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2 COSTURANDO REFLEXÕES SOBRE A ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

2.4 A RELAÇÃO ENTRE A ALFABETIZAÇÃO E O LETRAMENTO

Partindo da discussão sobre as formas de leitura realizadas pelos sujeitos no contexto social com diferentes objetivos, percebe-se que o letramento tem uma ênfase mais ampliada do que a alfabetização, apesar destes dois processos se relacionarem. Inserido num processo de letramento, o sujeito promove a compreensão do que lê, consegue resolver problemas e situações por meio da escrita e torna possível o conhecimento e a expressão de idéias e pensamentos por meio do código escrito. Na verdade, a escrita é um processo mecânico, que foi criado pelo ser humano para registrar os acontecimentos, possibilitar uma maior comunicação com outros sujeitos sociais e efetuar uma série de demandas sociais proporcionadas pela escrita. Por esta razão, Emília Ferreiro (1995) afirmou que

A escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade. Como objeto cultural, a escrita cumpre diversas funções sociais e tem meios concretos de existência (especialmente nas concentrações urbanas). (...). É evidente que, por si só, a presença isolada do objeto e das ações sociais pertinentes não permitem conhecimento, mas ambas exercem uma influência, criando as condições dentro das quais isto é possível. (FERREIRO, 1995, p.43).

Assim, sem a utilização social, a escrita perde seu sentido. No entanto, a escola ainda concebe a escrita como uma característica inata do ser humano, sem considerá-la como produto cultural construído e modificado de acordo com as necessidades e circunstâncias de cada região ou país. A escrita é uma convenção social e isto precisa ser explicitado na escola, ou seja, o ser humano não nasce

com uma estrutura de desenvolvimento da escrita de forma voluntária. Ele aprende a ler e a escrever no convívio das relações sociais letradas.

Neste sentido, percebe-se a necessidade de esclarecimento para o estudante analfabeto sobre a função social da leitura e da escrita. Ou melhor, torna-se imprescindível que a escola dê o tratamento ao código gráfico com base nas demandas sociais as quais está inserido. Compreende-se que este é um processo complexo e que demanda a mudança da cultura escolar, inclusive, uma revisão permanente da constituição do currículo. Porém há a urgência de que o processo de alfabetização vá se consolidando, ao mesmo tempo em que a escola dê condições para que o sujeito vá se tornando letrado, progressivamente, pois “o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo alfabetizado e letrado”. (SOARES, 2004, p.47).

Não basta simplesmente alfabetizar os estudantes, é necessária a construção de um processo de letramento, desde o momento em que o sujeito está estruturando a compreensão de como se dá o sistema escrito. Na realidade escolar, encontra-se, a todo instante, sujeitos que dominam o sistema escrito, de forma mecânica, mas que não conseguem compreender o que leram, pois aprenderam apenas a decodificação da escrita de forma descontextualizada.

Os instrumentos de avaliação, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica(SAEB) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que verificam a aprendizagem dos alunos nos ensinos fundamental e médio, apontam altos índices de estudantes que sabem ler e escrever, mas não conseguem compreender o que leram. Os índices mostram que muitos estudantes terminam o ensino médio, mas não incorporam a prática da leitura e da escrita no seu cotidiano, atribuindo o aspecto simplesmente mecânico ao sistema escrito.

Assim, estes estudantes não adquirem competências para se envolverem com as práticas sociais de escrita, ou seja, não lêem livros, jornais, revistas, não conseguem redigir uma declaração ou uma carta, não se sentem aptos para preencherem um formulário, não conseguem analisar um contrato de trabalho ou

de venda, dentre tantas outras tarefas que necessitam da leitura e da escrita para a sua realização.

Ao chegarem ao mercado de trabalho, esses jovens trabalhadores se ressentem da falta de preparo necessário para exercer bem uma profissão, o que está refletido nos baixos resultados obtidos nos exames a que são submetidos. [...] São jovens que estão tentando se aprimorar, mas que encontram enorme dificuldade para interpretar e compreender o que se pede e para escrever ofícios, cartas simples ou relatórios. Eles estão impossibilitados de detectar o que está faltando em seus desempenhos e se sentem injustiçados- com razão, mas sem perceberem o porquê -, pois passaram pela escola, esforçaram-se e estudaram para atender as exigências de seus professores. (SERRA, 2004, p. 74).

Dentro deste contexto social anunciado, o Letramento se constitui como uma relação de valorização do uso da língua escrita, atribuindo-a um significado e utilização social. A pessoa letrada se comunica e se relaciona por meio da escrita, e esta adquire um valor nas suas relações com o outro e com a sociedade como um todo. Esta é uma relação lingüístico-social e não puramente lingüística, pois as informações são expressas por meio da linguagem escrita, implicando um uso social explícito. Neste sentido, analisa-se a alfabetização e o letramento como processos que se complementam, pois para o sujeito tornar-se letrado, é necessário que ele compreenda como se dá a relação artificial entre o que se fala e como se escreve.

Neste aspecto, pondera-se que o processo de letramento abrange a alfabetização, mas amplia a relação com a linguagem escrita, considerando-a como algo vivo que está no bojo das interações humanas e se modifica de acordo com as condições estabelecidas. Assim,

O aprendizado da leitura e da escrita tem que orientar-se sempre para o que seja ler e escrever e nenhum processo ou método de alfabetização será eficaz se retirar de perspectiva o valor da escrita e da leitura na prática social contemporânea. (FRANCHI, 1997, p. 140).

Por outro lado, é necessário compreender que as condições políticas, econômicas e culturais interferem na relação com a língua escrita, ao mesmo tempo em que a escrita interfere nessas condições. A escrita cria relações e é

criada no centro destas. Ela está inserida em um conjunto dialético de construção das relações sociais, conforme indica Ezequiel Silva (1998):

A leitura é uma prática social e, por isso mesmo, condicionada historicamente pelos modos da organização e da produção da existência, pelos valores preponderantes e pelas dinâmicas da cultura. (SILVA, 1998, p.21).

Enfim, a leitura, inserida no processo de analfabetismo x letramento, se apresenta como um dos aspectos do panorama de determinações sociais e econômicas e é influenciada por valores e ideologias. A leitura está vinculada aos instrumentos simbólicos, através dos quais, a população se utiliza para pensar, se comunicar e agir no seu contexto.

2.5 RELAÇÕES SOCIAIS DO SUJEITO POR MEIO DA PRÁTICA DO