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I.IX O armorial e sua expressão nas artes

I.IX.III A Música

A música foi a arte que mais rapidamente se desenvolveu no Movimento Armorial. As suas etapas correspondem também à aparição do Movimento e à sua

evolução. As pesquisas de Suassuna na área musical começam já em 1946 quando, ao ingressar no curso de Direito, conhece um grupo de artistas, dentre eles, Capiba, músico conhecido e autor de numerosas canções carnavalescas. A partir de 1950 Suassuna começa a escrever alguns artigos e reflexões sobre música que servirão de esboço para a teoria da música armorial. A música era mais um dos caminhos para a recuperação do espírito mágico do romanceiro, na tentativa de criar uma música brasileira a partir da música popular. Segundo Suassuna, a música sertaneja é a que melhores condições oferece para a criação dessa música armorial, uma vez que na sua raiz está a música indígena, a ibero-árabe ou ibero-mourisca e o canto gregoriano - esses dois últimos fazem parte do conjunto do romanceiro ibérico que foi introduzido pelos missionários durante a colonização. O sistema modal nordestino é herdeiro directo do canto gregoriano. O próprio romanceiro ibérico doou para o armorial não só os seus cantares e as suas músicas, mas o espírito medieval, apesar de, cronologicamente, boa parte dos romances pertencer já ao período barroco. Ariano, em comunhão com o pensamento do escritor e pesquisador modernista Mário de Andrade, adverte que o compositor armorial deve considerar o folclore do ponto de vista documental e de inspiração, mas não deve limitar-se a uma única influência sob o risco de fazer uma música ameríndia, portuguesa e nunca brasileira, assim como o povo brasileiro, a arte brasileira é miscigenada.

No rastro deste pensamento, em 1969, é formado o primeiro Quinteto armorial, constituído por duas flautas (José Tavares de Amorim e Rogério Pessoa), um violino (Cussy de Almeida), uma viola de arco (Jarbas Maciel), percussão (José Xavier) que lembra o zabumba – espécie de tambor popular. A fim de compensar a ausência da viola nordestina dos cantadores, um violão, com Henrique Annes, é acrescentado ao Quinteto. No ano seguinte, no âmbito do Conservatório de Música de Pernambuco, seu director, Cussy de Almeida, funda uma orquestra de cordas que integra os membros do Quinteto e dá-lhe o nome de Orquestra Armorial de Câmara, mais conhecida como Orquestra Armorial que, integrando membros do Quinteto, participaria da proclamação do Movimento. Na Orquestra Suassuna era o responsável pela encomenda e selecção das partituras e a orquestra, pela execução das músicas. Em 1971 é formado um segundo Quinteto Armorial, elaborado conforme desejava Suassuna, com instrumentos populares - já que para o autor não só o timbre e a melodia popular era importante, a instrumentação popular era imprescindível -. Forma-se assim o quinteto com uma viola nordestina (António José Madureira), violão (Edilson Eulálio), violino (António Carlos Nóbrega) e dois outros músicos do “primeiro quinteto” – Jarbas Maciel, na viola e José

Tavares de Amorim, na flauta. Será esse Quinteto, provisoriamente transformado em quarteto, por conta da saída de Jarbas Maciel, que irá participar da segunda exposição armorial, em 1971. Dois instrumentos populares entram no Quinteto, o marimbau80 com Fernando Torres Barbosa, em 1972 e em 1973, o pífano (ver nota nº 30). O Quinteto então torna-se um grupo autónomo, entretanto mantém relações artísticas e amistosas com Suassuna, que além de seu fundador é mestre e conselheiro. No entanto é António José Madureira, prestigiado compositor e maestro, que se torna o responsável pelo grupo. Outros membros do grupo também são compositores com António Carlos Nóbrega e Egildo Vieira. O Quinteto deixou como registo alguns discos com composições de Guerra Peixe – considerado um dos maiores compositores brasileiros -, Capiba, bem como dos seus próprios membros. Posteriormente, o Quinteto foi contratado pela Universidade Federal da Paraíba e passou a residir em Campina Grande, no interior do estado, onde em contacto mais directo com cantadores e músicos populares aprofundaram as suas pesquisas que ficaram registadas em três discos:

Quinteto Armorial, com a participação da Orquestra Romançal Brasileira; Sete Flechas

e um disco exclusivamente de pesquisa, realizado por António José Madureira,

Instrumentos Populares do Nordeste.

Em 1975 Ariano Suassuna assume o cargo de Secretário de Educação e Cultura do Recife, na gestão do presidente da câmara António Farias, o que lhe possibilita juntamente com António José Madureira, a criação da Orquestra Romançal81 Brasileira. A Orquestra Romançal Brasileira acrescenta à estrutura da Orquestra Armorial, instrumentos usados pelo povo em conjuntos camerísticos dos espectáculos populares: dois violinos, equivalentes a rabecas mais agudas; uma viola-de-arco, rabeca mais grave; três marimbaus, duas flautas, uma viola-sertaneja, três percussionistas, um

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“Instrumento popular muito difundido como berimbau, de origem africana. Consiste num arco de madeira estendido entre as extremidades. Numa das extremidades ou no centro, prende-se uma casca redonda, de côco, com uma abertura circular que o músico apóia sobre o peito ou a barriga, e que serve de caixa de ressonância. O som é obtido por percussão da corda com os dedos ou uma varinha metálica”. ALVARENGA, O. Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Globo, 1950, apud SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Op. Cit. p. 186.

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“Neologismo que como armorial remete para um feixe semântico convergente. Romance designa em primeiro lugar esse amálgama de dilaectos do baixo-latim, língua popular que foi origem das línguas românicas; é também o termo utilizado , por extensão, para as poesias orais cantadas em romance, em oposição à cultura letrada, escrita em latim. Pouco a pouco a palavra torna-se mais específica e passa a designar uma forma específica de poesia (…) o termo amplia seu campo e designa, mais tarde, toda a literatura narrativa em prosa, concorrendo com o termo novela. Enfim, romance remete para o imenso romanceiro popular brasileiro, a esses romances e folhetos, orais e escritos, cuja estrutura narrativa herdada da Europa adaptou-se tão perfeitamente aos temas e às vozes nordestinas. No plano musical, Suassuna rejeita a conotação romântica e lírica da romança (composição, em geral curta, para canto e piano, de cunho sentimental ou patético, típica do século XIX), para exaltar o romance definido como composição polifónica”. SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Op. Cit. p. 31 e 63.

clarinete, um trombone-de-vara, um trompete e dois cantores. A opção por inserir dois cantores permite introduzir o canto, em particular, dos romances tradicionais de origem ibérica, como o Romance da Bela Infanta. Em seu concerto inaugural a 18 de Dezembro de 1975 Suassuna afirma que a Orquestra Romançal Brasileira representa de facto o Movimento Armorial na área musical. A música Armorial criou um ambiente propício à música nordestina, bem como revelou através dessa via de criação, o que a cultura brasileira tem de extra-europeu.