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A MÍDIA E SUAS COMPLEXIDADES EM UMA PERSPECTIVA DE

2 UM OLHAR ANTROPOLÓGICO E FEMINISTA SOBRE

2.3 A MÍDIA E SUAS COMPLEXIDADES EM UMA PERSPECTIVA DE

GÊNERO

Na atualidade, as concepções do efêmero, do rápido e do passageiro fazem com que as imagens ganhem vida própria. Para Borges & Rodrigues, “a imagem sempre foi motivo de fascínio e encantamento, uma vez que tem o poder de permanecer diante dos olhos e da memória” (2000, p. 117).

A mídia, segundo Scott (1995), é uma dimensão organizacional, pois traduz o mundo simbólico em normas e valores, mobilizando o desejo do telespectador para certos modos de pensamento, comportamento e modelos que servem para a construção ou desconstrução dos valores tradicionais e dominantes. É uma instituição social que funciona como um espelho, refletindo os conceitos e as idéias que estão inseridas no cotidiano social, produzindo discursos que fazem parte do imaginário coletivo, permeando e invadindo as nossas vidas, na medida em que existe um transbordamento do mundo midiático, deixando transparecer uma nova forma de percepção e interpretação da realidade.

Desse modo, a produção dos comerciais é alimentada por essas imagens que circulam na sociedade contemporânea. Essas imagens se fixam em nossa mente, através da divulgação exaustiva de determinados modelos que têm o intuito de seduzir o telespectador levando-o a se identificar com certas opiniões, atitudes, sentimentos e disposições. Acredito que as propagandas que utilizam o corpo feminino tenham uma boa receptividade do público e um bom rendimento para os

seus anunciantes, pois, a cada dia, elas ganham um maior investimento financeiro, sempre, é claro, tendo o mesmo enfoque: a sedução e a sensualidade.

Nesta pesquisa, a televisão foi escolhida por ser um meio de comunicação bastante presente na vida das pessoas, logo, o alcance das representações que ela veicula é mais abrangente do que o de outras mídias, vez que oferece uma maior cobertura, tanto no âmbito geográfico como populacional, e uma maior penetração em todas as faixas etárias, sexos e classes sociais. A mídia televisiva é entendida como um veículo de comunicação para as massas, pois devido ao seu grande impacto, por reunir imagem, cor, som e movimento, alcança um público diversificado e heterogêneo.

De acordo com Connor (1996), reconhecendo o jogo e o valor dos significados visuais, a modalidade dominante das propagandas de televisão é a repetição. É através dela que se transmite uma vasta gama de notícias, programas e propagandas/comerciais que têm, no seu discurso, valores, significados e ideologias que, em geral, trazem uma concepção sexista e racista (ARAÚJO, 2000; BELELI, 2007; BISOL, 2005).

É válido ressaltar que a legislação que regula o sistema brasileiro de difusão dos meios de comunicação está desatualizada; ao mesmo tempo, constata- se a ausência de um código de conduta. No que diz respeito à regulamentação dos meios de comunicação de massa, como é o caso da televisão, a Constituição Federal de 1988 dedica todo um capítulo à comunicação social, prevendo, inclusive, a criação de um Conselho de Comunicação Social. Um levantamento realizado no ano de 1998, pelo Conselho dos Direitos da Pessoa Humana, ligado ao Ministério da Justiça, revela que, entre estatutos, códigos, leis e decretos, há no país onze mecanismos de defesa contra TVs que exploram situações degradantes, violentas, racistas e outras formas de discriminação. Como exemplo, a Lei nº 7.716 − Lei Afonso Arinos −, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes de preconceito de raça e cor, reserva o Artigo 20 à discriminação feita pela mídia (BRASIL, 1989). Não há, contudo, registro de qualquer tipo de mecanismo, regulamentação ou auto- regulamentação enfocando a imagem de mulheres e meninas nos meios de comunicação.

O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR), organização não governamental (ONG) criada, há quase duas décadas, que tem o encargo de regular as propagandas, tem sido ausente nos diálogos e denúncias

sobre a imagem da mulher na publicidade. Ele atende às denúncias de consumidores, autoridades, dos seus associados ou da própria diretoria. O Conselho de Ética do CONAR, órgão soberano na fiscalização, julgamento e liberação, no que se relaciona à obediência e cumprimento do disposto no Código, dentro dos seus preceitos básicos, traz:

Os preceitos básicos que definem a ética publicitária são:

- todo anúncio deve ser honesto e verdadeiro e respeitar as leis do país,

- deve ser preparado com o devido senso de responsabilidade social, evitando acentuar diferenciações sociais,

- deve ter presente a responsabilidade da cadeia de produção junto ao consumidor,

- deve respeitar o princípio da leal concorrência e

- deve respeitar a atividade publicitária e não desmerecer a confiança do público nos serviços que a publicidade presta.

No Código Brasileiro de Auto-Regulamentação, Capítulo II, Princípios Gerais, diz o seguinte:

SEÇÃO 1 - Respeitabilidade

Artigo 19

Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar.

Artigo 20

Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade. [...]

SEÇÃO 2 - Decência

Artigo 22

Os anúncios não devem conter afirmações ou apresentações visuais ou auditivas que ofendam os padrões de decência que prevaleçam entre aqueles que a publicidade poderá atingir.

Concordo que a grande mídia trabalha com visões sociais e culturais hegemônicas, porém, existem espaços para a comunicação contra-hegemônica e para disputas nos veículos, criadas a partir do que Jurema Werneck3 chamou de

3 Médica e Coordenadora da ONG Criola, uma instituição da sociedade civil sem fins lucrativos,

fundada em 2 de setembro de 1992, que é conduzida por mulheres negras de diferentes formações, voltada para o trabalho com mulheres, adolescentes e meninas negras basicamente no Rio de Janeiro (http://www.criola.org.br/). A discussão foi desenvolvida por Werneck no Encontro “A Mulher e a Mídia 4”, promovido pelo Instituto Patrícia Galvão, em setembro de 2007, do qual participou.

"áreas de instabilidade". Segunda ela, uma dessas áreas seria a pressão das diferenças. Quando essa pressão existe, o discurso hegemônico se desestabiliza. Isso aconteceu e acontece com o próprio feminismo e com o combate ao racismo. Outra área de instabilidade é criada pelas mudanças tecnológicas e pela apropriação dos meios por uma parcela mais pobre da população. "Daí também vêm caminhos de entrada de outras visões na mídia", acredita a militante do movimento negro.

A bibliografia brasileira que discute mídia produzida pelas Ciências Sociais, independentemente da abordagem utilizada, está voltada para a premissa da qual compartilho, de que a propaganda é um meio divulgador da cultura. Ou seja, de forma dialética, a cultura contemporânea da mídia cria formas de dominação ideológica que ajudam a reiterar as relações vigentes de poder e, simultaneamente, fornecem suporte para a construção e o fortalecimento de resistência e luta. Entender o porquê da popularidade e da repetição de certas “fórmulas” utilizadas nas propagandas pode elucidar o meio social em que elas nascem e circulam.

As representações midiáticas, à proporção que associam comportamentos, valores, atitudes a um ou a outro gênero, ajudam a formular o que reconhecemos como feminilidade e masculinidade. Para Mercedes Lima, da “Articulação Mulher e Mídia”4, também presente no encontro “A Mulher e a Mídia 4”5, a televisão não cria o preconceito, ele está na sociedade; a televisão reforça os preconceitos. Segundo Bourdieu, “a televisão é um formidável instrumento de manutenção da ordem simbólica” (1997, p. 20). Logo, é interessante perceber quais são as repercussões sociais e políticas e como se configuram as relações de poder entre os gêneros, na contemporaneidade.

No próximo capítulo, serão discutidos os aspectos metodológicos que foram utilizados na elaboração da análise do estudo.

4 A “Articulação Mulher e Mídia” reúne entidades do movimento de mulheres de todo o estado de

São Paulo.

5 Realizado pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), Instituto Patrícia Galvão e

Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) no Rio de Janeiro, nos dias 22 e 23 de setembro de 2007