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O LÚDICO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

5.3 A LUDICIDADE, EXPERIÊNCIA PLENA DO SER HUMANO

Viver é afinar um instrumento de dentro para fora de fora para dentro. (Walter Franco10)

O quadro exposto até aqui sugere a necessidade de uma ampliação das práticas lúdicas no cotidiano tanto dos professores, quanto dos estudantes, em qualquer fase da vida. Desse modo, convém ressaltar a ludicidade enquanto importante veículo do desenvolvimento humano, considerando a possibilidade de uma formação mais integrada e menos fragmentada. No capítulo anterior, foram discutidas questões referentes à sociedade contemporânea e às conseqüências da vida moderna sofridas pelos sujeitos no contexto social. Buscando dar continuidade e ampliar as possibilidades de atuação frente a essa problemática, pretendo refletir nas próximas passagens desse texto sobre a importância da ludicidade para o desenvolvimento humano, em contraposição a um contexto em que o estresse, a falta de tempo e a individualidade estão cada vez mais intensos. Nesse sentido, reflito: Qual a contribuição do lúdico para o desenvolvimento do bem-estar do ser humano? Em que medida as atividades lúdicas podem contribuir para que o sujeito, mesmo na fase adulta, construa em si mesmo uma atitude mais pacífica, solidária e humanizada?

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Walter Franco é cantor e compositor; gravou a música Serra do luar, em 1978, no álbum Respire fundo, pela CBS.

Assim, para iniciar esta reflexão, Pearce (2002) destaca duas faculdades importantes no desenvolvimento do ser humano: a inteligência e o intelecto. A primeira é responsável pela busca do bem-estar e da continuidade da espécie, enquanto a segunda é a característica humana da luta pelo novo e pela possibilidade de mudança. O intelecto está voltado para a resolução de problemas e para a busca permanente de resolução de novos desafios encontrados, sendo, geralmente, comparado ao lado “masculino” do ser humano, voltado para a tecnologia, a ciência, a criatividade, a novidade e a invenção, enquanto que a inteligência compara-se com o lado “feminino” voltado para a intuição, o equilíbrio, o mistério da vida, a sabedoria e o bem-estar da humanidade.

As duas faculdades são importantes para a luta evolucionária do ser humano, principalmente quando estas são desenvolvidas paralelamente, conforme afirma Pearce: “a descoberta criativa, como a vida criativa, surge da união entre a paixão intelectual e a insondável matriz da inteligência” (PEARCE, 2002 p.18). O autor destaca a importância da união entre estas duas estruturas na busca de uma complementaridade e integralidade do ser humano, visto que é importante considerar que, no convívio social, “cada um de nós, homem ou mulher, personifica tanto o intelecto quanto a inteligência, sendo que a natureza complementar dessas duas polaridades é a tensão criativa entre a mente e o coração, a própria centelha divina” (PEARCE, 2002, p.19). Seguindo este raciocínio, o autor afirma que o conhecimento fragmentado construído pelo ser humano geralmente está ligado à valorização do intelecto em detrimento da inteligência.

Tal fragmentação é prejudicial tanto para a saúde e o equilíbrio do sujeito, como também para a construção de uma sociedade mais humana e solidária. Nesse sentido, ressalta-se a importância da complementaridade das faculdades humanas, de modo a estimular a interação consigo mesmo e com o mundo de forma mais saudável. Em consonância com estas idéias, embora em contexto distinto, Duarte Jr. afirma a importância da valorização das outras dimensões humanas, além do intelecto:

Hipertrofiando a razão gera-se, dialeticamente, um profundo irracionalismo, na medida em que valores e emoções não possuem canais para serem expressos e se desenvolverem. Assim, a dança, a festa, a arte, o ritual são afastados de nosso cotidiano, que vai sendo preenchido apenas com o trabalho utilitário, não criativo, alienante. A forma de expressão das emoções torna-se a violência, o ódio, a ira - somente a violência pode fazer vibrar nossos nervos, enrijecidos pelo trabalho sem sentido. O indivíduo isolado torna-se o valor supremo e cada qual deve lutar contra os outros, em favor de seu progresso e de suas propriedades. Dentro deste quadro surgem então inúmeras propostas, buscando reatar o homem aos seus valores básicos, espezinhados pelo industrialismo. Existem propostas que procuram, de uma ou de outra forma, iluminar a vida criativa, a imaginação, a beleza. (DUARTE-JR, 1986, p.64).

Este tipo de arte, ludicidade e de ações voltadas para a coletividade, apontado pelo autor, representa uma das possibilidades de ressignificação da integração das dimensões do ser humano: corporal, cognitiva, emocional e social. Tal posicionamento teórico é assumido pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Ludicidade (GEPEL)11, que considera que o lúdico se apresenta como uma experiência interna do ser humano e não somente como um comportamento externalizado de alegria e euforia.

A música de Walter Franco, e interpretada por Leila Pinheiro, ilustra de forma bastante pertinente o movimento da vida que se dá de forma interna e externa como um modo de afinação de um instrumento musical, ou seja, o aprimoramento da condição humana. Assim, compreende-se que viver é um constante aperfeiçoamento, tanto do que se refere à individualidade quanto à sociabilidade do sujeito. Da mesma forma, é importante sinalizar que a ludicidade se apresenta como das múltiplas oportunidades de aperfeiçoamento da vida humana, por isso pode-se afirmar que o lúdico é fundamental para a retomada de um processo de conscientização do sujeito sobre si mesmo e sobre as suas relações com o mundo.

Partindo dessa consideração inicial, o GEPEL compreende que a ludicidade se caracteriza pela inteireza em que o sujeito se encontra durante a realização de determinada atividade, que tanto pode ser uma brincadeira instituída, como também pode ser um momento de integração do sujeito consigo mesmo, como na

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O GEPEL é um grupo de pesquisa integrante da Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, que vem desenvolvendo significativos estudos na área de educação e ludicidade.

apreciação de uma música, dentre diversas outras possibilidades. Tal atividade não é, necessariamente, caracterizada como jogo, brinquedo ou brincadeira, como convencionalmente a ludicidade vem sendo definida. O posicionamento, aqui assumido, amplia a importância e o conceito de ludicidade, situando-a como um processo fundamental que precisa ser valorizado em diversas instâncias sociais: escola, família, associações de moradores, igreja, etc.

Dessa forma, uma atividade pode ser considerada lúdica quando o sujeito não está somente sentindo prazer na sua realização, mas quando se encontra inteiro, ou seja, quando sentimentos, pensamentos e ações estão agindo de forma integrada e não-fragmentada no momento presente da atividade desenvolvida. Ao participar de uma atividade lúdica, o sujeito torna-se presente, ativo e, ao mesmo tempo, receptível para as circunstâncias que ocorrerem durante a ação coletiva do brincar.

Assim, ao ouvir uma música que transmite uma sensação de prazer e bem- estar, de reflexão sobre a vida e que nos permite a construção de novos olhares em relação à realidade, pode-se considerar que tal ato se constituiu em uma experiência lúdica. Neste momento de contato com determinada obra de arte, não há espaço para problemas externos à atividade, nem para a preocupação com o resultado final, pois, neste instante, o que se torna mais importante é a participação na atividade desenvolvida com prazer e inteireza. Nesse sentido, é possível considerar que “a ação do jogador não é marcada pelo resultado final, pelo compromisso externo, apesar de haver um resultado final e um compromisso. A objetividade não é a marca do jogo”. (FREIRE, 2002, p. 118).

Entretanto, é necessário salientar que uma mesma brincadeira ou um jogo pode não ser lúdico para um participante e lúdico para o outro, pois o grau de envolvimento e de significação do brincar quem constrói é o próprio sujeito. Desse modo, o sujeito pode participar de um jogo, mas não envolver-se com ele, mesmo quando estiver mobilizando o seu corpo; neste caso, a atividade não tem uma representação lúdica para ele, pois a participação foi apenas externa. Numa linha próxima a essa compreensão, Ramos (2000, p. 50) menciona que a atividade lúdica apresenta seis características importantes no seu desenvolvimento. Tais

características ajudam-nos a compreender melhor o conceito de ludicidade trabalhado nesse texto:

 A liberdade de ação do jogador- refere-se à capacidade de escolha da atividade lúdica a ser vivenciada pelo participante, bem como a escolha de quando começa ou termina a brincadeira. Dessa forma, o caráter de imposição e obrigatoriedade do jogo torna-se contraditório com o sentido de ludicidade que se está trabalhando nesta pesquisa. Quando o sujeito sente-se livre, permite-se à abertura para as circunstâncias de determinada brincadeira.

 A flexibilidade- é a capacidade do ser humano reestruturar a atividade que estiver desenvolvendo, ou seja, as regras podem ser modificadas mediante o acordo prévio com o grupo participante da atividades lúdica. A flexibilidade, nesse caso, requer também um envolvimento do sujeito na atividade, pois para flexibilizar as regras do jogo, o sujeito tem que conhecê-las, refletir sobre elas e traçar possibilidades de alterações quando necessárias;

 A relevância do processo de brincar- não há uma preocupação com os produtos, resultados ou o alcance de objetivos previamente estabelecidos. O objetivo da atividade se encerra nela mesma, importando apenas o momento presente de plenitude. Não se brinca buscando a produtividade, pois a única função da brincadeira é a vivência do próprio processo lúdico. É o caminho percorrido na brincadeira que dá sentido à ação do sujeito. Assim, quando se brinca buscando o único propósito de atingir objetivos escolares definidos, o brincar se torna utilitário e não possibilita que o sujeito se envolva em seu processo;

 A incerteza dos resultados- refere-se à impossibilidade do sujeito saber, antecipadamente, o término da atividade e o que será produzido por meio desta, pois o que importa é a ação do presente; o seu final deve ser sempre imprevisível, com a possibilidade de (re)construção pelo próprio sujeito da atividade. Assim, o ganhar ou o perder em determinado jogo é uma conseqüência da própria ação do jogador e não um condicionante já definido. Quando se joga já sabendo do resultado, o sujeito dispersa a sua atenção do jogo, deixando de ser lúdico;

 Controle interno- A ação de brincar é guiada pelo envolvimento na atividade, desse modo, quem controla a ação são sujeitos que participam da atividade e não o educador que estiver trabalhando com a turma. Geralmente, o domínio coletivo das circunstâncias do jogo é definido coletivamente, possibilitando ao grupo pensar, sentir e agir de forma conjunta;

 Intencionalidade daquele que brinca- para brincar, todos os envolvidos devem estar com a intenção de brincar naquele momento; a atividade lúdica não deve ser imposta, e sim trabalhada em forma de acordos coletivos. Esta pode ser considerada a característica principal que distingue se o brincar é lúdico ou não.

Da mesma forma, Huizinga (1999) faz um inventário das características do lúdico, mais especificamente do jogo, permitindo-nos perceber que as duas análises dialogam entre si e se completam. As características apontadas abaixo foram sintetizadas pelo autor João Freire (2002, p. 47-48), em estudo sobre a obra de Huizinga referente ao jogo:

Forma de manipulação da realidade; Voluntariedade;

Absorve inteiramente o jogador;

Acontece num campo delimitado e imaginário; Organizado a partir de regras;

Seu ritmo e harmonia são extremamente cativantes; Gera tensão, incerteza, acaso, imprevisibilidade; Promoção de liberdade;

Não é vida corrente nem vida real; Gera alegria;

Fixa-se como fenômeno cultural; Possibilita reflexão;

Cria ordem;

Apresenta valores éticos e sagrados; Propicia um ambiente instável;

Tem regras construídas;

Aglutina pessoas mesmo após seu término; É limitado no espaço e no tempo;

Frivolidade e êxtase como pólos limitadores;

Considerando tais características da ludicidade, observa-se que o sentido do lúdico destinado pela escola é bastante restrito, conforme destaca Gilles Brougère:

Esse interesse educativo só pode estar presente se as características do jogo forem mantidas. [...] Este é o paradoxo do jogo, espaço de aprendizagem cultural fabuloso e incerto, às vezes aberto, mas também fechado em outras situações: sua indeterminação é seu interesse e, ao mesmo tempo, seu limite (BROUGÈRE, apud FREIRE, 2002, p. 81).

Verifica-se, muitas vezes, que determinadas atividades lúdicas que são praticadas em instituições educativas estão voltadas para atingir algum objetivo didático instituído, desconsiderando as características próprias do lúdico. Tal posicionamento tende a equiparar a ação de brincar ao trabalho e não ao lúdico. Nesse caso, o lúdico perde a sua principal característica que é a liberdade de participação. Em relação a este aspecto, Heloísa Dantas (1998) traz uma importante reflexão sobre as representações de educadores sobre o brincar:

O termo ‘lúdico’ abrange os dois: a atividade individual e livre e a coletiva e regrada. O que chama a atenção, quando pedimos a profissionais de educação infantil sinônimos para ele, é a tendência a oferecer ‘prazeroso’ e nunca ‘livre’. ‘Ludicamente’, é visto como prazerosamente, alegremente e nunca livremente. Isto, que considero uma distorção de conseqüências infelizes, consiste em perceber o efeito e não a sua causa: o prazer é o resultado do caráter livre, gratuito, e pode associar-se a qualquer atividade; inversamente, a imposição pode retirar o prazer também a qualquer uma. Parece impossível definir substancialmente o que é brincar: a natureza do compromisso com que é realizada transforma-a sutilmente em trabalho. (DANTAS, 1998, p. 111).

Dessa forma, a autora sinaliza a necessidade da educação pelo jogo, na busca de enfrentamento dos preconceitos acerca do lúdico, construídos historicamente no contexto social. Sem este enfrentamento, as práticas lúdicas correm o risco de perder as suas características, transformando-se em atividades utilitárias e autoritárias. A prática desses preconceitos pode ocorrer mediante

atitudes ingênuas do educador, ao acreditar que toda atividade lúdica é prazerosa para todos de forma indiferenciada, sem considerar aspectos como idade, gênero, contrastes sociais, dentre outros, passando a impor a ação de determinado jogo para o educando.

A autora menciona as possibilidades do trabalho e do lúdico se relacionarem dialeticamente, resgatando a liberdade do jogo e o prazer do trabalho, que ainda estão tão distantes do cotidiano: “o trabalho, entendido como qualquer ação instrumental subordinada a um fim externo e a um produto, corresponde, portanto, àquela para onde tende a atividade lúdica. O jogo tende ao trabalho como a criança tende ao adulto”. (DANTAS, 1998, p. 114). Compactuando com tais idéias, João Freire (2002) afirma que é possível reconhecer que um sujeito está brincando quando este está livre de privações, gastando “energia sem finalidade aparente. O jogador, entregando-se ao jogo, escapa à realidade e aos seus compromissos imediatos, rompe com o tempo cronometrado”. (FREIRE, 2002, p. 28).

Dessa forma, o trabalho (enquanto ação produtora e criativa) e o lúdico podem estar relacionados harmonicamente tanto na vida da criança, como no cotidiano do adulto, ou seja, propor atividades onde se conjugue produção e liberdade pode apontar caminhos interessantes de aprendizagem. No entanto, verifica-se no contexto social do trabalho a inversão desta inter-relação entre o lúdico e o trabalho, pois o lúdico tem perdido o seu caráter livre, tornando-se utilitário12 e o trabalho tem sido considerado como algo obrigatório, alienado e movido por privações. Nesse sentido,

estabelece-se aí uma relação conflituosa entre o mundo subjetivo, que incita ao jogo, e o mundo objetivo, que incita ao trabalho, à tarefa, às coisas sérias, conflito esse que deve permanecer por toda a vida, nitidamente tendendo para o primeiro na infância e para o segundo na vida madura, pelo menos nas atuais circunstâncias sociais. (FREIRE, 2002, p. 62).

Partindo desse ponto de vista, pode-se analisar as circunstâncias de vida dos adultos que, em geral, passam a maior parte do tempo no ambiente do trabalho e muito pouco é reservado para as atividades livres, criativas e lúdicas. No

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O lúdico torna-se utilitário quando é utilizado para transmitir determinado conteúdo, perdendo as características de liberdade, flexibilidade e prazer.

caso da EJA, o cansaço é um dos elementos mais destacados pelos próprios estudantes, por conta da grande demanda de trabalho braçal. Sob esse aspecto, confirma-se a necessidade de possibilitar o lúdico na EJA, como oportunidade de liberação de emoções e do cansaço corporal e mental, visto que:

Assim como o homem necessita de repouso para o corpo para restabelecer-se, pois, sendo limitadas suas forças físicas não pode trabalhar continuamente- assim também necessita de repouso para a alma: o que se faz pelo jogar (LAUAND, 1998, p. 2).

Entretanto, ao se considerar as características da atividade lúdica, apontadas anteriormente, torna-se necessário pontuar que estas precisam ser aplicadas de forma bastante cuidadosa no âmbito da alfabetização de jovens e adultos, no sentido de respeitar as individualidades presentes na turma, da intencionalidade e da liberdade de escolha da atividade, já que, de modo geral, os adultos não estão habituados a participarem de vivências que envolvam o corpo, a imaginação e a criatividade. Por esta razão, propor uma vivência lúdica, com atividades mais leves que não exijam muito esforço e movimento; como o trabalho com música, poesias, jogo com palavras ou poemas, por exemplo, apresentam melhores resultados em relação à abertura do participante adulto para a atividade.

Aos poucos, o educador pode vir a perceber as possibilidades de oferecer atividades com graus cada vez mais complexos e interativos. Assim, o processo de inserção da atividade lúdica na EJA ocorre de forma gradual e progressiva porque, em geral, os estudantes não estão acostumados à participação neste tipo de atividade e isto pode contribuir para uma grande resistência dos estudantes em relação à ludicidade.

Além disso, o envolvimento prazeroso vivenciado por esses estudantes está muito voltado para um prazer externalizado, como, por exemplo, a recepção passiva dos programas humorísticos veiculados pela televisão. Este tipo de entretenimento apresenta-se como estruturas externas do sujeito, ou seja, é algo que é lançado de fora para dentro, já que o sujeito se apresenta de forma passiva e receptiva. Não há liberdade de escolha e a flexibilidade na ação lúdica e, sim, uma alegria externa, previsível e programada. Já a ludicidade se relaciona ao campo do fazer, sentir e pensar humano de uma forma plena. E esta inteireza possibilita ao

ser humano reatar o contato prazeroso e interno consigo mesmo, sem o compromisso de cumprir demandas externas e impostas. O lúdico não está vinculado somente à presença em jogos e brincadeiras, mas também à

atitude do sujeito envolvido na ação, que se refere a um prazer de celebração em função do envolvimento genuíno com a atividade, a sensação de plenitude que acompanha as coisas significativas e verdadeiras. (RAMOS, 2000, p.52).

É interessante notar que tal participação só é possível quando os sujeitos encontram-se plenos na atividade desenvolvida, com envolvimento e presença integral, para absorver o seu real valor da atividade que se destina realizar, de forma que “este envolvimento faz com que a ludicidade permeie qualquer atividade humana, quer sejam jogos, brincadeiras, ou o ‘fazer cotidiano’ que não se constituem como brincares e, até mesmo, o campo do trabalho”. (idem, p.52).

Em um contexto social voltado para a industrialização e a produtividade em detrimento da afetividade e coletividade, onde o estresse e a falta de contemplação da vida são elementos preponderantes, o lúdico torna-se cada vez mais afastado do dia-a-dia das pessoas. Considerando que a ludicidade integra o ser humano em suas múltiplas dimensões, contribuindo para o seu desenvolvimento pleno, compreende-se a sua importância no processo de humanização do sujeito. Desse modo, reforça-se a necessidade de incentivar as práticas lúdicas tanto nas escolas, como em outros locais de convivência coletiva. No que se refere aos espaços que agregam sujeitos analfabetos, excluídos social e economicamente, a importância da prática lúdica torna-se ainda mais presente.

No capítulo anterior, evidenciou-se a questão da baixa que não construíram habilidades de leitura e escrita e que foram excluídos dos meios sociais letrados. Tratando especificamente sobre a auto-estima dos sujeitos em questão, é possível concluir que o lúdico traz como contribuição para a EJA a possibilidade de fomentar expressões e situações de convivência social, onde o sujeito se sente inserido e acolhido, permitindo-lhe refletir sobre si mesmo e sobre a importância da participação em um grupo social para a sua aprendizagem, tanto da palavra escrita, quanto da leitura do mundo social. Tal aspecto se constata na reflexão realizada por uma estudante da EJA:

“Aqui, eu me sinto fortalecida, porque estou no meio de amigos e acho que assim eu aprendo mais. Se eu errar, não tem problema, eu vejo que ninguém vai me criticar, porque tudo é um jogo, uma brincadeira. E na brincadeira, podemos ganhar ou perder. E o melhor de tudo é que, no final, a gente percebe que a gente estava se divertindo e aprendendo ao mesmo tempo” (Dona Janilde Brito Menezes, 60 anos, estudante da EJA).

Esta fala confirma que a ludicidade permite ao sujeito uma maior abertura para o que ainda desconhece, pois o estudante passa a se sentir acolhido e pertencente ao grupo. Este é um fator importante quando se considera a exclusão social em que estes adultos viveram durante toda a vida. Tal abertura do sujeito, durante a participação na atividade lúdica, é percebida quando este se possibilita ao risco do “podemos ganhar ou perder”, que são as duas condições encontradas na participação em determinadas atividades lúdicas. Portanto, é importante