• Nenhum resultado encontrado

arauto e preservador da sua cultura.

2007 não pára por aí e Ariano Suassuna no início do ano foi nomeado Secretário Estadual de Cultura pelo governador Eduardo Campos. Em sua tomada de posse divulgou as linhas que vão nortear a sua gestão, que terá por função divulgar a cultura brasileira, com base nas raízes do povo. Reiterando o objectivo de toda uma vida disse que “há alternativas para evitar a descaracterização e vulgarização da cultura

brasileira”101 e que pretende levar às favelas e periferias o projecto "A Onça Malhada,

a Favela e o Arraial", através do qual pretende mostrar as manifestações de música,

dança e teatro brasileiros. Vale chamar a atenção para o facto de que este já é o terceiro mandato de Ariano Suassuna como Secretário de Cultura (1975, 1995 e 2007). Em suas três gestões sempre desenvolveu uma política voltada para o fomento à arte brasileira e popular. “Tenho espírito público, gostaria de fazer pela cultura brasileira mais ainda

do que faço, porque, sem julgar que todo mundo deva ser como eu, acho que tenho obrigações de indicar caminhos brasileiros no maior número possível de campos artísticos e literários que me seja possível”102.

Uma última nota vai para o Movimento Armorial. Se o Movimento enquanto fenómeno cultural acabou naquele 9 de Agosto de 1981, com o anúncio da retirada de Suassuna da vida pública e literária, o armorial e a armorialidade não. O armorial desde 1981 até os dias de hoje existiu de facto através das obras que continuaram a serem feitas, encenadas e publicadas quer por Suassuna ou por outros artistas. A armorialidade permanece como uma atitude íntima e um posicionamento individual, procurado por muitos jovens artistas brasileiros tanto nas artes plásticas, quanto na música e no teatro, que vêem na armorialidade uma veia de expressão genuinamente brasileira. Dos artistas da época do Movimento, António Carlos Nóbrega é um dos que prossegue seu trabalho fiel aos preceitos armoriais com êxito e que tem um público cativo que o acompanha. Na nova geração de artistas destaca-se o grupo carioca103 de música armorial chamado

Gesta, em explícita alusão às cantigas de gesta, uma das referências suassunianas.

Segundo Ariano104, há ainda muitos núcleos armoriais para além do Nordeste – seu espaço de excelência – como, por exemplo, em Minas Gerais e São Paulo.

I.XII – Conclusão inconclusiva

101

SUASSUNA, Ariano. In: Jornal O Globo Online (www.oglobo.globo.com). Ariano Suassuna diz que

quer evitar a vulgarização da cultura brasileira. 18 de Abril de 2007.

102

SUASSUNA, Ariano. Apud SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Op. Cit. p. 31. 103

Quem nasce no Rio de Janeiro. 104

Começamos esse capítulo defendendo que em Ariano Suassuna vida e obra são inseparáveis. O próprio autor sinalizou-nos isso quando afirmou que “para mim, o

fundamental é escrever (...) literatura e vida são uma coisa só”105.Acreditamos que provamos o quanto esta assertiva é verdadeira. O Movimento Armorial, para além de um movimento cultural, é o próprio projecto de vida de Suassuna. Criador e criatura em um único corpo ramificado através da sua produção e das sementes que espalhou Brasil afora. A exegese que Ariano tenta construir está bem escrita e fica para nós a certeza de que tanto o romanceiro ibérico quanto o nordestino fazem parte da herança cultural universal, artistas populares e armoriais, ao dividirem essa matéria, também tornam-se parte deste património cultural.

A referência ao texto popular sempre constante no texto armorial é utilizada pelos armorialistas como forma de legitimar as suas palavras através do peso da tradição colectiva que existe no folheto. A filiação ao popular constantemente reafirmada na produção armorial ao tentar unir duas culturas distintas em uma mesma obra artística, evidencia a lacuna entre o popular e o erudito. Essa distância (entre o popular e o erudito) está no centro do processo de criação e na consciencialização, por parte do artista erudito, de que a sua obra, por mais que tenha referências populares, jamais será uma obra popular, facto que Suassuna não apaga, mas, ao contrário, valoriza e assume:

“eu não faço arte popular porque eu não sou um homem do povo. Seria uma falsificação. Eu me interesso pelas formas de manifestação da cultura popular. A arte popular é a arte do que eu chamo a arte do quarto Estado, usando uma terminologia ligada à Revolução Francesa. Nessa época a sociedade estava dividida em três Estados: nobreza, clero e povo, mas essa definição era feita por Danton, Robespierre, e eles não eram populares (...) de facto havia quatro classes sociais: nobreza, o clero e o que eles chamavam de povo, era subdividido em duas classes: a burguesia e o proletariado, que era integrado pelo operariado urbano e pelo campesino pobre. Isso é o que eu chamo de quarto Estado. No Brasil o quarto Estado é essa imensa maioria de despossuídos que constitui a nossa população. A arte popular é a arte feita pelo povo do quarto Estado. A minha peça [O Auto da Compadecida] é uma peça de um escritor que não pertence ao quarto Estado, mas que se baseia na arte produzida por ele, procurando os mitos que já tenham sofrido uma espécie de sanção colectiva do povo brasileiro”106.

105

SUASSUNA, Ariano. Ibidem. p. 24 e 51. 106

A originalidade deste projecto está em, ao trabalhar com um corpus aberto que é o romanceiro, beneficiar-se de uma estética de criação em constante movimento, uma vez que as obras ao ‘alimentarem-se’ umas das outras estabelecem um ciclo infinito de retomadas, empréstimos e transformações.

Por fim, Ariano Vilar Suassuna é paraibano, teatrólogo, romancista, professor, mas acima de tudo imortal, não por ter sido eleito, em 1989, para a Academia Brasileira de Letras, mas por ter construído uma obra com força e vida suficientes para se eternizar. Contudo, talvez quem melhor o tenha definido seja o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade, que ao ler A Pedra do Reino, afirmou “(…) é preciso merecer

a graça da escrita, não é qualquer vida que gera obra desse calibre”107. Mas com certeza a sua melhor definição é feita por ele mesmo, Ariano Suassuna, “eu acho que

existem na alma humana dois hemisférios, o hemisfério Rei e o hemisfério palhaço. No hemisfério Rei eu coloco tudo o que há de mais elevado e nobre. Se a pessoa exacerbar o hemisfério Rei, ela cai numa excessiva crueldade, torna-se autoritária. É o hemisfério palhaço que equilibra o hemisfério Rei, e isso se dá através do riso (…) entre o hemisfério Rei e o hemisfério palhaço eu tenho dentro de mim um cangaceiro manso, um palhaço frustrado, um frade sem burel, um mentiroso, um professor, um cantador sem repente e um profeta”108.

107

ANDRADE, Carlos Drummond de. In: Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-

Volta. Op. Cit. Orelha do livro.

108