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A admissibilidade da utilização dos registos obtidos pelo empregador com vista ao despedimento do trabalhador quando o seu comportamento configura um ilícito

A utilização pelo empregador dos registos obtidos através dos meios de vigilância à distância como meio de prova

3. Da admissibilidade da utilização pelo empregador dos registos obtidos pelos meios de vigilância à distância para despedir o trabalhador: o estado da questão na

3.2. A admissibilidade da utilização dos registos obtidos pelo empregador com vista ao despedimento do trabalhador quando o seu comportamento configura um ilícito

criminal

Na perspetiva de encontrar uma solução para a questão em análise, constata-se que os tribunais têm valorado outras razões que, embora não resultem expressamente da lei, têm sido determinantes para a solução a que chegam. Em especial, para formar a sua convicção têm

18 A propósito do dever de informação prestado aos trabalhadores Dray, Guilherme, “Anotação ao artigo 20.º”,

Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e outros, 9.ª edição (Coimbra, 2013), Almedina, p. 162, considera que tal dever se tem por satisfeito se o empregador o comunicar à comissão de trabalhadores.

19 Ao contrário da relativização a que se assiste na jurisprudência, a doutrina tem entendido que o cumprimento

dos requisitos legais e procedimentais, como é o caso do dever de informação aos trabalhadores, é requisito essencial da utilização dos meios de vigilância à distância no local de trabalho - neste sentido Gomes, Júlio Manuel Vieira, Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho (Coimbra, 2007), Coimbra Editora, p. 325 e seguintes.

ponderado a utilização dos registos quando a infração disciplinar configura igualmente um crime, quando se trate de uma infração disciplinar grave20.

Para efeito de despedimento com justa causa, a gravidade da infração cometida pelo trabalhador aprecia-se nos termos do artigo 351.º CT, sendo que a aferição sobre o juízo de gravidade se aprecia também pelas consequências que o comportamento do trabalhador produz na relação de trabalho, o que se verifica quando a relação de confiança que a execução do contrato de trabalho pressupõe fica afetada de modo irreversível.

Uma parte relevante da jurisprudência tende a conceder na utilização dos registos obtidos através da vigilância no local de trabalho para fundamentar o despedimento do trabalhador apenas quando estejamos perante infrações disciplinares graves. A aferição da gravidade da infração tem sido feita atendendo aos bens jurídicos que a conduta do trabalhador violou, em particular identificando se esse comportamento do trabalhador é punível criminalmente.

O argumento de que o empregador pode utilizar os registos obtidos pelos meios de vigilância quando os mesmos registem factos que à luz da lei penal constituam crime, tem sido utilizado correntemente pela jurisprudência21.

O Acórdão da Relação de Lisboa de 19/11/2008, processo 7125/2008-4, disponível em www.dgsi.pt, decidiu que é impossível valorar o conteúdo das imagens para fundamentar o despedimento do trabalhador quando comete simultaneamente um crime, podendo ler-se que “(…) não colhe a argumentação de que sendo admissível no âmbito do processo-crime instaurado contra a trabalhadora, a gravação vídeo também poderá ser utilizada no âmbito do processo de trabalho. A previsão do artigo 20.º do CT é, quanto à captação de imagens por videovigilância bem explicita na sua proibição, nos termos expostos, e também importa não olvidar que o ilícito criminal e o ilícito disciplinar podem não ter, e bastas vezes não têm, campos de aplicação coincidentes, podendo determinado facto constituir ilícito criminal e não disciplinar e vice-versa”.

20 No CT o legislador não definiu infração disciplinar, nem elencou as infrações disciplinares graves; como

sabemos, no n.º 2 do artigo 351.º enumeram-se a título exemplificativo motivos que, uma vez preenchidos os requisitos do n.º 1 da norma, constituirão fundamento bastante para despedir o trabalhador com justa causa.

21 No sentido de admitir o visionamento das imagens em sede disciplinar quando a infração seja um ilícito penal

de relevo ver Moreira, Teresa Alexandra Coelho, “Direitos de Personalidade”, Estudos de Direito do Trabalho (Coimbra, 2011), Almedina, p. 288 e 289.

No mesmo sentido o Acórdão da Relação do Porto de 9/05/2011, processo 379/10.6TTBCL- A.P1, disponível em www.dgsi.pt, considerou que mesmo quando a infração disciplinar constitua igualmente ilícito penal, isso não legitima o empregador a usar as imagens captadas para fundamentar o exercício da ação disciplinar. Concebe que as imagens sejam utilizadas nos termos da lei processual penal, mas nunca em sede de ação disciplinar.

No Acórdão da Relação do Porto de 19/10/2015, processo 402/14.5TTVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt, escreveu o relator que “Face a tudo o que acabo de enunciar, entendo que as imagens recolhidas por sistema de videovigilância autorizado e devidamente publicitado podem ser usadas pelo empregador como meio de prova em procedimento disciplinar, nos casos em que este tenha por objeto factos praticados pelo trabalhador que constituem crimes contra pessoas ou bens”.

No mesmo sentido, a mesma Relação do Porto em 14/03/2016, processo 1097/15.4T8VLG- A.P1, disponível em www.dgsi.pt, considerou que “(…) de resto e havendo o sistema jurídico de ser um sistema minimamente harmonizado, não deixaria, quanto a nós, e uma vez mais com o devido respeito por diversa opinião, de ser assaz incongruente e contraditório que tal meio de prova possa ser legitimamente utilizado para sancionar infrações com dignidade penal e que já não seja admissível para sancionar a mesmíssima infração mas olhada na vertente da sua caracterização, concomitante, de infração laboral…”

O mesmo tipo de fundamentação poder encontrar-se igualmente no Acórdão da Relação do Porto de 26/06/2017, processo 6909/16.2T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt, que decidiu que “(…) A prova obtida pelo sistema de videovigilância é não só lícita e válida para sustentar o processo disciplinar, como também deveria ser visionada na audiência de julgamento...”

Tudo avaliado, pensamos ser esta a melhor solução, quer em face da congruência e unidade do sistema jurídico, quer perante a “hierarquia” dos bens jurídicos violados pelo trabalhador.

A síntese da discussão jurisprudencial que nos propusemos fazer não se afigura fácil, face à quantidade de decisões e à diversidade de soluções a que chegam os tribunais superiores.

Encontramos um ponto em que toda a jurisprudência se mostra de acordo, e que resulta na impossibilidade de o empregador instalar e posteriormente utilizar registos de videovigilância para controlar o desempenho profissional do trabalhador.

Já quanto às situações de exceção que a lei contempla, toda a jurisprudência também concorda com a instalação de equipamentos de vigilância no local de trabalho, quando a finalidade é a segurança de pessoas e de bens e as especiais necessidades da atividade da empresa o justifiquem.

Quanto ao cumprimento dos pressupostos de natureza procedimental que a lei dirige ao empregador, a jurisprudência tem-lhes atribuído relevância diversa. No que respeita à necessidade de o empregador obter autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados como condição de utilização futura dos registos colhidos, os tribunais tem vindo a considerar este requisito essencial, tendendo a considerar a indispensabilidade da autorização da entidade administrativa como condição para a futura utilização dos registos para basear o exercício da ação disciplinar.

Assentes estes aspetos, tudo o resto merece discussão, originando soluções diversas patentes na jurisprudência portuguesa.

No que tange ao cumprimento do dever de informação aos trabalhadores da existência e finalidade dos equipamentos de vigilância à distância, a maioria das decisões consultadas considera que o empregador tem de cumprir este dever como condição para utilizar os registos.

Merece, contudo, ponderação que em decisões recentes se assista à relativização das consequências do incumprimento deste dever pelo empregador em face de outros direitos e

interesses mais relevantes de terceiros, tendo vindo a ser admitida a sua utilização para o exercício da ação disciplinar sem a prestação da informação aos trabalhadores.

É corrente nas diversas decisões que analisámos admitir a utilização dos registos obtidos pelos equipamentos de vigilância quando a infração disciplinar seja em simultâneo uma infração criminal.

Esta posição parece-nos correta e consentânea com a unidade do sistema jurídico que deve inspirar a ação dos tribunais na busca de critérios determinantes para decidir o conflito subjacente à proteção da personalidade do trabalhador e à proteção dos interesses do empregador e de terceiros. Visto que ambos são direitos fundamentais com tutela constitucional.

Face à gravidade dos seus comportamentos, o trabalhador não pode procurar na lei e nas decisões dos tribunais respostas distintas enquanto cidadão e enquanto trabalhador.

As decisões mais recentes dos tribunais portugueses têm propendido para admitir a utilização dos registos obtidos por meios de vigilância à distância no local de trabalho como meio de prova no despedimento do trabalhador, embora nem todas as decisões valorem da mesma maneira os pressupostos que lhe servem de base .

O tema é delicado e a solução não se afigura simples em face dos interesses em confronto e da natureza dos direitos das partes, pelo que procuraremos acompanhar a evolução da matéria.

Não obstante a diversidade de decisões, consideramos inegável o contributo da jurisprudência na resolução da questão de fundo que nos propusemos tratar - a da admissibilidade da utilização dos registos obtidos pelo empregador por meio de vigilância à distância no local de trabalho com vista ao despedimento do trabalhador.

Será interessante continuar a acompanhar as decisões dos tribunais portugueses sobre esta matéria, cujo sentido mais recente tem evoluído face às decisões mais antigas, e que tem sido

de permitir a utilização dos registos obtidos para o exercício da ação disciplinar dentro de certos limites, que os tribunais têm procurado concretizar.

Referências bibliográficas

Dray, Guilherme, “Anotação ao artigo 20.º”, Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e outros, 9.ª edição (Coimbra, 2013), Almedina

Gomes, Júlio Manuel Vieira, Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho (Coimbra, 2007), Coimbra Editora

Guerra, Amadeu, “A privacidade no local de trabalho”, Direito da Sociedade da Informação, Vol. VII (Coimbra, 2008), Coimbra Editora

Leitão, Luis Manuel de Menezes Telles, Direito do Trabalho, 3.ª edição (Coimbra, 2012), Almedina

Moreira, Teresa Alexandra Coelho, A privacidade dos trabalhadores e as novas tecnologias de informação e comunicação: Contributo para um estudo dos limites do poder de controlo electrónico do empregador (Coimbra, 2010), Almedina

Moreira, Teresa Alexandra Coelho, “Direitos de Personalidade”, Estudos de Direito do Trabalho (Coimbra, 2011), Almedina

Moreira, Teresa Alexandra Coelho, “Os Ilícitos Disciplinares dos Trabalhadores Detectados Através de Sistemas de Videovigilância”, Estudos de Direito do Trabalho (Coimbra, 2011), Almedina

Ramalho, Maria do Rosário Palma, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 4.ª edição (Coimbra, 2012), Almedina

Redinha, Maria Regina, “Utilização de Novas Tecnologias nos Locais de Trabalho (algumas questões)”, IV Congresso Nacional de Direito do Trabalho (Coimbra, 2002), Almedina

Redinha, Maria Regina, “Direitos de Personalidade”, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198

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