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No acesso ao emprego e na formação do contrato de trabalho

As redes sociais e a des(proteção) da privacidade do trabalhador Patrícia Canteiro

I. As Redes Sociais e o Direito à Privacidade

1.2 A utilização das redes sociais na relação laboral

1.2.1 No acesso ao emprego e na formação do contrato de trabalho

O acesso ao emprego e a formação do contrato de trabalho parece ser a fase em que há uma maior possibilidade de se verificar violações aos direitos de personalidade do trabalhador, e por isso torna-se necessário uma maior proteção de possíveis intromissões na vida privada do trabalhador/candidato.

Atendendo à conjuntura económica que o país e o mundo atravessam, o trabalhador- candidato encontra-se numa posição mais débil, em consequência da elevada taxa de desemprego4. Assim, é nesta fase que se nota uma maior desigualdade entre os sujeitos

contraentes, devido à sua debilidade económica e à escassa expectativa de um emprego. Com o intuito de conseguir um emprego, por vezes, o trabalhador-candidato abdica da sua pessoalidade, pois este com receio de ser excluído do processo de seleção, disponibiliza- se para facultar dados e informações relativas à sua vida privada, sendo as mesmas irrelevantes para avaliar a aptidão para o posto de trabalho em causa.

Atualmente, as redes sociais fazem parte do nosso quotidiano e constituem um fator determinante dos nossos comportamentos e dos sucessos que vamos alcançando ao longo da

4 A taxa de desemprego em Portugal em julho de 2017 era de 8,9 % (a 6.ª taxa de desemprego mais elevada da

vida. Assim, a forma como nos integramos nestas redes pode determinar a maior ou menor probabilidade de conseguirmos um melhor emprego (Lopes & Cunha, 2011).

Hoje é prática frequente, a utilização das redes sociais pelas empresas para seleção de candidatos, pois através de uma pesquisa rápida, gratuita e discreta, o empregador passa a conhecer particularidades da vida do candidato. Através desta pesquisa à distância, é possível conhecer a intimidade de terceiros, pois estes dados, por vezes extremamente privados, encontram-se em acesso livre, pois são os próprios candidatos que os disponibilizam, ainda que involuntariamente, nas redes sociais, como o facebook ou linkedin (Moreira, 2013).

Assim, as empresas ao acederem aos perfis dos candidatos nas redes sociais têm como objetivo completar a avaliação dos mesmos, acedendo a informações que não conseguem obter através da informação contida nos Currículos. Esta consulta permite a criação de perfis, muitas vezes errada, originando assim uma grave discriminação, pois o candidato é excluído do processo com base na sua vida privada, independentemente de ser um excelente profissional.

Esta é uma realidade atual, pois segundo dados fornecidos pelo Information and

Privacy Comissioner of Ontario5, numa pesquisa realizada pelo ExecuNet, 90% das pessoas

que realizam recrutamento utilizaram motores de busca na internet para pesquisar sobre os candidatos e 46% admitiram que excluíram candidatos com base na informação que obtiveram nestes sites.

É cada vez mais frequente esta prática, que nos parece incorreta e discriminatória, do qual é exemplo uma organização não-governamental em Nova Iorque que excluiu um candidato devido ao conteúdo da sua página pessoal no facebook onde descrevia os seus inúmeros casos amorosos para além de interesse em filmes violentos. Outro exemplo absolutamente burlesco reporta-se ao recrutamento para a psiquiatria de um hospital, em que uma das candidatas detinha o melhor Curriculum mas o gestor de recursos humanos responsável pelo recrutamento, para além da análise do seu CV, resolveu realizar uma pesquisa em todas as redes sociais onde esta candidata tinha um perfil ou onde existia informação sobre a mesma, e como descobriu fotografias que entendeu serem inapropriadas, não a selecionou. Outro caso caricato refere-se a uma empresa norte-americana que recusou

um estágio a uma estudante de 19 anos após ter descoberto o perfil dela numa rede social onde tinha uma fotografia a segurar uma garrafa de vodka (Moreira, 2013).

Perante estes exemplos, considera-se reprovável este tipo de controlo e decisão por parte dos empregadores, pois escolhem um candidato em detrimento de outro com base em informações, muitas vezes figuradas, sem que os candidatos se apercebam.

As conclusões retiradas da consulta das redes sociais baseiam-se, sobretudo, nas publicações que os utilizadores disponibilizam no seu perfil pessoal, mencionando detalhes da sua vida pessoal, profissional, social, amorosa, entre outros. No entanto, existem ainda outros fatores determinantes como o mero facto de dispor de um determinado número de amigos, entendendo-se que caso o número seja elevado, poderá ser uma pessoa com maior influência, assim como o tipo de pessoas que faz parte da sua rede de contactos ou o integrar determinados grupos, nomeadamente políticos e religiosos poderão ter influência na escolha pela entidade empregadora (Moreira, 2013).

Todos estes fatores vão contribuir para a criação de perfis dos trabalhadores e para a consequente avaliação dos candidatos, a qual poderá ter efeitos negativos ou positivos no processo de seleção, caso as opiniões e partilha de informações pelos trabalhadores nas redes sociais vão ou não de encontro ao interesse da entidade empregadora.

É também importante ter em atenção que muita da informação recolhida sobre os candidatos nestas redes sociais pode estar errada ou desatualizada, pois existem muitas pessoas que utilizam esporadicamente as redes, sendo necessária uma contínua ação e gestão das contas, para que a informação retirada seja atual e verdadeira.

Perante esta nova realidade é urgente refletir na recolha sistemática e sem limites de inúmeros dados pessoais aparentemente sem importância, mas que agregados permitem reconstruir todo o perfil dos trabalhadores-candidatos, tendo repercussões negativas no processo de seleção.

Por isto, entende-se que o trabalhador/candidato deve ser cauteloso quanto às informações que disponibiliza nas redes sociais, na medida em que o empregador tem acesso à informação e poderá utilizá-la de forma discriminatória no processo de seleção.

Neste sentido é importante frisar que, no caso de se verificar esta exclusão, estamos perante a chamada prova diabólica, pois é impossível ao candidato provar que foi excluído do processo de recrutamento devido à informação contida nas redes sociais, a qual o empregador teve acesso.

Esta prova só se torna possível no caso de o candidato recorrer à via judicial, obtendo assim a confirmação de exclusão pelo empregador.

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