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As relações triangulares no direito do trabalho e a mobilidade de trabalhadores

A evolução do direito do trabalho e os desafios do século XXI: As relações de trabalho triangular e a mobilidade

2. As relações triangulares no direito do trabalho e a mobilidade de trabalhadores

2.1. Considerações Iniciais

A introdução dos contratos atípicos teve o efeito de garantir às empresas a possibilidade de conseguirem garantir uma rápida adaptação às exigências da globalização, do comércio internacional e da revolução tecnológica, bem como às escolhas dos consumidores. Acessoriamente, permitiram, por um lado, garantir em tempos de recessão económica novas oportunidades de emprego e, por outro, ser um foco de atração para uma mão-de-obra cada vez mais diversificada, que não deseja a existência de vínculos que impliquem uma duração prolongada no tempo, em face da constante mutação do mercado de emprego.

O novo século trouxe para o indivíduo-trabalhador a assunção de maiores responsabilidades individuais, que no século passado transmitiu para o Estado ou para grupos de interesses, como as associações sindicais, nomeadamente, respeitante à carreira profissional, à sua formação e à sua vida e sacrifícios familiares. Esta nova perspetiva individual conduziu a que o mercado de trabalho esteja hoje preenchido pelas empresas de trabalho temporário, que recrutam trabalhadores para depois os locarem a terceiras entidades, tanto dentro do espaço nacional como internacional. Efetivamente, num contexto de globalização, de comércio internacional e, bem assim, em plena revolução tecnológica, a reformulação dos mercados laborais não pode ser esquecida, devendo os mesmos estar abertos à inovação e à mudança.

Aliás, não se trata apenas do ponto de vista dos empregadores, pois aos trabalhadores, especialmente os mais vulneráveis, não deve ser negada as novas oportunidades que representa a mobilidade internacional de trabalhadores, mesmo tendo inerente alguns riscos, mas que devem ser por si assumidos dentro da ideia da responsabilidade individual liberal. As novas formas laborais vêm assim contrabalançar as dificuldades do trabalho tradicional, que não garante a mobilidade necessária e os incentivos ao individualismo laboral, que veja na flexibilidade não um ataque à sua condição mas uma oportunidade. Assim, a dificuldade maior deste século estará em compatibilizar a flexibilidade, a segurança no emprego e a segmentação, em que a grande prioridade tem sido a flexibilidade, por via da qual todas as formas atípicas utilizadas têm ido ao encontro desse objetivo.

2.2. A mobilidade de trabalhadores

O mundo globalizado implica a reforma do direto do trabalho em vários aspetos, dentro dos quais a mobilidade de trabalhadores, em especial a internacional, é um dos pontos mais sensíveis, porque existe uma necessidade de dar coerência ao mercado de trabalho europeu e internacional.

Com a mobilidade internacional de trabalhadores, surgida no contexto do processo de internacionalização das empresas, surge o problema da falta de uniformização dos conceitos, designadamente de trabalhador, o que causa constrangimentos na sua mobilidade, mesmo dentro do espaço da União Europeia, onde as regras deveriam estar uniformizadas. Tal sucede porque esse conceito de trabalhador, que assume um papel fulcral na delimitação das relações laborais, tem sido deixado para a definição por cada um dos Estados.

Estas dificuldades são particularmente visíveis na aplicação das regras referentes às condições de destacamento de trabalhadores e às transferências de trabalhadores entre empresas ou, ainda, na locação internacional de mão-de-obra temporária, a que se vem juntar as dificuldades e a complexidade da sua tributação. Portanto, embora este problema esteja identificado há mais de uma década a sua alteração tem criado constrangimentos na concretização da flexibilidade das relações laborais.

2.3. Relações de trabalho triangulares

Outra das questões fundamentais para as relações laborais deste século são as relações triangulares de trabalho, resultantes do desenvolvimento do trabalho temporário. A relação de trabalho triangular entre uma empresa utilizadora, um trabalhador e uma entidade de colocação de trabalhadores temporários corresponde em geral à situação jurídica em que um trabalhador é temporariamente empregue por uma empresa de trabalho temporário, para em seguida ser disponibilizado a uma empresa utilizadora, com o fim de efetuar uma determinada prestação de trabalho.

Esta relação na linguagem tributária internacional é conhecida como locação internacional de mão-de-obra, cujos contornos fiscais serão desenvolvidos no ponto seguinte. Portanto, a relação jurídica triangular tem assim como característica a “dualidade” de empregadores, tornando ainda mais complexa a relação laboral, bem como os efeitos jurídico- tributários da mesma.

Na grande maioria dos países, particularmente os europeus, o trabalho temporário ocorre através da intervenção de entidades ou agências de trabalho temporário (empresas), as quais têm uma regulamentação mista, centrada na legislação laboral, convenções coletivas de trabalho e autorregulação. Neste âmbito é fulcral garantir o cumprimento do princípio de não discriminação entre os trabalhadores clássicos e os trabalhadores temporários locados à empresa utilizadora.

Este tipo de problemas surge principalmente com os trabalhadores implicados em longas cadeias de subcontratação, tendo alguns países tentado resolver o problema por via de um regime jurídico de responsabilidade conjunta e solidária, em que os principais contratantes ficariam responsáveis pelas obrigações dos seus subcontratantes. Esta seria uma forma de pressionar os utilizadores ao cumprimento das obrigações e direitos laborais dos trabalhadores. A solução em causa dentro do espaço da União Europeia coloca alguns problemas, pelo facto de poder ser vista como uma medida que restringe o mercado interno e a livre prestação de serviços, quando possa restringir a subcontratação (locação de mão-de- obra) a empresas estrangeiras. Porém, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia6 no que respeita ao destacamento de trabalhadores tem considerado que um regime

jurídico deste tipo como aceitável, no sentido de garantir o acesso ao salário mínimo, e no pressuposto que a proteção aos trabalhadores temporários não ultrapassa o necessário, bem como entende que tal é admissível na medida que seja proporcional e conforme ao interesse geral.

Em Portugal, o trabalho temporário está consagrado no artigo 172.º e seguintes do Código de Trabalho, assentando numa relação jurídica triangular, caracterizada, por um lado, pela dissociação entre o empregador e o beneficiário da atividade prestada pelo trabalhador e, por outro lado, pela existência de duas relações jurídicas distintas. Isto é, de uma parte existe um contrato de trabalho entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador e, da outra parte, existe um contrato de prestação de serviço entre a empresa de trabalho temporário e o utilizador do trabalhador.

O exercício da atividade da empresa de trabalho temporário está sujeito a licenciamento, o qual está sujeito ao cumprimento de um conjunto de requisitos, a verificar e a acompanhar pelo serviço público de emprego. Em particular, exige-se a constituição de uma

6 Vide acórdão do TJUE, de 12 de outubro de 2004, no processo C-60/03, caso Wolff & Müller GmbH & Co.

caução a favor do IEFP, como forma de garantir o pagamento de créditos do trabalhador temporário – retribuições, indemnizações e compensações por cessação de contrato de trabalho – e contribuições para a segurança social. Neste âmbito, existe ainda o registo nacional das empresas de trabalho temporário, onde se encontram identificadas as empresas licenciadas e aquelas em que ocorra a suspensão da atividade, caducidade ou cessação da licença ou aplicação de sanção acessória.

As relações de trabalho triangular, em concreto o trabalho temporário, tiveram um aumento acentuado desde o início do século, sobretudo entre 2002 e 2006, quando se registou um crescimento de 156,5% do número de contratos de trabalho temporário. Este crescimento ocorreu em paralelo com o aumento dos contratos de trabalho a termo, o que é resultado do recurso cada vez mais intenso às modalidades contratuais não permanentes no contexto do mercado de trabalho português. Efetivamente, em 2014 mais de 30% dos trabalhadores por conta de outrem, no setor privado, tinham contratos não permanentes.

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