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I.IX O armorial e sua expressão nas artes

I.IX.II As Artes plásticas

Nas artes plásticas e na música, o Movimento também encontrou terrenos férteis. Tanto quanto a literatura, as artes plásticas estão no centro do Movimento e foram a base de pesquisa de onde Suassuna tirou a definição de armorial. Lembrem-se que foi através de um concerto e uma exposição que se fez a proclamação do Movimento

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VASSALO, Lígia Maria Pondé. Cadernos de Literatura Brasileira. Op. Cit. p. 150. 79

Armorial, facto renovado em 1971. Durante sua gestão no DEC, Suassuna instaurou uma época de compras, encomendas e bolsas de pesquisa para jovens artistas, a fim de que pudessem se dedicar exclusivamente às artes. Esta política permitiu o desenvolvimento de muitos talentos e a revelação de outros tantos. Quando saiu em 1973, seu sucessor, amigo e armorialista, Marcus Accioly prossegue o seu trabalho e cria, em 1977, uma pinacoteca onde encontram-se presentes, lado a lado, obras de artistas populares e eruditos, a maioria, artistas armoriais.

Nas artes plásticas a xilogravura ‘comanda’ a produção. Para Suassuna três elementos essenciais definem a estética da pintura armorial: o parentesco com o espírito mágico e poético do romanceiro; a semelhança com os brasões, bandeiras e estandartes dos espectáculos populares, a dimensão heráldica e emblemática das imagens; a complementaridade das artes - elemento essencial em todas as áreas artísticas que tentaram desenvolver a ‘armorialidade’ – como a poesia e o teatro, a música e a gravura encontram-se e conjugam-se no folheto, as inter-relações plásticas devem-se manter estreitas, deste modo, a pintura com a cerâmica e a tapeçaria, a arquitectura com a pintura e a cerâmica, a gravura com a pintura e a escultura, enfim, a ordem é arbitrária, só o diálogo é necessário. A essas considerações gerais deve-se ainda acrescentar alguns detalhes técnicos como a ausência de perspectiva, de profundidade e de relevo, que lembram as características da gravura de Gilvan Samico que juntamente com Francisco Brennand é um dos nomes de referência nas artes plásticas para o Movimento Armorial.

Suassuna conhece tanto Brennand quanto Samico ainda na juventude, nos finais dos anos 40. Ariano e Brennand assumirão nos anos 50 e início dos 60 posturas e atitudes semelhantes no que concerne a questões artísticas em geral e à concepção da obra, em particular. Os três desenvolveram trabalhos em conjunto na Sociedade Moderna de Recife (SAMR) criada por Abelardo da Hora que iniciou Brennand na cerâmica. Com a criação do Atelier Colectivo Samico uniu-se ao grupo, entretanto ele e Brennand têm caminhos bem distintos. Brennand é um artista erudito que desde a infância teve contacto com as artes, seu pai, Ricardo Brennand, era dono da Fábrica de Cerâmica São João da Várzea e foi lá que começou a desenvolver seus dotes artísticos, que foram aprofundados em anos de estudo pela Europa. A sua volta para o Brasil foi literalmente uma volta às origens e isso marca também a sua obra. A crítica nunca chegou a um consenso sobre seu trabalho, para alguns é considerado primitivo, naif, tropicalista, pop, neobarroco, para outros Brennand é simplesmente Brennand, sem rótulos, que desenvolveu uma obra singular que se expressa na pintura, cerâmica e

escultura. Sua pintura, após uma primeira fase marcada pela influência francesa, é nacionalista, com um período floral, representando a zona da mata e a Amazónia, após a qual resolve dedicar-se a uma série de nus. Brennand nunca se proclamou armorial, recusou-se sempre a encaixar-se a uma corrente por acreditar que qualquer adesão a uma escola ou movimento limitaria a sua obra, e a sua posição singular e vanguardista impede mesmo a sua integração ao Movimento, contudo Suassuna identifica em sua obra pontos fundamentais da arte armorial como a confluência da raiz barroca com a popular a fauna e a flora por ele pintados de forma tosca com cores primárias, o traço grosseiro popular e brasileiro de seus murais onde destaca-se a cerâmica mural A

Batalha de Guararapes, de 1961, com seus cajus e flores emblemáticas, por esses

motivos as obras de Brennand figuraram as duas primeiras exposições de arte armorial. Mesmo sem ‘ser’ armorial, Suassuna viu em Brennand uma concepção única de arte que apontava novos caminhos de modo emblemático e multiforme dentro de uma obra complexa, popular, erudita e moderna.

No contraponto está Gilvan Samico, um artista popular, gravador por excelência. Samico teve sua formação no Atelier Colectivo de Abelardo da Hora e foi aluno de Goeldi, desenhista, gravador e professor que participou da Semana de Arte Moderna de 1922 com desenhos e que a partir de 1924 dedicou-se à gravura em madeira. Alguns anos mais tarde, o escritor Raul Bopp pediu-lhe que ilustrasse seu poema Cobra Norato que falava do mundo amazónico. Aí a necessidade de cor tornou-se imperativa, Goeldi então resolve introduzir cor em suas gravuras o que, até então não era feito. Samico não esqueceu as lições do mestre e também particularizou as suas gravuras com um toque colorido sobre bichos, plantas, signos e símbolos. Para Samico a inspiração encontrada na gravura popular é tão importante quanto o carácter artesanal da sua técnica. O seu trabalho mantém sempre um diálogo íntimo e estreito com o folheto de onde suga os temas para as suas obras. As características formais do trabalho de Samico – o achatamento dos traços, a figuração estática, a utilização de cores puras, a temática do romanceiro, a xilogravura, serigrafia e pintura - tiveram uma influência fundamental para a definição da posição teórica da pintura armorial. Suassuna chega mesmo a considerar que a concepção artística de Gilvan Samico faz dele o artista armorial mais completo.