todos os passos dos trabalhadores.

No ordenamento jurídico português são cada vez mais os casos jurisprudenciais ao nível das instâncias superiores7, em consequência da publicação de comentários pouco

lisonjeadores colocados no mural da rede social facebook que põe em causa a imagem da empresa e que dão origem a despedimentos.

A segunda questão que emerge no presente ponto refere-se ao controlo da vida extralaboral dos trabalhadores, através das redes sociais, bem como de que forma estes comportamentos podem originar despedimentos. Assim, questiona-se se os deveres dos trabalhadores para com a entidade empregadora se estendem à sua vida extraprofissional, ou seja se o trabalhador está obrigado a adotar determinados comportamentos na sua vida privada, para valorização da sua empresa, abstendo-se de realizar comportamentos que tenham efeitos negativos na imagem e reputação da empresa.

O princípio geral afirmado pela jurisprudência e pela doutrina é o da irrelevância das condutas extralaborais do trabalhador no contrato de trabalho, adotando uma posição restritiva quanto à intromissão do empregador na esfera pessoal do trabalhador. Exige-se “uma conexão objetiva entre as referidas condutas pessoais ou as restrições a direitos fundamentais e um dever especificamente laboral ou a existência de um interesse relevante da empresa, que possa ser colocado em perigo por aquelas condutas” (Ramalho, 2014, p.816).

Neste sentido, defende-se que os comportamentos exigíveis ao trabalhador não possam ir além da sua vida profissional, ou seja a tutela do empregador deve exercer-se apenas durante a prestação de trabalho e assuntos relacionados com esta. Assim, o empregador não pode obrigar os seus trabalhadores a limitarem os seus atos e a adequarem os seus comportamentos aos padrões de conduta que o empregador considera serem os mais corretos. Entende-se que o facto de existir uma subordinação jurídica, esta não pode gerar nenhuma obrigação laboral para o trabalhador fora da empresa, significando que o poder diretivo e disciplinar do empregador não pode atuar, em princípio, sobre a vida extralaboral do trabalhador.

Assim, o empregador só poderá legitimamente imiscuir-se na vida privada do trabalhador quando seja expectável que os seus comportamentos sejam suscetíveis de

7 No ano de 2014 surgem os primeiros casos em Portugal em que se discute a admissibilidade da valoração, para

efeitos disciplinares, de comentários publicados na rede social Facebook. Vide Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 08.09.2014 e Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.09.2014.

prejudicar os interesses legítimos do empregador ou da empresa, ou quando pela especial natureza da relação de trabalho, o trabalhador esteja obrigado a adotar um determinado comportamento na sua vida privada.

Perfilhando Leite (2004), mesmo que o trabalhador leve uma vida desregrada fora do ambiente de trabalho, o que deverá ser sempre analisado e eventualmente sancionado é o reflexo negativo produzido na empresa e na prestação laboral e não a vida privada em si.

Contudo, entende-se que alguns factos relacionados com a vida privada do trabalhador podem configurar justa causa de despedimento, nos termos do artigo 351.º do CT, quando tais comportamentos extralaborais dos trabalhadores, pela sua gravidade e consequências, tornem imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho, havendo quebra de confiança no trabalhador. Por exemplo, o trabalhador ofender gravemente e em público a filha e a esposa do seu empregador.

Tal facto poderá não afetar a prestação da atividade do trabalhador, mas terá repercussões negativas no seio da empresa, pois verifica-se uma violação dos deveres acessórios de conduta do trabalhador, designadamente o dever de respeito, urbanidade e confiança, consagrados no artigo 128.º do CT.

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