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5 A MULHER FRAGMENTADA: SEU CORPO NA ATUALIDADE

5.5 MULHER OBJETO X SUJEITO MULHER

Existe a construção e a disseminação de uma imagem de mulher sexualmente desejável que é identificada como aquilo que todos os homens devem aspirar e possuir, podendo ser incorporada pelas mulheres como aquilo que elas devem ser ou se tornar para poder obter uma valorização social.

Nas propagandas de cerveja veiculadas pela mídia não existe a preocupação com um discurso crítico sobre a utilização do corpo feminino. São imagens “jogadas” para os telespectadores, que assumem uma visão passiva da problemática em questão. A discussão “passiva” do telespectador está relacionada à falta de tempo para traduzir, processar e interpretar a quantidade de imagens emitidas pela televisão. Assim, as imagens transmitidas pelos meios de

comunicação como televisão, jornais e revistas reproduzem representações de mulheres modernas, dinâmicas, independentes... e “coisificadas”.

Nas propagandas da Skol “Gelo”, Skol e Nova Skin, as mulheres estão como sujeitos dos comerciais, elas interagem, comentam, opinam, têm atitude, poder de escolha e decisão. Porém, nos comerciais da Itaipava, Itaipava “Bar”, Kaiser, Antártica e Brahma “Fresh” percebemos que as mulheres estão ali como objetos, associadas ao consumo da cerveja e, por extensão, ao consumo dos seus corpos (Quadro 12). Elas não falam, são exibidas somente através de gestos, dos olhares sedutores e do jogo de sedução no corpo, nos gestos, na boca entreaberta. As roupas por elas utilizadas contribuem para a exibição dos seus dotes físicos: são roupas justas, curtas e decotadas (biquínis, shorts, saias, tops).

MULHER PROPAGANDAS

SUJEITO DE CONSUMO OBJETO DE CONSUMO 01 – Itaipava “sem comparação” X

02 – Skol “gelo” X − 03 – Itaipava “Bar” X 04 – Kaiser X 05 – Skol X − 06 – Antártica X 07 – Brahma Fresh X

08 – Nova Skin “São João” X

TOTAL 3 5

Quadro 12 − Mulher aparece como sujeito de consumo x objeto de consumo nas propagandas analisadas

Fonte: Levantamento da autora, 2007 (Apêndice A}.

01 −−−− Itaipava (Apêndice A1)

Aqui, há ênfase em situações “sem comparação”: encontrar três garotas despidas em uma praia deserta é “sem comparação” para os rapazes. E a propaganda evidencia e valoriza essa temática.

03 −−−− Itaipava “Bar” (Apêndice A3)

Tem o mesmo slogan − coisas sem comparação −, agora, em um ambiente de bar, em um momento de muita alegria e descontração, as garotas estão mais uma vez sendo associadas a esse momento “sem comparação”. Elas aparecem dançando, sorrindo, com roupas justas e decotadas.

04 Kaiser (Apêndice A4)

Apresenta garotas que trabalham em uma fábrica onde existe um controle de qualidade, fazendo a associação entre seus atributos físicos (corpo, beleza) e a avaliação da qualidade.

06 −−−− Antártica (Apêndice A6)

A mesma associação acontece no comercial da Antártica, que se passa no “Bar da Boa” do qual a atriz Juliana Paes é a dona.

07 −−−− Brahma “Fresh” (Apêndice A7)

Aparecem garotas dançando em um palanque na beira da praia. Em todos os comerciais, as imagens são as mesmas, mulheres de faixa etária de 25 a 30 anos, pele clara, cabelos compridos, corpos magros, torneados, trajes decotados e curtos. Nos comerciais, elas não demonstram ou não tecem uma opinião; a aparição nas imagens que seguem está voltada para seus corpos (atributos físicos), e não para o que pensam ou acham sobre a cerveja ou sobre qualquer outra coisa referente ao comercial. Estão como figurantes de um personagem principal, também feminino: a cerveja.

Os discursos dominantes veiculados nas propagandas de cerveja contribuem para perpetuar a dominação masculina, acarretando a reiteração da discriminação da mulher no âmbito público e, principalmente, no privado, pois ela é vista somente como um corpo bonito e desejável.

Os sujeitos sofrem, ao mesmo tempo, a ação das relações sociais e agem sobre elas, construindo individualmente ou coletivamente, suas vidas, por meios das práticas sociais. Apesar das mudanças sociais decorrentes da emancipação feminina, o discurso que vigora é o essencializante, de que as mulheres são sedutoras, naturalmente preparadas para a maternidade e socializadas para o casamento. As mulheres continuam sendo vistas através dos estereótipos de 50 anos atrás e, agora, carregam, também, a sexualidade exacerbada, um dos fardos da sociedade pós-revolução sexual, que liberou as correntes que prendiam os desejos femininos, trazendo, porém, à tona, o corpo da mulher na publicidade e na mídia em geral.

Os resultados comprovam as desigualdades de gênero, a presença de estereótipos e preconceitos que, durante tantos anos, circulam em nossa sociedade. Os discursos midiáticos e, sobretudo, os discursos publicitários ajudam a criar e a manter não só as identidades de gênero, mas, também, modelos de comportamento

que reforçam disparidades. Cabe à publicidade refletir a forma como os padrões socialmente estabelecidos estão instaurados.

Dessa forma, as propagandas adquirem relevância tanto na construção como na desconstrução das representações das mulheres.

Tanto a produção de significados, quanto as narrativas que ‘contam’ as identidades culturais não são processos que se constituem e se estabelecem de forma tranqüila. Elas ocorrem em meio a conflitos, são negociados em meio à luta por hegemonia. (SABAT, 2005, p. 93).

A noção subjacente é a de que todo conhecimento é mediado pela linguagem e, portanto, também metafórico. Modelos e teorias funcionam como metáforas complexas, ou se utilizam de associações metafóricas para criar significados. Logo, a tarefa principal da desconstrução é expor essas associações e as conseqüências práticas da sua aplicação. (SARDENBERG, 2002, p. 95).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

UM OLHAR DENTRE TANTOS OUTROS...

Nos últimos vinte anos, as imagens produzidas pelas propagandas que evocam as diferenças de gênero já não exibem somente um cenário de domesticidade, mães felizes, esposas realizadas e donas de casas eficientes. Os arranjos da contemporaneidade realizam a desconstrução dos limites entre o público e o privado, ao trazer à cena imagens de mulheres como chefas de casa, trabalhando na esfera pública, administrando suas vidas de forma autônoma e independente. Porém, apesar dessas novas representações sobre as mulheres, como emancipadas e detentora de poder, ainda se perpetua a reprodução de modelos tradicionais agora inseridos em uma nova roupagem, em outros contextos sociais.

A discussão sobre as relações de gênero nos permitiu teorizar sobre as relações de poder estabelecidas dentro da sociedade. Segundo Scott, gênero “é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é o primeiro modo de dar significado às relações de poder” (1995, p. 14). Concordo, também, com Costa (1998) quando afirma que as relações de poder se mantêm porque os vários atores, dominadores e dominados, “aceitam” as versões da realidade social que nega a existência de desigualdades.

A linha entre a independência feminina e a sua subordinação é muito tênue. A questão está mais no âmago, no privado. O que está em questão não é seu poder aquisitivo, seu ingresso no mercado de trabalho, nem a sua participação política, pois, segundo Bourdieu, “[...] a independência econômica, condição necessária, não é suficiente por si mesma para permitir que a mulher se livre das pressões do modelo dominante, que pode continuar a povoar os habitus masculinos e femininos” (1999, p. 127).

Isso quer dizer que todas essas questões são válidas e importantes, porém, é preciso perceber que a construção e a circulação de representações conservadoras e tradicionais sobre as mulheres fazem com que se perpetuem no imaginário social, representações estereotipadas com teor sexista e racista. O que está em questão, é a reiteração de valores tradicionais sobre as mulheres nos discursos produzidos pela mídia. E essa reiteração ocorre quando as propagandas utilizam o corpo feminino associado ao uso e consumo de produtos quando fazem uma associação do prazer, do desejo e do consumo do produto vinculado com o corpo feminino, objetificando-o.

Segundo Bourdieu “O poder simbólico não pode se exercer sem a colaboração dos que lhe são subordinados e que só se subordinam a ele porque o constroem como poder” (1999, p. 52), ou seja, as mulheres aceitam e legitimam o discurso homogêneo das representações sobre as mulheres seguindo os valores dominantes e tradicionais que a sociedade lhe atribui: passiva, submissa, sensível, objeto de prazer e desejo, etc.

Ser mulher e ser homem, insere mulheres e homens em um contexto relacional de poder que, historicamente, tem sido diferenciado e desigual. Desse modo, as representações sociais são também relações de poder produzidas ou realizadas em circunstâncias sócio-históricas particulares, por indivíduos possuidores de diferentes graus de poder, servindo, em situações específicas, para manter ou romper essas relações, estando sujeitas a múltiplas, e talvez divergentes e conflitantes, interpretações, pelos agentes sociais que os recebem e os percebem no curso da sua vida cotidiana.

Nos últimos quinze anos, o movimento feminista atuou de maneira intensa no campo da comunicação informativa, como forma de pautar suas bandeiras de luta e também denunciar essa imagem estereotipada da mulher veiculada na grande mídia. A discussão perpassa o trabalho de conscientização e a crítica da forma como as imagens das mulheres estão sendo abordadas.

A elaboração da Carta de Brasília (Anexo A) é um desses exemplos. Nela está incluída a discussão sobre a qualidade dos comerciais, dos conteúdos televisivos e, também, da imprensa em geral, juntamente com suas pautas sexistas e racistas − com estereótipos e clichês que discriminam mulheres, idosos, negros, homossexuais e deficientes físicos.

No âmbito acadêmico, existe uma produção considerável sobre a imagem da mulher na mídia (FUNCK, 2005; BISOL, 2005; SABAT, 2005), porém, o que se

constata é que “esses estudos, no entanto, poucos ultrapassaram as fronteiras da academia e do movimento”, acredita Jacira Melo,

Então, neste campo cultural simbólico, há uma diferença entre política e ação política. Sem dúvida o feminismo tem um olhar crítico para a área de entretenimento, mas apesar dos esforços esta área não tem sido alvo de ações coletivas e estratégicas entre nós.8

Durante a preparação para as mobilizações do dia 8 de março, no ano de 2007, diversas entidades feministas apostaram em uma ação estratégica pela visibilidade da mulher na mídia. Depois da coleta de mais de 500 assinaturas, apresentaram ao Ministério Público Federal um pedido de uma semana de direito de resposta nos canais de TV, em função da discriminação sofrida, cotidianamente, pelas mulheres, por parte das emissoras abertas. O processo resultou na realização de uma audiência pública com representantes das empresas e na formação de uma comissão com a proposta de fazer um acordo para a veiculação de campanhas e programas específicos voltados à valorização da diversidade na imagem da mulher veiculada pela mídia.

As emissoras, representadas por suas associações de classe Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), se recusaram a assinar qualquer compromisso com a alegação de que sempre estiveram abertas a sugestões, mas que não aceitavam qualquer “interferência em sua programação”. As negociações ainda estão em andamento, mas dessa iniciativa nasceu a Articulação Mulher e Mídia, que reúne entidades do movimento de mulheres de todo o Estado de São Paulo. A articulação atuou fortemente, na II Conferência Nacional, na defesa do eixo específico de comunicação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) e agora pretende se tornar um espaço nacional de debates e ações em torno do tema. Explica Rachel Moreno, uma das pessoas à frente da articulação:

Queremos nos ver, em nossa diversidade, na TV pública e na comercial; queremos que as concessões de TV contemplem mais sua responsabilidade social; queremos a democratização ao acesso e nosso direito à comunicação; e queremos estabelecer um mecanismo de controle social sobre o conteúdo e a imagem da mulher na TV, uma espécie de observatório da mulher na mídia. (apud BARBOSA, 2007).

O movimento feminista tem, também, apontado como estratégia o uso de tratados e convenções internacionais como forma de garantia dos direitos das mulheres nos meios de comunicação.

O quadro que temos hoje na mídia é ainda de violação ao princípio da dignidade humana, consagrado na Constituição Federal e base do Estado Democrático de Direito. O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais de direitos humanos e temos que invocá-los ao trabalhar por uma mídia não-discriminatória”, afirma Valéria Pandjiarjian, do Cladem.

Ela citou a Convenção sobre todas as formas de discriminação contra a mulher, a Convenção de Belém, de 1994, e a Plataforma de Ação de Pequim como instrumentos internacionais que afirmam o papel do Estado em transformar padrões socioculturais discriminatórios e sua obrigação de atuar diante desta discriminação, mesmo que cometida por agentes não-estatais – incluindo a mídia. “Se não temos um marco regulatório, que permita uma intervenção mais pró-ativa, por que não trabalharmos com o marco dos direitos humanos, que obriga o Estado e as organizações a respeitarem a dignidade humana?”, questiona Valéria. “As TVs são concessões públicas e precisam zelar pelo que veiculam. Por que estariam acima do bem e do mal? Estamos falando de empresas que lucram muito com a exploração da imagem da mulher”, aponta. (BARBOSA, 2007).

Concomitantemente, leis estão sendo implementadas para que se proíba a veiculação e a associação da mulher e, mais precisamente, do seu corpo, com o consumo de cerveja. Por exemplo, o projeto de lei da Deputada Iara Bernardi (PT- SP), proibindo a veiculação de propagandas que utilizem imagens sensuais ou pornográficas em qualquer meio de comunicação do País (Anexo B). A proposta prevê multas de R$ 10 mil a R$ 100 mil para o veículo, agência ou empresa que descumprir a proibição, além de pena de prisão de 1 a 4 anos em caso de exibição de peças eróticas que envolvam crianças e adolescentes. Esse projeto foi criticado pela Associação Brasileira das Agências de Propagandas (ABAP) que considera que o controle já é feito pelo Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar).

Com efeito, o Conar foi chamado a responder a várias representações das cervejarias Kaiser, Skol e Antártica, umas contra as outras, sobre os direitos autorais da associação entre “mulher e cerveja”, que vinha sendo veiculada nas campanhas publicitárias dessas empresas (CONAR, 2001). Na sua defesa, a Kaiser argumenta que tal associação surgiu de uma pesquisa “[...] na qual 83% dos entrevistados declararam que a Kaiser vai bem com as mulheres”, o que,

supostamente, justificaria tal campanha. Para Sérgio Valente, diretor de criação da DM9DDB9 essa proibição é um acinte à democracia:

Não vou mostrar pessoas esfaqueando às outras, porque isso é um exemplo ruim [...] não se deve criar uma ‘patrulha’ ideológica sobre os criativos. Mas também não acho que vincular mulher bonita a cerveja seja algo machista, isso é brasileiro [...] O único papel da propaganda é o resultado em vendas. Não acredito em campanhas caretas que dêem resultados à empresa. (apud MADUREIRA, 2002).

Atualmente, temos debates sobre controle dos conteúdos veiculados na televisão, sobre classificação dos programas por faixa etária ou sobre a instituição do direito de resposta na televisão. As televisões comerciais reagem a tudo isso usando a linguagem das lutas sobre liberdade de imprensa para criar antipatia pública diante de qualquer tentativa de controle social dos meios de comunicação. A meu ver, é necessária a inclusão do controle de conteúdo, desconstruindo a idéia de censura que vem à tona quando se fala de monitoramento da programação.

Há ações exemplares, de justicialidade, sobretudo em relação às propagandas abusivas. Uma delas, promovida pelo Cladem, tirou de circulação, em 2003, um comercial de uma cervejaria cujo slogan era: “mulher e Kaiser, especialidade da casa”. Foi instaurado um inquérito civil pelo Ministério Público Federal (MPF) e firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) (Anexo C), com a publicação de um anúncio em um jornal e uma revista e a realização de seminários regionais sobre o tema, financiados pela empresa. Porém, atualmente, a cervejaria Kaiser tem promovido propagandas com o mesmo teor preconceituoso e estigmatizante sobre as mulheres.

Há outro processo correndo no MPF que diz respeito à campanha "Musa de Verão", da cervejaria Skol (2006) (Anexo C). Uma escultura de mulher em tamanho natural, cartonada, reproduz a foto de uma modelo trajando biquíni e o texto sugere clonagem, oferecendo o “produto” para que clientes o levem para casa. A propaganda foi suspensa dos canais de televisão, embora ainda possa ser vista no YouTube. A ministra Nilcéa Freire reconheceu que, de modo geral, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) não tem acionado judicialmente as instâncias quando um direito constitucionalmente garantido é desrespeitado. Mas confessou

9 A DM9DDB é uma agência de publicidade brasileira, de origem baiana, fundada em São Paulo, em

setembro de 1989, por Nizan Guanaes e João Augusto Guga Valente, que compraram a marca DM9 antes usada regionalmente na Bahia.

que isto deve ser feito com relação à propaganda e também a outras questões, admitindo a possibilidade de transversalizar a discussão desses casos realizando audiências (até mesmo através de videoconferências) com diferentes ministérios, secretarias especiais e grupos demandantes.

No último encontro “Mulher e Mídia 4”, promovido pelo Instituto Patrícia Galvão10, realizado em setembro de 2007, no Rio de Janeiro, pude observar como as discussões e questionamentos necessitam ser organizados de forma relacional. O desafio, agora, na avaliação desse Instituto é combinar diversas estratégias, de forma complementar: Promover uma política de conscientização de gênero para homens e mulheres, incentivar as mulheres como produtoras de conteúdo, fazendo um mapeamento do que já existe em termos dessa produção e oferecendo formação para a atuação no campo audiovisual, investir em pesquisas sobre a representação da imagem da mulher na mídia e conhecer melhor as formas de recepção dessas imagens, esses foram os aspectos levantados no Encontro.

Na esfera publicitária, alguns profissionais têm trazido para o debate o papel social das propagandas. Segundo eles, as propagandas criam desejos e intensificam coisas boas e ruins da sociedade e os profissionais da propaganda podem, e devem, influenciar uma mudança de atitude por parte dos sujeitos, não apenas se preocupar em criar peças éticas mas, também, em transmitir mensagens que contribuam para uma maior conscientização em relação a várias questões sociais como a diversidade cultural e racial, as questões de etnia, gênero, geração, opção sexual, política dentre outros.

Por outro lado, é necessário despertar a consciência do consumidor, a fim de sensibilizá-lo para que exija uma mudança de postura das empresas que fazem parte da sua vida. A psicóloga Rachel Moreno11 do “Observatório da Mulher”12 propõe a estratégia radical de boicote a produtos cuja propaganda agrida a dignidade ou direitos de consumidoras/es, “caso contrário, estaremos fadadas a viver no país que tem as bundas como imagem”, citando o exemplo da campanha “Levanta Brasil”, das meias Trifil e lembra:

10 Organização não governamental criada em 2001 que tem por objetivo desenvolver projetos sobre

direitos da mulher e meios de comunicação de massa.

11 Participação no Encontro A mulher e a Mídia 4.

12 O Observatório da Mulher foi fundado em outubro de 2005, por um grupo de feministas

independentes, visando construir novos espaços de atuação. O Observatório da Mulher busca contribuir, resgatar e tornar visíveis as lutas das mulheres no Brasil.

80% das decisões de consumo são feitas pelas mulheres – mas este poder é exercido individualmente, nos pontos de venda. Precisamos de uma rede que nos permita organizar coletivamente esta decisão. É importante nos comunicarmos para articular isto.

Para ela,

Os modelos que nos são colocados pelos meios de comunicação influenciam na formação da nossa subjetividade. O que passa na TV está aceito, e este modelo é eurocêntrico: branco, alto, magro. Eu, como mulher brasileira, não me reconheço nesta diversidade.

Este estudo refletiu sobre os discursos inseridos nas propagandas de cerveja transmitidos pela mídia. Acredito que as representações veiculam noções existentes na sociedade, reproduzindo crenças, valores e identidades sociais, retratando alterações históricas e contribuindo para a perpetuação ou transformação das relações sociais. As propagandas transmitem imagens que transitam significados que se fazem públicos e em que se impõe o consenso de ideologias dominantes que precisam ser revistas e transformadas. A proposta é tornar visível a discussão sobre as relações de gênero e de poder que nos interpelam através da mídia e proporcionar espaços para que se vislumbrem novos discursos.

A afirmação das diferenças e subjetividades, das identidades de gênero, étnicas e raciais, é uma das tendências da contemporaneidade. Nesse contexto, os meios de comunicação, em resposta ao seu papel de formação da opinião pública e de difusão de informações e valores, poderiam inovar e incentivar essa pluralidade. No sentido contrário, segue a prevalência, na mídia, da homogeneização das representações nacionais e da imposição de padrões sociais. As representações significam por elas mesmas e representam coisas que podem ser vistas como “naturais”, a reiteração do já estabelecido, do discurso dominante.

Para Lauretis (1994), a representação de gênero se constrói na mídia, nas escolas, nos tribunais, na academia, na comunidade intelectual e, até mesmo, no feminismo, e segundo ela, de forma paradoxal, a construção de gênero se faz