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Corpos em evidência: imagens de mulheres nas propagandas de cerveja

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

NÚCLEO DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES SOBRE A MULHER PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS INTERDISCIPLINARES

SOBRE MULHERES, GÊNERO E FEMINISMO.

SABRINA UZÊDA DA CRUZ

CORPOS EM EVIDÊNCIA:

IMAGENS DE MULHERES NAS PROPAGANDAS DE CERVEJA

SALVADOR 2008

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SABRINA UZÊDA DA CRUZ

CORPOS EM EVIDÊNCIA:

IMAGENS DE MULHERES NAS PROPAGANDAS DE CERVEJA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia − Área de concentração: Mulheres, Gênero e Feminismo − Linha de Pesquisa: Gênero, Identidade e Cultura − como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestra em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo.

Orientadora: Cecília Maria Bacellar Sardenberg

SALVADOR 2008

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Revisão e Formatação: Vanda Bastos

_______________________________________________________________________________

Cruz, Sabrina Uzêda

C957 Corpos em evidência: imagens de mulheres nas propagandas de cerveja / Sabrina Uzêda da Cruz. – Salvador, 2008.

142 f.

Orientadora: Profa. Dra. Cecília Maria Bacellar Sardenberg

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2008.

1. Relações homem-mulher. 2. Corpo. 3. Mídia (publicidade). 4. Cultura. 5. Imagem corporal em mulheres. I. Sardenberg, Cecília Maria Bacellar. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

CDD – 305.42

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TERMO DE APROVAÇÃO

SABRINA UZÊDA DA CRUZ

CORPOS EM EVIDÊNCIA:

IMAGENS DE MULHERES NAS PROPAGANDAS DE CERVEJA

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de mestra em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo do Programa de Pós-graduação do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia – UFBA. Área de concentração: Mulheres, Gênero e Feminismo − Linha de Pesquisa: Gênero, Identidade e Cultura.

Cecília Maria Bacellar Sardenberg, Orientadora

Doutora em Antropologia, Boston University Professora da Universidade Federal da Bahia

Leonor Graciella Nathanson

Doutora em Comunicação e Cultura, Universidade Federal da Bahia Professora da Universidade Federal da Bahia

Martha Maria Leone

Doutora em Educação, Universidade Federal da Bahia Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana

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“Mesmo com toda fama, com toda Brahma, com toda cama, com toda lama, a gente vai levando essa chama...”

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A minha mãe, meu pai, minha irmã e irmãos,

a minha sobrinha e meus três sobrinhos, por contribuírem cada um de sua forma, cada um do seu jeito, para a concretização desse trabalho.

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AGRADECIMENTOS

A minha mãe, meu pai, minha irmã e irmãos, a minha sobrinha e meus três

sobrinhos, por serem o meu “porto seguro”, nos momentos de angústia e desilusão com o mundo, nos momentos de cansaço e opressão.

Obrigada por estarem ao meu lado, dando opiniões, sugestões e críticas, e,

principalmente, doando afeto, atenção e amor, sentimentos esses tão necessários, porém, cada dia mais escassos e inconstantes nesse mundo de “amor líquido”. Amo vocês!

Agradeço, imensamente, a minha orientadora e amiga Cecília Sardenberg que, com sua sabedoria e alegria, construiu junto comigo este trabalho.

Agradeço também à co-orientação da Professora Ivia Alves pelas suas contribuições sobre o mundo contemporâneo.

À professora Graciella Nathanson, pela disponibilidade e simpatia.

O meu muito obrigado a Helena, Ana Regina e Darlane, minhas amigas e colegas do mestrado que contribuíram com sugestões para o aprimoramento deste trabalho. Valeu!

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RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo o estudo sobre a violência simbólica de gênero. A investigação está voltada para a análise das imagens e representações sobre as mulheres veiculadas pela mídia televisiva, particularmente no que se refere aos usos do corpo feminino nas propagandas de cerveja. Por violência simbólica de gênero, entende-se aqui “[...] toda e qualquer forma de ameaça e ou constrangimento físico ou moral, que tenha por base a organização social dos sexos, e que impetrado contra determinados indivíduos, explicita ou implicitamente, devido a sua condição de sexo ou orientação sexual” (SARDENBERG, 1998, p. 1). A violência simbólica de gênero diz respeito aos constrangimentos morais impostos por representações sociais de gênero, ou seja, no que tange à construção do masculino e feminino. A mulher − e, por extensão, o seu corpo, assim fragmentados − está presente nas propagandas para ser “consumida” tal qual a cerveja. Vistas através de um olhar antropológico feminista, grande parte das práticas discursivas veiculadas pela mídia reiteram valores dominantes e tradicionais sobre as mulheres, constituindo uma forma de violência simbólica de gênero dentro da sociedade contemporânea.

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ABSTRACT

This study has as its objective, the symbolic gender violence. The investigation is turned to the analysis of the images and representations on the women shown by the TV media, particularly on what comes to the usage of the female body on the beer commercials. As symbolic gender violence here, we take “[…] All and every way that threats and or constrains physically or morally, having as its basis the social sexes organization, and that brought against certain individuals, implicit or explicitly, due to his/her sex condition or sexual orientation” (SARDENBERG, 1998, p.01). The symbolic gender violence is about those moral constraints imposed by social gender representations, so, on what comes to masculine and feminine. The women (and by extension, her body − like this, divided) is present on the commercials to be “consumed” and so is the beer. From a feminist-anthropologic view, I realize the dominant discourse praxis shown by the media, reiterate traditional and dominant values about women, constituting a way of symbolic gender violence within the contemporary society.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Identificação utilizada para os comerciais em análise ... 47

Quadro 2 Elementos utilizados para a classificação dos comerciais em análise ... 48

Quadro 3 Cenário das propagandas analisadas ... 49

Quadro 4 Aparência etária dos personagens das propagandas analisadas .... 53

Quadro 5 Presença de negros(as) nas propagandas analisadas ... 55

Quadro 6 Presença maior de mulheres ou homens nas propagandas analisadas ... 58

Quadro 7 Uso da diversão nas propagandas analisadas ... 61

Quadro 8 Uso da ironia nas propagandas analisadas ... 64

Quadro 9 Uso do politicamente correto nas propagandas analisadas ... 66

Quadro 10 Exibição do corpo feminino nas propagandas analisadas ... 76

Quadro 11 Uso da sedução/prazer nas propagandas analisadas ... 79

Quadro 12 Mulher aparece como sujeito de consumo x objeto de consumo nas propagandas analisadas ... 83

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LISTA DE SIGLAS

ABAP Associação Brasileira de Agências de Propagandas Abert Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão Abra Associação Brasileira de Radiodifusores

CLADEM Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher

CONAR Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária MPF Ministério Público Federal

NEIM Núcleo de Pesquisas Interdisciplinares sobre as Mulheres ONG Organização Não-Governamental

PNPM Plano Nacional de Políticas para as Mulheres

PPGNEIM Programa de Pós Graduação do Núcleo de Pesquisas Interdisciplinares sobre as mulheres

SBT Sistema Brasileiro de Televisão

SPM Secretaria de Políticas para as Mulheres TAC Termo de Ajustamento de Conduta UFBA Universidade Federal da Bahia

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

2 UM OLHAR ANTROPOLÓGICO E FEMINISTA SOBRE

A MÍDIA

... 18

2.1 AS RELAÇÕES DE GÊNERO E PODER ... 20

2.2 CULTURA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ... 27

2.3 A MÍDIA E SUAS COMPLEXIDADES EM UMA PERSPECTIVA DE GÊNERO ... 30

3 ENTRE PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES

... 34

3.1 A ETNOGRAFIA: UMA INTRODUÇÃO AO TEMA ... 35

3.2 E ASSIM SE FORMAM AS REPRESENTAÇÕES... ... 37

4 UMA ETNOGRAFIA DAS IMAGENS: A BUSCA DOS

SIGNIFICADOS

... 44 4.1 AS TAIS PROPAGANDAS... ... 46 4.2 ELEMENTOS DA OBJETIVIDADE ... 48 4.2.1 CENÁRIO ... 48 4.2.1.1 Bar ... 49 4.2.1.2 Praia ... 50 4.2.1.3 Festa ... 51 4.2.1.4 Outro ... 51

4.2.2 ASPECTO FÍSICO DOS PERSONAGENS ... 52

4.2.2.1 Aparência Etária ... 52

4.2.2.2 Presença de Negros(as) ... 54

4.2.2.3 Quantidade de Mulheres e Homens ... 58

4.3 ELEMENTOS DA SUBJETIVIDADE ... 60

4.3.1 USO DA DIVERSÃO/PRAZER ... 60

4.3.2 USO DA IRONIA ... 64

(13)

5 A MULHER FRAGMENTADA: SEU CORPO NA ATUALIDADE

69

5.1 O CORPO FEMININO EM EVIDÊNCIA ... 70

5.2 O CONTEXTO E O TEXTO: OS DISCURSOS MIDIÁTICOS NA CONTEMPORANEIDADE ... 75

5.3 EXIBIÇÃO DO CORPO FEMININO ... 75

5.4 SEDUÇÃO/PRAZER ... 79

5.5 MULHER OBJETO X SUJEITO MULHER ... 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS: UM OLHAR DENTRE TANTOS

OUTROS... ... 86

REFERÊNCIAS ... 96

APÊNDICES ... 101

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1

INTRODUÇÃO

Esta dissertação é resultado da concretização de uma antiga idealização tornada possível com a criação do Programa de Pós Graduação do Núcleo de Pesquisas Interdisciplinares sobre as Mulheres (PPGNEIM). Em toda a minha vida acadêmica, o meu interesse de estudo sempre esteve voltado para a discussão das relações de gênero e poder e para as desigualdades entre homens e mulheres, na sociedade contemporânea. Com a criação do PPGNEIM, pude avançar nessa discussão cujo produto é o estudo aqui apresentado.

Este estudo volta-se para a investigação e análise das imagens e representações sobre as mulheres veiculadas pela mídia televisiva, particularmente, no que se refere aos usos do corpo feminino nas propagandas de cerveja. Em um plano mais amplo, se insere na temática da violência simbólica de gênero.

Por violência simbólica de gênero, entende-se aqui

[...] toda e qualquer forma de ameaça e ou constrangimento físico ou moral, que tenha por base a organização social dos sexos, e que [seja] impetrado contra determinados indivíduos, explícita ou implicitamente, devido a sua condição de sexo ou orientação sexual (SARDENBERG, 1998, p. 1).

A violência simbólica de gênero diz respeito aos constrangimentos morais impostos por representações sociais de gênero, ou seja, a construção do masculino e feminino. Por força da ordem patriarcal que caracteriza a nossa sociedade, são, sobretudo, as mulheres (e os homossexuais) que se vêem mais comumente na situação de objetos/vítimas desse tipo de violência (SARDENBERG, 1998). São muitas as piadas, canções, comerciais, filmes, novelas, etc. que disseminam imagens degradantes e constrangedoras das mulheres, a exemplo de comerciais e anúncios que reforçam a imagem da “mulher objeto”.

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Os movimentos feministas, aliados a outros movimentos sociais e setores mais amplos da sociedade, vêm fazendo um trabalho de conscientização e crítica acerca dessa violência simbólica de gênero, particularmente, no que se refere à forma como o corpo feminino é abordado na mídia1. Leis estão sendo discutidas e formuladas para que se coíba a veiculação e a associação da mulher, mais precisamente, do corpo da mulher, com o consumo de cerveja.

Este estudo tem o propósito de contribuir para os debates em torno dessa questão, a partir da análise das propagandas de cerveja. No particular, o estudo pretende investigar e analisar, a partir de um olhar antropológico feminista, de que forma e em que medida as representações veiculadas nas propagandas de cerveja reiteram os valores dominantes, sexistas sobre as mulheres dentro da sociedade contemporânea. Esse questionamento perpassa a compreensão da razão pela qual essas representações sobre as mulheres continuam a encontrar ampla aceitação na sociedade brasileira e de que maneira se contrapõem aos novos papéis assumidos pelas mulheres na nossa sociedade.

Acredito que a construção de saberes produzidos sobre as mulheres é de fundamental importância para nós, mulheres e homens, no combate à subordinação e opressão das mulheres e às desigualdades de gênero. O desafio desta dissertação é inserir o debate sobre as formas de representação das mulheres na mídia, dando visibilidade à violência simbólica e propondo políticas públicas que desmontem as desigualdades de gênero.

A proposta desse tema para a dissertação de mestrado partiu do meu interesse em aprofundar o estudo preliminar sobre a temática das representações das mulheres na mídia, “A representação da corporalidade feminina no mercado cultural”.2 (CRUZ, 2002). Nesse estudo preliminar, foi feito um levantamento e a seleção das propagandas de cerveja exibidas na televisão, no ano de 2001, e produzido um vídeo com os comerciais que utilizavam o corpo feminino associado ao consumo de cerveja.

Além de analisar as representações sobre as mulheres nesses comerciais, interessava investigar qual o seu impacto no público televisivo. Dada à escassez de tempo e de recursos de que dispunha, foi impossível desenvolver um estudo mais aprofundado, de forma que foi utilizada apenas a técnica de grupo focal,

1 Mídia é entendida aqui como os meios (ou o conjunto dos meios) de comunicação: jornais,

revistas, televisão, rádio, cinema, etc

2 Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Gênero, Mulher e Desenvolvimento

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reunindo jovens universitários, de 18 a 28 anos, para assistirem e, posteriormente, discutirem suas reações e percepções sobre as representações acerca das mulheres nessas propagandas.

As respostas e indagações levantadas nos referidos grupos mostraram a relevância de ampliar e aprofundar a pesquisa na dissertação de mestrado. Assim, inicialmente, a proposta estava voltada para a análise das propagandas veiculadas pela mídia, a partir das dimensões institucional, simbólica, normativa e subjetiva, tal qual delineadas por Joan Scott (1995), que será discutida adiante.

Dentro da perspectiva de análise da mídia como uma instituição que traduz e dissemina o mundo simbólico em valores e normas para a sociedade, nelas incluídas as representações sobre mulheres e homens no meio social, aborda-se as dimensões institucional, simbólica e normativa, mais especificamente, a dimensão simbólica, ou seja, a partir dos valores e normas que circulam no imaginário social e que representam as mulheres na sociedade atual.

O projeto anterior já trabalhava, também, a dimensão subjetiva, a interpretação da incorporação desses valores pelos sujeitos que, no caso da pesquisa, eram jovens de 17 a 24 anos. Porém, no seu decorrer, foi possível perceber que as propagandas iriam exigir um maior tempo de análise e reflexão – daí a decisão de priorizar as três primeiras dimensões (institucional, normativa e simbólica). É a partir daí que proponho, agora, um estudo mais sistemático, enfocando a análise das propagandas que utilizam o corpo feminino para a vendagem das cervejas.

Acredito que o trabalho aqui desenvolvido se justifica pela necessidade de ampliação dos estudos sobre as mulheres e relações de gênero/poder dentro da contemporaneidade, enfocando as representações sobre as mulheres construídas na mídia. Pretende-se, aqui, discutir a permanência de propagandas que reiteram valores dominantes e tradicionais (sexistas e racistas) e quais são suas possíveis repercussões socioculturais. No particular, parece importante aprofundar a análise sobre os usos do corpo feminino pela mídia, principalmente, nos anúncios e comerciais.

Esta análise parte do pressuposto de que as representações sobre as mulheres veiculadas nas propagandas de TV, jornais e revistas fazem parte de um discurso dominante, no qual, ainda, as mulheres podem ser “vendidas” e “consumidas” ao bel prazer masculino, reiterando as desigualdades de gênero. São muitas as possibilidades de olhares e leituras a serem percebidos sobre essa

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problemática. Esse estudo caminhou para a confirmação de que se trata de uma forma de violência, a violência simbólica, um tipo de violência que é sutil e que passa despercebida no meio social.

Esta dissertação está organizada em quatro capítulos.

No primeiro capítulo, transcorro sobre a problemática das relações de gênero e poder, relacionando-a com a abordagem da mídia e suas complexidades no mundo contemporâneo. Por acreditar que a mídia contribui de forma significativa para a construção e a desconstrução de valores de representações que circulam na sociedade, trabalho com a categoria analítica das Representações Sociais, entendendo-a como uma percepção, como uma visão de mundo de um determinado grupo social. A representação social não se refere à realidade em si, mas à forma como esta é percebida e construída por determinados grupos sociais, de forma que existem diversas representações sobre a mesma realidade, estando as relações de gênero inseridas nesse contexto.

No segundo capítulo, discuto os aspectos teórico-metodológicos da pesquisa. Acredito que um conhecimento situado e corporificado é uma maneira de se fazer ciência e de se construir o conhecimento de forma consciente. Dessa forma utilizo a concepção dos saberes parciais, localizáveis e críticos. As representações das propagandas de cerveja constituem o imaginário coletivo que circula na sociedade, sendo, portanto, construídas por homens e mulheres que reproduzem discursos. A combinação da prática etnográfica com a análise das representações possibilita vislumbrar questões interessantes sobre as propagandas.

O terceiro capítulo traz a descrição e a análise dos dados coletados. Foram selecionadas oito propagandas de cerveja que utilizavam o corpo feminino, no intuito de apreender os seus significados. Através de uma “descrição densa” foi possível visualizar questões pertinentes para a análise: produto, empresa/marca, ambiente, personagens, descrição do comercial, linguagem (discurso) e a finalização do comercial. A etnografia permite fazer uma “descrição densa” sobre os comerciais com o intuito de interpretar e analisar as representações sobre as mulheres utilizadas nos comerciais. De modo que, trabalho com as possibilidades de convergências e os paradoxos de se fazer uma pesquisa feminista.

No quarto capítulo, partindo da análise das propagandas, discuto a representação da mulher na mídia e suas repercussões no âmbito sociocultural.

Por fim, as considerações finais da dissertação. Refletir sobre as repercussões sociais e políticas das propagandas analisadas me fez perceber que o

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meu olhar, a minha análise é uma reflexão, uma interpretação dentre tantas outras que podem ser construídas sobre o mesmo objeto de estudo. No entanto, penso que essa reflexão irá contribuir de forma significativa para a visibilidade da violência simbólica de gênero na nossa sociedade.

(19)

2

UM OLHAR ANTROPOLÓGICO E FEMINISTA SOBRE A

MÍDIA

Podemos afirmar que vivemos em um mundo visual, em uma sociedade de imagens: uma cultura da mídia. Por esse motivo, atualmente, a mídia tem despertado um crescente interesse como objeto de investigação em estudos, análises e reflexões, no meio acadêmico. De fato, para quem vive imerso em uma sociedade da mídia e do consumo, é importante aprender como entender, interpretar e criticar seus significados e suas imagens para resistir à sua manipulação.

Numa cultura contemporânea, dominada pela mídia, os meios dominantes de informação e entretenimento são uma fonte profunda e muitas vezes não percebidas de pedagogia cultural: contribuem para nos ensinar como nos comportar e o que pensar e agir, em que acreditar, o que temer e desejar – e o que não. (KELLNER, 2001, p. 10).

As imagens nos remetem a múltiplas interpretações; esta leitura, porém, está orientada para as análises das construções de gênero, ou seja, aquelas que dizem respeito a “ser homem” e “ser mulher”, na sociedade contemporânea.

O objetivo deste capítulo é discutir os referenciais teóricos que nortearam a construção do objeto de pesquisa, assim como o seu desenvolvimento, inicialmente, com uma explanação sobre a abordagem aqui adotada, que tem guiado minhas reflexões e o modelo teórico construído à luz desses questionamentos.

Nesse sentido, devo ressaltar que, além de pesquisadora, sou sujeito social, posicionada dentro das relações sociais, sujeita e, portanto, também, sujeita à força do imaginário social e aos compartilhamentos do habitus da minha classe social, profissional e sexual. Minhas reflexões estão influenciadas por essas forças.

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Procuro, assim, utilizar a perspectiva antropológica como forma privilegiada de interpretação desse universo de imagens, idéias, significados. A partir de um olhar antropológico feminista, procuro analisar os usos do corpo feminino nas propagandas de cerveja, indagando quais as suas possíveis repercussões, sociais e políticas, na contemporaneidade.

Para a reflexão sobre as imagens na mídia, me debrucei sobre as dimensões das relações de gênero desenvolvidas por Scott (1995): simbólica, normativa e institucional. A mídia é uma instituição que normatiza o simbólico, logo, ao elaborar comerciais que utilizam o corpo feminino na vendagem dos produtos, normatiza certas representações sobre as mulheres através da valorização de determinados corpos, situações e faixas etárias específicas que contribuem para as construções do que é ser homem e ser mulher, do que é estar no mundo, agindo e relacionando-se consigo e com os outros, no meio social.

Estudos realizados em culturas diversas apontam que não existe um modo inato de ser homem e ser mulher, sendo essa construção social e simbólica. As representações perpassam os corpos masculinos e femininos, que são historicamente datados e culturalmente construídos a partir do gênero. Sabemos que o gênero é utilizado como uma categoria de diferenciação desses corpos. De fato, é importante perceber que as representações sobre as mulheres, nos variados contextos históricos, estão relacionadas aos significados atribuídos aos seus corpos. Acredito que a análise não pode se deter, apenas, nos seus elementos intrínsecos; ela tem que atentar para a sua produção artística dotada de funções no social, assim como devem ser levadas em conta suas representações e suas historicidades (BORGES; RODRIGUES, 2000). A análise das imagens aqui realizada buscou apreender a utilização de “modelos” que ora constroem, ora desconstroem representações já estabelecidas que “circulam” no imaginário coletivo. As propagandas utilizam imagens associadas à idéia de masculinidade e feminilidade pois a interpretação dos produtos é definida por uma relação que utiliza o imaginário sexual do telespectador; porém, o gênero ultrapassa o corpo sexuado e, dessa maneira, é relevante uma discussão mais ampla sobre as relações de gênero e poder dentro do estudo proposto.

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2.1 AS RELAÇÕES DE GÊNERO E PODER

A partir da abordagem de gênero podemos discutir a construção da masculinidade e da feminilidade e, principalmente, das relações que se efetuam entre homens e mulheres dentro da nossa sociedade. O uso do conceito de gênero trouxe consigo a desnaturalização das categorias de homem e mulher e a preocupação com a construção simbólica das noções de masculino e feminino.

As relações sociais são constituídas, também, pelas relações de gênero, existindo a construção social de valores atribuídos aos homens e às mulheres; logo, são relações generizadas e “gendradas” (HARDING, 1996). Elas não são fixas, são socialmente construídas, reiteradas ou transformadas pelos agentes sociais, sendo, também, um fenômeno temporal mutável.

O gênero, elemento constitutivo das relações sociais, está fundado nas diferenças construídas sobre o sexo e implica, segundo Scott (1995), em quatro aspectos, ou dimensões: 1) símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações simbólicas; 2) conceitos normativos que põem em evidência as interpretações do sentido dos símbolos e que estão expressos nas doutrinas religiosas, educativas, políticas e cientificas; 3) instituições e organização social; e 4) identidade subjetiva. Enfatiza a autora a importância dos significados nos estudos de gênero, pois esses permitem perceber as maneiras como as sociedades representam o gênero e como o utilizam para articular regras de relações sociais ou para construir o sentido de suas práticas e ações.

Entendo a mídia como uma instituição que dissemina valores para a sociedade, normatizando o mundo simbólico através das representações sobre mulheres e homens. Dentro dessas quatro dimensões, que se entrecruzam, analiso: a) a dimensão institucional – a mídia constrói ou desconstrói, através dos seus discursos, as desigualdades de gênero; b) a dimensão normativa − a mídia normatiza o simbólico a partir das representações inseridas nos comerciais; e, por fim, c) o estudo do simbólico inserido nos discursos dos comerciais.

O estudo de gênero, segundo Flax (1991), acarreta dois tipos de análise: gênero como uma construção ou categoria de pensamento que nos ajuda a entender histórias e mundos sociais particulares; e gênero como uma relação social que entra em todas as outras atividades e relações sociais e, parcialmente, as constitui.

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Dentro da perspectiva de gênero como relacional, enfatiza que podemos, ou devemos, ter a tarefa de trabalhar com quatro níveis: 1) articular perspectivas do/dentro do mundo social em que vivemos; 2) pensar como somos afetados por esses mundos; 3) considerar que o modo como pensamos sobre eles pode estar implicado em relacionamentos existentes de poder/conhecimento; e 4) imaginar modos pelos quais esses mundos devam/possam ser transformados. Flax (1991) busca, portanto, compreender as relações complexas entre os sujeitos, nas diversas manifestações sociais (práticas e ações).

Scott (1995) assinala a preocupação dos historiadores com a fala dos oprimidos e com uma análise do sentido da sua opressão, considerando que as desigualdades de poder também estão organizadas nas categorias de identidade, classe, etnia, geração. Elas são relacionais, uma se constitui através das outras, e devem ser articuladas concomitantemente, pois as práticas sociais não devem ser discutidas sem que antes se perceba e entenda todas essas abordagens.

Segundo Vallejos (2000), embora não exista uma “teoria de gênero” única, é possível assinalar as principais características comuns que resultam na adoção do enfoque de gênero: comparatividade, transversalidade, historicidade, politicidade e espacialidade.

Os estudos de gênero se inserem na tradição comparativa e têm como preocupação destacar as diferenças, as semelhanças e as relações entre as formas de representação e as condições de existência de homens e mulheres, considerando os seus aspectos diversos (mercado de trabalho, família, educação, dentre outros), em diversas culturas. A comparação é fundamental para entender a forma como o gênero social opera em nossas sociedades e, também, para construir novas formas de convivência entre homens e mulheres, deixando de lado as concepções androcêntricas.

Esses estudos exigem uma abordagem multidisciplinar, porque se referem a problemas transversais de diferentes disciplinas. As desigualdades de gênero não podem ser explicadas, unilateralmente, seja a partir da economia, da política ou da cultura. Elas atravessam o conjunto de fenômenos estudados pelas Ciências Sociais.

É preciso considerar, também, que a investigação científica se torna uma forma de classificação social a ser resgatada ou procurada no “real” e como dado constitutivo da identidade do sujeito que investe e produz saberes. A proposta é trabalhar

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um sujeito constituído no gênero, sem dúvida, mas não apenas pela diferença sexual, e sim por meio de códigos lingüísticos e representações culturais; um sujeito ‘engendrado’ não só na experiência de relações de sexo, mas também nas de raça e classe, um sujeito, portanto, múltiplo em vez de único, e contraditório em vez de simplesmente dividido. (LAURETIS, 1994, p. 208).

Gênero, raça, classe, geração são construções sociais que têm impacto na vida cotidiana dos agentes sociais, na construção, desconstrução e reconstrução dos significados. Segundo Sardenberg,

[...] com gênero construiu-se, por fim, um objeto teórico para as investigações e reflexões feministas – que tem permitido não apenas a abertura de novas fronteiras para reflexão e análise, como também a solidificação das bases para a construção de uma epistemologia feminista. (2002b, p. 93).

Na discussão das teorias pós-modernas existe o questionamento das noções de verdade, do conhecimento científico e seu universalismo teórico, do sujeito, da linguagem, da racionalidade, dentre outras associadas ao pensamento iluminista e aos fundamentos da Ciência Moderna. Segundo Sorj (1992), o discurso pós-moderno privilegia a indeterminação, a fragmentação, a diferença e a heterogeneidade como forças libertadoras na redefinição do discurso cultural, sendo um forte aliado das teorias feministas, uma vez que permitiu a emergência, no centro da política, de outras vozes até então oprimidas pelos discursos que se pretendiam universais; a afirmação da diferença; a recusa do sujeito universal e cartesiano – que, na prática, é o sujeito ocidental, masculino, branco –que desloca e marginaliza os outros sujeitos e outras formas de subjetividade; as metanarrativas, e, sobretudo, a crítica às estruturas de poder envolvidas na representação.

Pensar sobre as mulheres pode esclarecer alguns aspectos de uma sociedade que tem sido previamente suprimida dentro da visão dominante. Mas nenhuma de nós pode falar pela ‘mulher’ porque tal pessoa só existe dentro de um conjunto especifico de relações (já em termos de gênero) – com o ‘homem’ e com muitas mulheres concretas e diferentes. (FLAX, 1991, p. 248).

Percebemos que o “sujeito do feminismo” não é A Mulher, representada por uma essência inerente a todas as mulheres, mas, sim, as mulheres, seres reais,

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históricos e sujeitos sociais que são definidos pela tecnologia do gênero e “engendrados” nas relações sociais. São “sujeitos históricos governados por relações sociais reais, que incluem predominantemente o gênero – esta é a contradição sobre a qual a teoria feminista deve se apoiar, contradição que é a própria condição da sua existência.” (LAURETIS, 1994, p. 218). Deste modo, as teorias feministas trouxeram a valorização da alteridade, do diferente, do excluído dentre os quais se encontram os negros, os índios, os homossexuais, os idosos, e claro, as mulheres.

As epistemologias identificadas com o Iluminismo foram colocadas em dúvida por várias feministas das correntes do modernismo e do pós-estruturalismo. Essas teóricas feministas questionaram e confrontaram as bases teóricas do empiricismo e do ponto de vista feminista (standpoint) e desencadearam novas perspectivas epistemológicas feministas com estreitas relações com o pensamento pós-moderno. A tradicional investigação em Ciências Sociais está associada, precisamente, aos valores e princípios que o pós-modernismo tenta transcender.

O feminismo pós-moderno, considerando impossível a noção unitária de verdade, sugere a existência de variados pontos de vista feministas contraditórios e conflituosos. Assim, à epistemologia feminista cabe “propor princípios, conceitos e práticas que possam superar as limitações de outras estratégias epistemológicas, no sentido de atender aos interesses sociais, políticos e cognitivos das mulheres e de outros grupos historicamente subordinados” (SARDENBERG, 2002b). É importante reconhecer que as relações de gênero são entrecortadas por determinantes de etnia/raça, classe, geração etc., sinalizando configurações distintas entre os grupos. Então, em termos epistemológicos, temos que falar em “pontos de vista feministas”. Essa abordagem é importante para ajudar a pensar o meu objeto de estudo, pois, a depender da filiação teórica, o pesquisador ou pesquisadora poderá ter visões ou fazer leituras bastante diferenciadas.

Segundo Haraway (1994), o conhecimento é sempre situado e contextual, fazendo parte das práticas de cada grupo social. Cada perspectiva, cada standpoint é, assim, parcial, seletivo e incompleto. Haraway espera poder conciliar ‘objetividade’ com a posição/situação do sujeito que conhece, em especial, os menos poderosos, enfatizando, entretanto, que as perspectivas dos subjugados não são consideradas posições inocentes. Para essa autora, um projeto democrático em ciência e

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tecnologia deve passar pelo engajamento de pessoas cujo modo de vida esteja em jogo no “aparato de produção de conhecimento e dos sistemas de ação”.

O feminismo perspectivista se sustenta no pressuposto de que as desigualdades de gênero operam, de várias maneiras, no sentido de produzir experiências qualitativamente diferentes para mulheres e homens, bem como posicioná-los em ângulos de visão distintos, senão opostos. (SARDENBERG, 2002b, p. 103).

A pesquisa feminista inscreve-se em uma atividade mais ampla, a ciência, mas apresenta determinadas características que a distinguem da pesquisa tradicional. Uma primeira característica da pesquisa feminista é a sua dupla dimensão: por um lado, ela representa um projeto social e político de transformação das relações sociais e, por outro, um projeto científico de elaboração de conhecimentos, ou seja, ela visa conhecer e se propõe a mudar as condições econômicas, culturais e sociais que legitimam e perpetuam a subordinação das mulheres nas diversas sociedades e em todas as suas dimensões.

Outra característica desse tipo de investigação é que ela implica uma transformação no modo de olhar o mundo, ao exigir não só o reconhecimento das mulheres como sujeitos históricos e sociais, mas, sobretudo, o reconhecimento das relações sociais de gênero como um dos fatores de divisão e de hierarquização da vida social, assim como as relações de classe, raça, geração e orientação sexual.

A noção da modernidade de conhecimento como espelho da realidade foi substituída por um entendimento pós-moderno do conhecimento enquanto construção social. “Um conjunto de teorias que são estruturalmente semelhantes surgem como a articulação de uma condição histórica específica da reflexão humana” (BUTLER, 1998, p. 17). Assim, o deslocamento do conhecimento, enquanto fiel retrato da realidade, para um conhecimento que se constrói envolve uma mudança de ênfase da observação para a conversação e interação entre os participantes da pesquisa.

Concordo com Queirós et al. (2005) quando dizem que existem alguns princípios que estão associados à pesquisa feminista: o feminismo é uma perspectiva, não um método de investigação. É importante ressaltar que, no âmbito do conjunto de preocupações metodológicas e epistemológicas de qualquer investigação, o método não pode ser visto como um assunto de menor importância ou significado. A questão não deve residir no método em si, mas, sim, no modo pelo

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qual esse método vai ser utilizado. Todos os aspectos dos métodos científicos requerem atos de interpretação, necessários para selecionar e criar um vocabulário relevante e um modelo teórico para realizar distinções entre objetos, para formular sistemas de explicação e sistematizar os dados encontrados.

A investigação feminista coloca um novo olhar sobre os objetos de estudo inscritos nos campos disciplinares das Ciências Sociais e sobre os métodos aí experimentados. Às vezes, através desse olhar, emergem e se desenvolvem inovadores métodos de investigação, sempre com o objetivo de provocar modificações sociais, no sentido de uma melhoria da vida das mulheres e dos homens e de uma relação mais igualitária entre investigadores(as) e participantes.

Os feminismos privilegiam a diversidade de perspectivas, sujeitam o objeto de estudo a múltiplos olhares e não a um único olhar, permitindo uma imagem mais completa e complexa. A flexibilidade parece ser uma estratégia necessária para estudar a problemática geral desse tipo de investigação: as relações de gênero e as experiências de vida das mulheres a partir do desenvolvimento de um olhar crítico no interior das disciplinas; um olhar que desencadeia movimentos de desconstrução e de reconstrução dos saberes das disciplinas, tentando debelar estereótipos, preconceitos sexistas e androcêntricos, nos processos de produção de conhecimentos e nos métodos. Esse conhecimento produzido pelas feministas, no entanto, é parcial e não necessariamente mais objetivo que outros pontos de vista igualmente “parciais” (FLAX, 1991).

Uma das grandes preocupações da investigação feminista é que possa contribuir para a promoção de mudanças sociais, quer através da conscientização de que as experiências de vida das mulheres (e, também, dos homens) são socializadas e politizadas, quer pela prática, ao desenvolver projetos de investigação/ação e propor recomendações e planos de ação para os variados agentes de poder social e político, no sentido de uma melhoria na vida das mulheres.

Esse princípio decorre de um outro: a investigação feminista tenta promover modificações de ordem social e esse compromisso implica em um trabalho de conscientização e de ação junto a todos(as) que se movem na área do estudo e da pesquisa, mas, também, junto a um público mais vasto. Se o que se pretende são mudanças sociais, então, os estudos e práticas que as legitimam não podem ficar fechados em espaços acadêmicos ou de restrito acesso, nem podem deixar de refletir os impactos e as opiniões de todos(as) aqueles(as) que deles tiveram

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conhecimento. A produção do conhecimento é uma produção fundamentalmente social. Os conhecimentos científicos seriam então universais, não por corresponderem a uma realidade universal, mas por circularem: é a circulação que os faz universais (ARRAZOLA, 2002, p. 71).

Outro aspecto importante da pesquisa feminista solicita o comprometimento do(a) investigador(a) em um esforço de “reinterpretar as categorias de diferentes teorias (discursos teóricos), uma ação prática de cunho teórico-epistemológico e político, para tornar analiticamente visível as mulheres e as relações de gênero.” (ARRAZOLA, 2002, p. 69), convidando-o(a) a questionar uma objetividade resultante de uma visão exterior, neutra e despersonalizada e a ponderar uma valorização das suas próprias experiências no processo de investigação.

Concordo com Butler (1998) quando afirma que certas posições teóricas nos constituem enquanto pesquisadores(as). Através de uma perspectiva parcial, pode existir uma visão objetiva, pois, como disse Haraway: “a objetividade feminista trata da localização limitada e do conhecimento localizado, não da transcendência e da divisão entre sujeito e objeto” (1994, p. 21). Na objetividade dinâmica, existe a ambigüidade, a incerteza, um jogo entre o sujeito e o entorno e a capacidade de se relacionar com a diferença. A objetividade, portanto, seria um processo dialético.

Nossos olhos são sistemas de percepção ativos, que constroem traduções e modos específicos de ver. Segundo Haraway:

Não há nenhuma fotografia não mediada, ou câmera escura passiva, nas explicações científicas de corpos e máquinas: há apenas possibilidades visuais altamente específicas, cada uma com um modo maravilhosamente detalhado, ativo e parcial de organizar mundos. (1995, p. 22).

Acredito que um conhecimento situado e corporificado é uma maneira de se fazer Ciência e de se construir o conhecimento, de forma consciente. Nesse sentido, utilizo a concepção dos saberes parciais, localizáveis e críticos, por acreditar que as teorias e conceitos da Ciência Moderna devem ser desconstruídos. Desconstruir “significa continuar a usá-los, repeti-los, repeti-los subversivamente, e deslocá-los dos contextos nos quais foram dispostos como instrumentos do poder opressor” (BUTLER, 1998, p. 38); significa buscar a forma pela qual as identidades de gênero são construídas e relacioná-las com toda uma série de atividades, de

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organizações e representações sociais historicamente situadas. A discriminação não é unidirecional (não afeta somente as mulheres), nem uniforme (não afeta a todas as mulheres por igual).

A utilização do corpo feminino na publicidade é uma forma de vender os produtos, mas está, também, associada às construções de gênero, ao que é “ser homem” e “ser mulher” na nossa sociedade. O corpo está imerso na cultura e sua exibição promove interpretações e identificações sobre como ele deve ser exposto, utilizado e manipulado. A mídia constrói modelos que são utilizados para criar uma aproximação, uma intimidade com o consumidor, de forma que eles, seus anseios, desejos e o seu cotidiano sejam refletidos nas imagens propostas. As propagandas de cerveja analisadas neste trabalho fazem parte do imaginário coletivo que circula na sociedade, sendo, portanto, construídas por homens e mulheres que legitimam esse discurso enquanto discurso hegemônico e dominante.

2.2 CULTURA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A cultura é o contexto no qual as práticas sociais, os acontecimentos, as instituições tomam forma e nela os agentes sociais estão inseridos, consistindo em estruturas de significados socialmente estabelecidas (GEERTZ, 1989, p. 23). Segundo Sabat, “estar no mundo é estar produzindo cultura e estar sendo produzida por ela” (2005, p. 93). É a partir da cultura que os significados e as representações são elaborados e ganham sentidos; são os significados que atribuímos às coisas, às pessoas, aos acontecimentos que constituem as marcas de igualdade e de diferença entre grupos sociais. Para Geertz (1989), o homem está “amarrado” a “teias de significado que ele mesmo teceu”. A cultura seria, portanto, essa teia tecida pelos seres humanos; uma teia de significados que se entrelaçam diferentemente.

Essa discussão da cultura se coloca como elemento pertinente para pensarmos a produção midiática e, especificamente, a publicidade de cerveja consideradas como produção cultural. Porém, é necessário que se busque um conceito mais limitado sobre a cultura, que não a visualize como uma totalidade e sim como a existência de várias culturas simultâneas e relacionais. Imaginar a cultura como uma realidade “superorgânica” autocontida, com força e propósitos em si mesma é reificá-la. Não podemos esquecer que ela é uma produção humana e que as relações de gênero, assim como as de classe, raça, geração/idade e opção sexual perpassam todos os seus espaços, constituindo, nas práticas sociais, a

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construção dos significados produzidos pelos agentes sociais. Para Thompson (1995), a concepção de cultura tem que dar ênfase tanto ao caráter simbólico das ações culturais como ao fato de tais ações estarem inseridas em contextos sociais estruturados.

Para Bourdieu (1996), as ações estão inseridas em contextos sociais estruturados e, para superar a oposição artificial que se estabelece entre as estruturas e as práticas sociais, é necessário um rompimento com certas formas de pensamento que ignoram a existência da relação dialética entre as estruturas e as práticas sociais. Concordo com o autor quando afirma que os agentes constroem sua visão de mundo operada sob coações estruturais, que são as “estruturas estruturantes” das quais a cultura faz parte.

Bourdieu (1996) trabalha com a definição de Estruturalismo Construtivista. Para o Estruturalismo, segundo ele, existem, no próprio mundo social, estruturas objetivas que independem da consciência e da vontade dos agentes e que são capazes de orientar ou coagir suas práticas e representações. Por construtivismo, entende-se que exista uma gênese social de esquemas de percepção, pensamento e ação que são constitutivos, por ele denominados de habitus. As disposições dos agentes − o seu habitus − são estruturas mentais através das quais os agentes

sociais apreendem o mundo social. Assim, o habitus é a interiorização das estruturas desse mundo social.

É importante frisar que as “estruturas estruturantes” da sociedade, são estruturadas, porque têm uma gênese social. Sabemos que, dentro dessas “estruturas estruturantes”, existem valores distintos e conflitantes, pois não existe uma cultura universal que determine uma sociedade. O que existem são culturas, com valores e significados diversos e, muitas vezes, antagônicos, que circulam no espaço social. No entanto, existe o discurso de uma cultura dominante que se constitui enquanto realidade e enquanto porta-voz das outras vozes que nela estão diluídas.

É necessário, portanto, que se perceba que existem contextos sociais estruturados dentro dos quais as representações sociais são produzidas, transmitidas e recebidas. Elas são atribuídas de significado e, uma vez produzidas ou realizadas, circulam, são recebidas, percebidas e interpretadas por outros sujeitos situados em circunstâncias sócio-históricas particulares, de acordo com a sua posição de classe, etnia/raça, geração, sexo e sua opção sexual, utilizando

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interpretações e visões de mundo distintas para captar o seu significado (THOMPSON, 1995).

Concordo com Jodelet (2001) e Minayo (1995) quando afirmam que as representações sociais são leituras e interpretações sobre a realidade. Elas se referem à dimensão da relação (comportamentos, práticas sociais, discursos) dos sujeitos com a cultura e seu universo simbólico e dos sujeitos entre si. A sua origem está nas relações sociais e, portanto, ela é uma produção coletiva, que opera entre o individual e o coletivo. Segundo Jodelet, as representações sociais são “uma forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (2001, p. 22).

Dentro dessa perspectiva, as representações sociais são imagens construídas sobre o real, pontos de vista que são elaborados a partir de uma determinada posição no espaço social. A representação de um grupo social nada mais é do que uma dentre tantas representações sobre a realidade. Por meio das instituições (mídia, Estado, escola), são construídas e transmitidas certas representações sobre o que é ser homem e ser mulher na sociedade que são reiteradas nos discursos e percebidas como realidade, pelo indivíduo, formando, assim, ou se propondo a formar, um discurso dominante sobre aquela temática.

As representações são socialmente produzidas e partilhadas dentro de um contexto histórico específico, são constituídas a partir da experiência, das informações e dos modelos de pensamento recebidos, transmitidos e construídos por meio da tradição, da educação, da mídia, da vida cotidiana, enfim, da cultura.

Partindo do pressuposto de que os contextos sociais são constitutivos na produção das representações sociais, as propagandas de cerveja utilizam representações sobre as mulheres que circulam na sociedade e trazem, também, uma representação do homem e do seu imaginário; porém, o seu significado varia no tempo e no espaço. Elas são, portanto, portadoras de historicidade, enquanto produções de um dado momento histórico.

As propagandas atuais, mesmo, diferenciando-se, em alguns aspectos, daquelas de sete, oito anos atrás, nas quais a exposição do corpo feminino era mais gratuita, o corpo feminino continua ali... exibido e relacionado às sensualidade e sexualidade feminina. Nessas propagandas, as representações, ora são construídas, ora são desconstruídas, ora legitimam ora questionam a ideologia dominante, mas elas são sempre portadoras de uma ideologia. Desse modo, alguns

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grupos sociais têm os seus símbolos e significados representados em detrimento de outros grupos. Em algumas situações, os indivíduos situados em posições distintas podem empregar estratégias de desvalorização ou de depreciação do discurso dominante e, ao invés de reproduzi-lo, criar outras representações alternativas. Fazem parte dessa dinâmica, o movimento feminista, o movimento dos negros, dos homossexuais, dentre tantos outros.

Segundo Jodelet, as representações “circulam nos discursos, são trazidas nas palavras e veiculadas por mensagens e imagens midiáticas” (2001, p. 17). O discurso produzido sobre o corpo feminino continua a reproduzi-lo voltado para o desejo e para a satisfação do prazer, sendo um espaço de controle social: um corpo objetificado.

2.3 A MÍDIA E SUAS COMPLEXIDADES EM UMA PERSPECTIVA DE

GÊNERO

Na atualidade, as concepções do efêmero, do rápido e do passageiro fazem com que as imagens ganhem vida própria. Para Borges & Rodrigues, “a imagem sempre foi motivo de fascínio e encantamento, uma vez que tem o poder de permanecer diante dos olhos e da memória” (2000, p. 117).

A mídia, segundo Scott (1995), é uma dimensão organizacional, pois traduz o mundo simbólico em normas e valores, mobilizando o desejo do telespectador para certos modos de pensamento, comportamento e modelos que servem para a construção ou desconstrução dos valores tradicionais e dominantes. É uma instituição social que funciona como um espelho, refletindo os conceitos e as idéias que estão inseridas no cotidiano social, produzindo discursos que fazem parte do imaginário coletivo, permeando e invadindo as nossas vidas, na medida em que existe um transbordamento do mundo midiático, deixando transparecer uma nova forma de percepção e interpretação da realidade.

Desse modo, a produção dos comerciais é alimentada por essas imagens que circulam na sociedade contemporânea. Essas imagens se fixam em nossa mente, através da divulgação exaustiva de determinados modelos que têm o intuito de seduzir o telespectador levando-o a se identificar com certas opiniões, atitudes, sentimentos e disposições. Acredito que as propagandas que utilizam o corpo feminino tenham uma boa receptividade do público e um bom rendimento para os

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seus anunciantes, pois, a cada dia, elas ganham um maior investimento financeiro, sempre, é claro, tendo o mesmo enfoque: a sedução e a sensualidade.

Nesta pesquisa, a televisão foi escolhida por ser um meio de comunicação bastante presente na vida das pessoas, logo, o alcance das representações que ela veicula é mais abrangente do que o de outras mídias, vez que oferece uma maior cobertura, tanto no âmbito geográfico como populacional, e uma maior penetração em todas as faixas etárias, sexos e classes sociais. A mídia televisiva é entendida como um veículo de comunicação para as massas, pois devido ao seu grande impacto, por reunir imagem, cor, som e movimento, alcança um público diversificado e heterogêneo.

De acordo com Connor (1996), reconhecendo o jogo e o valor dos significados visuais, a modalidade dominante das propagandas de televisão é a repetição. É através dela que se transmite uma vasta gama de notícias, programas e propagandas/comerciais que têm, no seu discurso, valores, significados e ideologias que, em geral, trazem uma concepção sexista e racista (ARAÚJO, 2000; BELELI, 2007; BISOL, 2005).

É válido ressaltar que a legislação que regula o sistema brasileiro de difusão dos meios de comunicação está desatualizada; ao mesmo tempo, constata-se a ausência de um código de conduta. No que diz respeito à regulamentação dos meios de comunicação de massa, como é o caso da televisão, a Constituição Federal de 1988 dedica todo um capítulo à comunicação social, prevendo, inclusive, a criação de um Conselho de Comunicação Social. Um levantamento realizado no ano de 1998, pelo Conselho dos Direitos da Pessoa Humana, ligado ao Ministério da Justiça, revela que, entre estatutos, códigos, leis e decretos, há no país onze mecanismos de defesa contra TVs que exploram situações degradantes, violentas, racistas e outras formas de discriminação. Como exemplo, a Lei nº 7.716 − Lei Afonso Arinos −, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes de preconceito de raça e cor, reserva o Artigo 20 à discriminação feita pela mídia (BRASIL, 1989). Não há, contudo, registro de qualquer tipo de mecanismo, regulamentação ou auto-regulamentação enfocando a imagem de mulheres e meninas nos meios de comunicação.

O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR), organização não governamental (ONG) criada, há quase duas décadas, que tem o encargo de regular as propagandas, tem sido ausente nos diálogos e denúncias

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sobre a imagem da mulher na publicidade. Ele atende às denúncias de consumidores, autoridades, dos seus associados ou da própria diretoria. O Conselho de Ética do CONAR, órgão soberano na fiscalização, julgamento e liberação, no que se relaciona à obediência e cumprimento do disposto no Código, dentro dos seus preceitos básicos, traz:

Os preceitos básicos que definem a ética publicitária são:

- todo anúncio deve ser honesto e verdadeiro e respeitar as leis do país,

- deve ser preparado com o devido senso de responsabilidade social, evitando acentuar diferenciações sociais,

- deve ter presente a responsabilidade da cadeia de produção junto ao consumidor,

- deve respeitar o princípio da leal concorrência e

- deve respeitar a atividade publicitária e não desmerecer a confiança do público nos serviços que a publicidade presta.

No Código Brasileiro de Auto-Regulamentação, Capítulo II, Princípios Gerais, diz o seguinte:

SEÇÃO 1 - Respeitabilidade

Artigo 19

Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar.

Artigo 20

Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade. [...]

SEÇÃO 2 - Decência

Artigo 22

Os anúncios não devem conter afirmações ou apresentações visuais ou auditivas que ofendam os padrões de decência que prevaleçam entre aqueles que a publicidade poderá atingir.

Concordo que a grande mídia trabalha com visões sociais e culturais hegemônicas, porém, existem espaços para a comunicação contra-hegemônica e para disputas nos veículos, criadas a partir do que Jurema Werneck3 chamou de

3 Médica e Coordenadora da ONG Criola, uma instituição da sociedade civil sem fins lucrativos,

fundada em 2 de setembro de 1992, que é conduzida por mulheres negras de diferentes formações, voltada para o trabalho com mulheres, adolescentes e meninas negras basicamente no Rio de Janeiro (http://www.criola.org.br/). A discussão foi desenvolvida por Werneck no Encontro “A Mulher e a Mídia 4”, promovido pelo Instituto Patrícia Galvão, em setembro de 2007, do qual participou.

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"áreas de instabilidade". Segunda ela, uma dessas áreas seria a pressão das diferenças. Quando essa pressão existe, o discurso hegemônico se desestabiliza. Isso aconteceu e acontece com o próprio feminismo e com o combate ao racismo. Outra área de instabilidade é criada pelas mudanças tecnológicas e pela apropriação dos meios por uma parcela mais pobre da população. "Daí também vêm caminhos de entrada de outras visões na mídia", acredita a militante do movimento negro.

A bibliografia brasileira que discute mídia produzida pelas Ciências Sociais, independentemente da abordagem utilizada, está voltada para a premissa da qual compartilho, de que a propaganda é um meio divulgador da cultura. Ou seja, de forma dialética, a cultura contemporânea da mídia cria formas de dominação ideológica que ajudam a reiterar as relações vigentes de poder e, simultaneamente, fornecem suporte para a construção e o fortalecimento de resistência e luta. Entender o porquê da popularidade e da repetição de certas “fórmulas” utilizadas nas propagandas pode elucidar o meio social em que elas nascem e circulam.

As representações midiáticas, à proporção que associam comportamentos, valores, atitudes a um ou a outro gênero, ajudam a formular o que reconhecemos como feminilidade e masculinidade. Para Mercedes Lima, da “Articulação Mulher e Mídia”4, também presente no encontro “A Mulher e a Mídia 4”5, a televisão não cria o preconceito, ele está na sociedade; a televisão reforça os preconceitos. Segundo Bourdieu, “a televisão é um formidável instrumento de manutenção da ordem simbólica” (1997, p. 20). Logo, é interessante perceber quais são as repercussões sociais e políticas e como se configuram as relações de poder entre os gêneros, na contemporaneidade.

No próximo capítulo, serão discutidos os aspectos metodológicos que foram utilizados na elaboração da análise do estudo.

4 A “Articulação Mulher e Mídia” reúne entidades do movimento de mulheres de todo o estado de

São Paulo.

5 Realizado pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), Instituto Patrícia Galvão e

Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) no Rio de Janeiro, nos dias 22 e 23 de setembro de 2007

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3

ENTRE PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES

Para levar adiante este estudo, primeiramente, foi realizado o levantamento bibliográfico dos autores(as) que discutem os seus pressupostos teóricos como mídia, representações sociais e relações de gênero na contemporaneidade, assim como a abordagem sócio-histórica do corpo feminino, categorias pertinentes para o desenvolvimento da pesquisa. A perspectiva teórica buscou o diálogo com autores(as) como Joan Scott (1995), Jane Flax (1991), Pierre Bourdieu (1997; 1999; 2003), Michel Foucault (1977; 1983), dentre outros. De cada um, foram colhidas contribuições significativas para melhor entender e construir o objeto de estudo deste trabalho: as imagens de mulheres nas propagandas de cerveja.

A utilização da pesquisa qualitativa possibilita uma percepção das discussões que se pretende abordar, pois vislumbra questões que, na pesquisa qualitativa, passam despercebidas e que são de fundamental importância para a investigação e a produção de conhecimento não androcêntrico.

O objetivo deste capítulo é vislumbrar o caminho teórico metodológico trilhado para a análise das propagandas. Utilizo a epistemologia feminista, já comentada no capítulo anterior, contextualizando-a e enfatizando suas principais características e aportes teóricos. Acredito que pensar em uma ciência feminista e politizada requer

a desconstrução dos pressupostos iluministas quanto à relação entre neutralidade, objetividade e conhecimento científico. Requer, portanto, a construção de uma epistemologia feminista – de uma teoria crítica feminista sobre o conhecimento –, que possa autorizar e fundamentar esse saber que se quer politizado. (SARDENBERG, 2002b, p. 91).

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Concordo com Flax (1991) quando afirma que as teorias feministas deviam nos estimular a tolerar e a interpretar a ambivalência, a ambigüidade e a multiplicidade. Assim, reflito sobre a etnografia e o olhar do antropólogo pois acredito que o saber etnográfico tem como fundamento a interação do pesquisador com seu objeto de estudo e que através são construídas percepções que possibilitam um olhar distinto para a descrição das propagandas.

3.1 A ETNOGRAFIA: UMA INTRODUÇÃO AO TEMA

Este estudo trabalha com as representações sociais, que são construções simbólicas construídas pelos indivíduos nas suas práticas sociais. Assim, a análise da cultura é entendida como a interpretação dos padrões de significado incorporados a essas práticas. Concordo com Geertz quando diz,

[...] o homem é um animal suspenso em teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como aquelas teias e sua análise sendo, portanto, não uma ciência experimental à procura de leis mas uma ciência interpretativa à procura de significados. (1989, p. 15).

A Antropologia, enquanto ciência interpretativa, busca apreender os significados que são construídos nas práticas sociais e nas estruturas da sociedade. Uma das maneiras de construir o conhecimento, na análise antropológica, realiza-se pela prática da etnografia. Para Geertz, existe, na cultura e, por extensão, na sociedade, “uma multiplicidade de estruturas conceituais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas” (1989, p. 20). Segundo ele, a tarefa do etnógrafo é pesquisar cultura na construção da vida coletiva, interpretando os universos simbólicos e suas dimensões nas práticas e ações sociais, apreendendo seus significados e, depois, apresentando a sua interpretação.

Com base nisso, esta pesquisa buscou, no primeiro momento, selecionar as propagandas relevantes para a análise − propagandas de cerveja que utilizavam o corpo feminino −, para, em seguida, apreender os seus significados, através de uma “descrição densa” das propagandas e evidenciando os critérios pertinentes para a análise: produto, empresa/marca, ambiente, personagens, descrição do comercial, linguagem (discurso) e a finalização do comercial.

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Ainda, segundo Geertz (1989), fazer etnografia não é uma questão de métodos, de estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, mapear campos ou manter diários, e sim, fazer uma “descrição densa” do seu estudo.

A descrição das imagens das propagandas perpassa a sua contextualização, o ambiente em que foi construída, o espaço, os atores que participam (homens, mulheres, negros, brancos, crianças, jovens, idosos), vestuário, música, tempo de duração dos comerciais, a linguagem corporal dos atores − que é também atribuída de significados − e os seus discursos. Elas foram descritas e analisadas para verificar, por observação comparativa, até que ponto elas reiteram ou não representações sociais dominantes e tradicionais. A partir da perspectiva feminista, percebi construções nos discursos das propagandas como concepções de sexualidade do corpo modelado e disciplinado evidenciando o desejo sexual, a sua associação à beleza brasileira, à construção do imaginário na busca do prazer e a sua satisfação pelo consumo de cerveja.

É importante ter-se em mente que, dentro de uma perspectiva feminista, é necessário minimizar o diferencial de poder entre quem estuda e quem (ou o que) é estudado, pois, assim, será possível captar subjetividades.

Segundo Queirós et al. (2005), qualquer pesquisa feminista precisa ser sensível ao diferencial de poder entre as mulheres e à forma como ele interfere no processo de investigação pois o(a) investigador(a) tem uma biografia pessoal arraigada em uma determinada perspectiva de classe, gênero, raça, geração, cultura e etnicidade. A tentativa de omissão dessas características pessoais impressas através das experiências, crenças e história de vida, só cria uma ilusória noção de objetividade.

Concordo, com Mies (1998), que existem outras formas de se fazer ciência e de se produzir o conhecimento: o conhecimento prático, cotidiano, o conhecimento político e as “habilidades políticas”, o autoconhecimento, o conhecimento crítico − capacidade de criticar as ideologias e desmistificá-las−, o conhecimento teórico − a habilidade de relacionar os descobrimentos empíricos com as afirmações teóricas −, e o conhecimento social − a habilidade de se relacionar com os demais, de reconhecer as condições sociais em que eles vivem, de se relacionar com esses indivíduos e a possibilidade de perceber que esses indivíduos

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vivem dentro de determinadas relações históricas, políticas, sociais e econômicas que precisam ser respeitadas.

Desse modo, acredito que, a partir de uma perspectiva feminista, a produção do conhecimento científico vislumbre questões negligenciadas pela ciência tradicional. Como sabemos, a construção do conhecimento cientifico é uma forma de poder e com essa nova abordagem feminista esse poder será “distribuído” de forma mais igualitária por todos e todas que constroem e participam ativamente do processo de formação da nossa história.

Na etapa seguinte da pesquisa, foram levantadas as categorias de análise trabalhadas, gênero, raça/etnia, classe e geração/idade, identificando as construções de gênero em relação às outras categorias, dentre outras indagações.

3.2 E ASSIM SE FORMAM AS REPRESENTAÇÕES...

A elaboração do método de análise das representações é oriunda das reflexões entre a teoria e a observação empírica do cotidiano (SPINK, 1995). As representações sociais são formas de conhecimento que precisam ser entendidas a partir do contexto que as engendra e a partir da sua funcionalidade nas interações do cotidiano. Dois aspectos, tornam-se relevantes e centrais: a teoria do conhecimento e os determinantes de sua elaboração. Como formas de conhecimento, as representações estão inseridas nas correntes que estudam o senso comum; e o senso comum é capaz de formar uma teia de significados, criando, objetivamente, uma realidade social. “Trata-se, portanto, de uma ampliação do olhar de modo a ver o senso comum como um conhecimento legítimo e motor de transformações sociais” (SPINK, 1995, p. 119).

Outros aspectos para a análise das representações sociais são o contexto histórico e o contexto de produção. Existem conteúdos que circulam na nossa sociedade e há um processo de interação social para definir uma dada situação, de forma a construir e manter as identidades coletivas.

Neste sentido, o contexto é essencialmente ‘intertextual’. Ou seja, é a justaposição de dois textos: o texto sócio histórico que remete às construções sociais que alimentam nossa subjetividade; e o texto – discurso, versões funcionais constituintes de nossas relações sociais (SPINK, 1995, p. 122).

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