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A evolução do direito do trabalho e os desafios do século XXI: As relações de trabalho triangular e a mobilidade

1. Evolução histórica

O direito do trabalho pode-se considerar um ramo ainda jovem dentro da cultura jurídica, embora já pudesse ser encontrado no direito romano, como uma modalidade de locação em sentido amplo. Neste sentido, continua hoje a fazer sentido utilizar a expressão de locação internacional de mão-de-obra. Nesse período histórico, a locação abrangia a utilização de pessoas a troco de uma retribuição monetária, enquanto um contrato de natureza consensual sem necessidade de forma especial4. Porém, é com a industrialização a partir do

final do século XVIII que o mesmo se desenvolveu enquanto ramo ligado ao trabalho subordinado, mas a grande maioria dos autores situa o seu surgimento nos inícios do século XX, uma vez que até então a relação laboral era vista como um vínculo jurídico privado, sem a intervenção do Estado, fruto do pensamento liberal surgido das revoluções francesa e americana.

Este fenómeno de algum desinteresse está bem presente no Código de Napoleão, no Código Civil Italiano de 1865, no BGB alemão ou na codificação oitocentista portuguesa, com exceção de algumas normas a propósito de trabalhadores tidos como mais desfavorecidos, como as crianças. Com a massificação da industrialização este cenário modifica-se e surge a questão social resultante do abuso das entidades empregadoras e da perigosidade das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores5. Com efeito, o trabalho

subordinado que é o objeto do moderno direito de trabalho é uma criação e uma necessidade do século XX, devido às formas de trabalho surgidas durante esse período histórico, que conduziram a uma necessidade de regular as condições de trabalho e os vínculos laborais.

Este processo passou pela adaptação do regime civilista, que de modo disperso ia contendo algumas insipientes disposições laborais, no sentido do favorecimento do trabalhador, enquanto parte mais fraca da relação laboral, bem como na imposição de um

4 Nesta época tem especial importância a locatio conductio operarum, utilizada quando estivesse em causa a

prestação de uma atividade, em que o trabalhador se obrigava a prestar trabalho a outrem, a troco de uma retribuição, o qual está na base do moderno contrato de trabalho.

5 Este é um período de forte influência da perspetiva social da igreja Católica e do pensamento marxista contra

regime imperativo, que abrangia os pontos fulcrais da relação laboral. Esta última circunstância conduziria ao afastamento do princípio de flexibilidade laboral, que hoje se pretende inserir na relação laboral, uma vez que se entendia que tal princípio não seria compatível com a segurança no emprego. Com as primeiras normas laborais colocou-se em causa, por um lado, a igualdade dos entes jurídicos privados, por se entender que na relação laboral uma das partes padece de inferioridade face à outra, nomeadamente, de cariz económico e, por outro, colocou-se em causa o princípio da liberdade contratual, fruto da regulamentação e do intervencionismo do Estado nas relações laborais, por via da previsão de um regime imperativo. Este regime imperativo teve por escopo salvaguardar a parte mais frágil da relação laboral. Por isso, a evolução ao longo de todo o século XX fez-se no sentido da proteção do trabalhador subordinado, que constitui o núcleo central do direito do trabalho clássico.

Com o desenvolvimento do direito do trabalho pretendeu-se garantir primordialmente a sua segurança e, indiretamente, favorecer o desenvolvimento familiar e da vida privada dos trabalhadores. Com a chegada ao século XXI toda esta construção é particularmente colocada em causa ou, pelo menos, passou a exigir-se a sua reforma pelo surgimento da globalização e pelo modo de funcionamento do comércio internacional, que vieram criar novas necessidades. Segundo MARIADOROSÁRIOPALMARAMALHO (2005, pp. 50) existiram três grandes fases na evolução do Direito do Trabalho, que identifica como de consolidação, de publicização e de reprivatização e relançamento. Nesta última fase, por um lado, a regulação das condições do trabalho integra-se parcialmente no âmbito do direito das situações laborais individuais. Por outro, volta a ser reforçada a dimensão coletiva do direito do trabalho, com a reposição do direito à greve. Por último, consolida-se a autonomização do contrato de trabalho e a relação de trabalho face aos contratos civis de locação e de prestação de serviços, com o estabelecimento de regulações específicas para o contrato do trabalho. Porém, agora devemos considerar existir a fase da internacionalização do direito do trabalho por influxo da globalização.

A partir dos anos setenta a orientação de proteção mais rígida do tradicionalismo laboral do século XX vai inverter-se, no sentido de uma maior flexibilidade. Este período é tido inicialmente como uma época de crise do direito do trabalho, que para alguns autores perdura até hoje, embora a vejamos como a fase da internacionalização das economias, promovida pela globalização. Assim, até ao surgimento da globalização o desenvolvimento do

direito do trabalho baseou-se na relativa uniformidade da categoria dos trabalhadores, associada à crença na sua incapacidade de se autorregularem. Isso levou que os trabalhadores tenham sido neste período capturados no âmbito de uma relação de dependência para com as associações sindicais. Ademais, aparece a grande empresa do setor secundário como modelador das relações laborais, bem como a crença na sustentabilidade do sistema laboral de proteção.

No século XXI este cenário inverteu-se, pois, o trabalhador típico sem grandes qualificações profissionais, dependente em exclusivo do seu trabalho e que trabalhava a vida inteira para o mesmo empregador, é modificado pelo surgimento de novas categorias de trabalhadores, entre os quais vão surgir os trabalhadores a termo, temporários e muito especializados, que vêm a ser designados pela doutrina como trabalhadores atípicos. Esta categoria de novos trabalhadores escapa ao regime de uniformidade, sendo cada vez menos dependentes, tanto das estruturas sindicais como dos empregadores, o que vem nas palavras MARIA FERNANDA PALMA RAMALHO a colocar em causa “o dogma da uniformidade

do estatuto do trabalhador subordinado; e o dogma da incapacidade genética dos trabalhadores para gerirem a sua vida laboral” (2005, p. 57).

Por outro lado, com a globalização e o comercio internacional deu-se a especialização do trabalho, propiciada pela revolução tecnológica que ainda nos dias de hoje continua em desenvolvimento, conduzindo a uma alteração do cenário empresarial e, por inerência, modificando as relações laborais. Tal sucede pelo surgimento das grandes unidades produtivas do setor secundário e com o grande desenvolvimento do setor terciário e tecnológico. Com a competitividade a ser um elemento chave no mundo globalizado, as empresas tornam-se pequenas unidades, mas com maior agilidade e produtividade, recorrendo cada vez mais ao trabalho temporário e ao outsourcing, e flexibilizando as suas estruturas e organizações. Além da especialização, a globalização trouxe a deslocalização empresarial e a internacionalização da atividade económica, que acarretaram significas alterações no panorama das relações laborais. Essas modificações são visíveis nas remunerações variáveis por objetivos, no surgimento do controlo de trabalhadores à distância, na locação de mão-de- obra, na flexibilidade laboral e nos incentivos à deslocalização de trabalhadores dentro de grupos económicos para distintos países. Em vez de um modelo laboral rígido, típico do período industrial inicial, surge uma multiplicidade de modelos de relacionamento laboral.

No que concerne ao mito da sustentabilidade do sistema laboral protecionista, que efetivamente permitiu uma notável melhoria das condições laborais dos trabalhadores, a crise económica e financeira veio afetar este pensamento, uma vez que os encargos associados para os empregadores têm por pilar de sustentação um quadro de crescimento e de desenvolvimento económico favorável. Assim, as circunstâncias menos favoráveis conduziram a que os empregadores passassem a tomar opções com vista à redução de custos, aí se inserindo a temática da mobilidade de trabalhadores, locação de mão-de-obra e o trabalho temporário. Esta é a fase da minimização dos custos das empresas e da exteriorização do emprego, de onde resultou também o aumento dos níveis de desemprego.

1.2. A evolução no século XXI

Em face das modificações descritas e tendo em consideração os paradigmas existentes ao logo do século XX, que perduraram até meados dos anos setenta, mas cuja profunda alteração apenas se deu na passagem de século, deu-se o retrocesso na ideia de universalização e intensificação dos direitos laborais dos trabalhadores. Essa fase chegou ao fim, em favor da flexibilização das relações laborais, com uma forte conexão com o movimento de desregulamentação e de redução da intervenção do Estado nas relações económicas, que encontram as suas raízes no pensamento liberal.

Ao nível dos tipos de vínculos laborais, surgiram os referidos vínculos laborais atípicos, com novas formas contratuais, como o contrato de trabalho a termo, o contrato de trabalho temporário, o teletrabalho ou, ainda, figuras conhecidas em outros ordenamentos jurídicos como job sharing e o Arbeit auf Abruf. Estes vínculos atípicos, mas que hoje são comuns e generalizados, embora tenham tido por escopo diminuir o desemprego, tiveram como grande intenção ajudar a gestão e a organização das empresas, permitindo uma significativa diminuição de custos, com efeitos positivos na competitividade e na produtividade, que constituem elementos-chave na era da globalização e da internacionalização do comércio. Estes vínculos para cumprirem os seus objetivos têm subjacente uma diminuição da proteção dos trabalhadores e uma menor intervenção regulatória do Estado.

Por outro lado, a respeito da flexibilidade do regime jurídico do contrato de trabalho, na última década o mercado europeu tem tomado em consideração o problema da

desregulamentação marginal, que favoreceu no final do século e início do corrente a segmentação dos mercados de trabalho e influenciou negativamente a produtividade, por ter pretendido manter grande parte das exigentes regras aplicáveis aos contratos clássicos. Por isso, tem-se igualmente verificado a diminuição protetiva e a flexibilização de muitas das regras do contrato de trabalho clássico. Em particular, tem-se avançado no sentido da mobilidade e da polivalência funcional, bem como na diminuição da estabilidade do local de trabalho, de modo a facilitar as transferências, cedência e locação de trabalhadores, designadamente para efeitos de mobilidade internacional. Outro aspeto em que se tem verificado o aligeiramento, verifica-se nas regras ao nível do tempo de trabalho, da retribuição e da cessação do contrato de trabalho.

A flexibilização está intimamente relacionada com o processo de desregulamentação, o qual é resultado da diminuição do “número de normas laborais imperativas” (PALMA RAMALHO, 2005, p. 69), bem como do aumento do “espaço de liberdade dos entes

laborais, quer no âmbito da negociação coletiva quer no domínio dos contratos” (PALMA

RAMALHO, 2005, p. 69). Isto vem ocorrendo de várias formas, por um lado, o próprio legislador suprime normas imperativas e remete a regulação de aspetos da relação laboral para o contrato de trabalho e respetiva autonomia das partes. Por outro, adotando o mesmo comportamento remete para a regulação coletiva de trabalho, permitindo o afastamento de regras legais em sede de negociação coletiva. Por fim, através da alteração das regras especiais de interpretação, de modo a garantir a sua maior amplitude interpretativa. Estas modalidades de desregulamentação têm sido utilizadas em conjunto com o escopo de flexibilizar as relações laborais, e assim, as empresas poderem competir numa economia cada vez mais integrada e globalizada, evitando alguns dos custos inerentes à proteção do emprego. Igualmente, estes encargos que se pretendem reduzir, têm uma influência significativa nas políticas de contratação e de criação de emprego, correspondendo a um custo demasiado oneroso, tanto para as microempresas como para as pequenas e médias empresas. Na última década o mercado europeu tem tomado em consideração o problema da desregulamentação marginal, que mantinha grande parte das exigentes regras aplicáveis aos contratos clássicos, o que favoreceu no final do século e início do corrente a segmentação dos mercados de trabalho e influenciou negativamente a produtividade.

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