• Nenhum resultado encontrado

2 DIACRONIA E SINCRONIA DA REDE NO SISTEMA DE SAÚDE EM VITÓRIA DA CONQUISTA

2.1 A medicina em Vitória da Conquista: um resgate diacrônico

Presentemente o setor de saúde de Vitória da Conquista pode ser apontado como um dos principais setores da economia local e um importante nó na rede geográfica. No entanto, não foi sempre assim.

O primeiro médico de Vitória da Conquista, João Francisco Viana, em 1854, foi para a então Imperial Villa da Victória para debelar um surto de cólera-morbus (VIANA, 1982), mas ficou por pouco tempo, transferindo-se para Condeúba/BA. Segundo Rocha (2003, p. 20), “O referencial de saúde dos habitantes desta cidade, [...], era com base na medicina popular [...] sendo o atendimento prestado por „entendidos‟. Logo em seguida, com o funcionamento da primeira farmácia, com farmacêutico formado, esse atendimento ficou dividido.”

Somente em 1908, cem anos depois da instalação (1808) da Escola de Cirurgia da Bahia na cidade de Salvador, passou a residir em Vitória da Conquista o seu primeiro médico, Manuel Wenceslau San Juan. (ROCHA, 2003). Natural do Rio Grande do Sul, San Juan foi para a Bahia estudar medicina e, depois de formado, morou em Castro Alves e, em seguida, em Vitória da Conquista por influência do coronel Francisco Santos. Passou alguns anos nessa cidade e mudou-se novamente para Castro Alves, em 1914. Com a chegada desse

profissional, iniciou-se na cidade o atendimento médico profissional11. “Instalou seu

consultório em uma casa ampla na Rua Grande, [...], realizando consultas clínicas, curativos e pequenas cirurgias, [...] os partos [eram] realizados nas próprias casas das parturientes.”

11

“O atendimento médico dava-se em troca de pagamento pelo serviço realizado; outras vezes, quando o paciente não tinha dinheiro, ofertavam-se, ao médico, dúzias de ovos, galinhas, porcos, carneiros, bezerros, vacas ou qualquer outro produto, que nem sempre tinha o sentido de pagamento, apenas de retribuição à gentileza.” (ROCHA, 2003. p. 20).

Capítulo 2 - Diacronia e sincronia da rede no sistema de saúde em Vitória da Conquista

(ROCHA, 2003, p. 20). Esse registro expõe uma situação cotidiana para a época: o médico tinha um consultório fixo, que gerava um fluxo de pacientes, e ele mesmo era parte do fluxo, pois era comum a consulta no próprio domicílio do paciente. O segundo médico a fixar residência em Vitória da Conquista foi Nicanor José Ferreira, natural de Salvador. Ficou na cidade de 1910 até seu falecimento, em 1973.

Na década de 1911 a 1920, foram para Vitória da Conquista dez médicos12. Com a

presença desses profissionais na cidade, o vigário da Paróquia, Monsenhor Olímpio – que

tinha conhecimento de um testamento13 que doava bens para a construção de uma casa de

caridade –, fundou a Conferência Vicentina para viabilizar a construção da Santa Casa de Misericórdia. As primeiras providências para a realização desse empreendimento ocorreram em 1914 e, nos anos subsequentes, o prédio foi construído. Porém, somente em 1919, é que, finalmente, foi inaugurada a Santa Casa de Misericórdia, ainda hoje importante marco da medicina conquistense. A Fotografia 2 apresenta o prédio nos idos de 1917.

Fotografia 2 – Prédio da Santa Casa de Misericórdia

em 1917

Fonte: Rocha, 2003, p. 32.

12

A quantidade de médicos que passou a atuar em Vitória da Conquista de 1909 a 2000 está registrada, por década, em Rocha (2003).

13

Testamento de Antônio Ferraz de Araújo Catão, que, não tendo filhos, deixou herança para várias pessoas “[...] e, o mais que sobrar de minha meiação deixo para se criar na Vila da Vitória uma Casa de Caridade a bem da pobreza e desvalidos”. (TESTAMENTO de Catão. In: VIANA, Aníbal Lopes. Revista histórica de

Esse estabelecimento de saúde passou por diversas reformas e ampliações e acompanhou o desenvolvimento tecnológico com a instalação de vários equipamentos. Em 1941, abrigou o primeiro aparelho de Raios X de Vitória da Conquista, permitindo diagnósticos mais precisos. Atualmente em suas instalações, é possível a realização de procedimentos simples e também de média e alta complexidades, além de atendimentos ambulatoriais, de urgência e emergência. Desde a época em que foi edificado, é um importante nó na rede de saúde de Vitória da Conquista.

Naquela época, os médicos não atendiam somente nos consultórios, nas clínicas ou na Casa de Misericórdia. Vários deles percorriam as mais longínquas ruas e viajavam para cidades vizinhas a fim de atender os pacientes. Pode-se afirmar que, além dos nós formados em cada consultório, clínica ou hospital, cada médico representava também um nó na rede de saúde, mas um nó fluido, em movimento constante. A prática de atendimento no domicílio foi se modificando ao longo dos anos. Atualmente é raro um médico se deslocar até a casa do paciente, mas o movimento de percorrer vários hospitais, consultórios e clínicas, às vezes em diferentes cidades, o mantém na situação de um fixo em movimento, um nó fluido.

No ano de 1932, foi a vez de chegar a primeira enfermeira a Vitória da Conquista, o que deu ensejo à criação, na Santa Casa de Misericórdia, da Escola de Educação Sanitária, a primeira do município na área de saúde, que funcionou até o final da Segunda Guerra. Foi fundada “[...] com o fim de incentivar a profilaxia rural e organizar núcleos de auxiliares de enfermagem para a Santa Casa e para a Cruz Vermelha”. (ROCHA, 2003, p. 47). Este exemplo é interessante para demonstrar que uma rede pode gerar outras.

Nas décadas posteriores, outros profissionais da área de saúde, vinte novos médicos de 1941 a 1950 e mais dezesseis de 1951 a 1960, aportaram em Vitória da Conquista. Essa quantidade de médicos impulsionou o setor, e vários estabelecimentos de saúde foram instalados no período. Em 1941, foi “[...] inaugurada a Casa de Saúde Conquista do Dr. José Guena, a primeira clínica particular da cidade [...] e em 1944 foi criada a Casa de Saúde São Vicente, da Santa Casa de Misericórdia, onde eram atendidos os pacientes que podiam pagar”. (ROCHA, 2003, p. 62). Em 1943, foi fundada a Casa de Saúde São Geraldo, iniciativa dos irmãos Fernando e Orlando Ferreira Spínola, que se constituiu no embrião do setor privado de saúde em Vitória da Conquista. Em 1952, foi instalada a Maternidade Régis Pacheco, vinculada à Santa Casa de Misericórdia e, ainda nessa década, foi fundado o Hospital Crescêncio Silveira (denominado na época Hospital Regional de Conquista).

Capítulo 2 - Diacronia e sincronia da rede no sistema de saúde em Vitória da Conquista

Com o crescente número de hospitais e médicos em Vitória da Conquista, intensificou-se o fluxo de pacientes oriundos de outros municípios para atendimento na

cidade. O médico Arlindo Martins, em entrevista14, afirmou que: “Não havia hospitais em

Itapetinga, Itambé e outras cidades, vinha tudo para cá [Vitória da Conquista]. Já operei muita cesárea vindo de Itapetinga, Stênio [médico de Itapetinga] já trouxe muita gente para operar aqui.” (ROCHA, 2003, p. 84). Com a carência de profissionais e estabelecimentos de saúde nas cidades circunvizinhas, a conexão estabelecida com outras cidades se fortaleceu.

No ano de 1959, ocorreu em Vitória da Conquista o primeiro grande evento médico da região, o III Congresso Médico da Bahia, com a presença de médicos da capital. Dez anos depois, realizou-se o IV Congresso, também em Vitória da Conquista. Ao sediar esses dois importantes eventos, Vitória da Conquista solidificou as relações com Salvador, pois os médicos que atuavam na cidade eram formados, em sua grande maioria, pela Faculdade de

Medicina da Bahia15 que, a partir de 1950, passou a se denominar Faculdade de Medicina da

Universidade Federal da Bahia. Na década de 1960, começaram a chegar os primeiros médicos graduados pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, criada em 1953, também na cidade de Salvador. Vitória da Conquista estava, assim, diretamente conectada à capital do estado da Bahia. Essa condição perdura até os dias de hoje, embora, com a expansão dos cursos de medicina no Brasil, especialmente em faculdades particulares, no início deste século começou a chegar a Vitória da Conquista um percentual de médicos formados em outros estados, especialmente em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Entre 1961 e 1970, 25 novos médicos e, de 1971 a 1980, mais 73 profissionais nas mais diversas especialidades passaram a atuar em Vitória da Conquista, quantidade quase três vezes maior que na década anterior.

No início da década de 1970, o município viveu o momento da implantação da lavoura cafeeira na região, e os cidadãos se sentiram estimulados a investir do mesmo modo na cidade. Nesse contexto foi inaugurado, em 1971, o Samur, empreendimento idealizado pelo médico Jadiel Vieira Matos e encampado por um grupo de profissionais que chegara à cidade na década anterior. No ano seguinte, foi inaugurada a Cupe e, em 1978, o hospital Unimec. Esses fixos da rede de saúde ainda estão em pleno funcionamento e atualmente são importantes nós dessa rede.

14

Entrevista publicada em Rocha (2003, p, 83-86).

15

Denominações que essa instituição já teve: Escola de Cirurgia da Bahia (1808); Academia Médico-Cirúrgica da Bahia (1816); Faculdade de Medicina da Bahia (1832); Faculdade de Medicina e Farmácia da Bahia (1891); Faculdade de Medicina da Bahia (1901); Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia (1946); Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (1965). (ESCOLA, [2008?]).

Na década de 1980, 115 médicos passaram a trabalhar na cidade, que se firmou “[...] como grande prestadora de serviços na área médica, com clínicas bem montadas, serviços bem aparelhados e aquisição de novas tecnologias. Coloca-se numa posição privilegiada no contexto médico e na oferta de serviços especializados”. (ROCHA, 2003, p. 167).

Nos últimos anos do século XX e nos primeiros anos do XXI, a medicina conquistense se desenvolveu como nunca em sua história, acompanhando mudanças tecnológicas e políticas. Entre 1991 e 2000, passaram a residir em Vitória da Conquista 126 médicos. Nesse decênio, cresceram os investimentos na área médica com a implantação de novos estabelecimentos, além da realização de melhorias em unidades de saúde já montadas e aquisição de equipamentos de alta tecnologia para a realização de exames.

Nessa década, [1990] Conquista assistiu à criação de novos hospitais, melhoria dos já existentes, modernização do Hospital São Vicente, criação de novos serviços no Hospital Samur (tomografia, mamografia, etc.), reforma estrutural do Hospital Afrânio Peixoto. Inauguração do Hospital Pediátrico do Bairro Brasil – AMIC, ampliação do Hospital Ortoclínica como hospital geral, inauguração da Clínica de Acidentados Ortomed, Clínica de Oncologia – ICON e Oncomed, ampliação da clínica ortopédica – IBR, criação de uma Unidade Coronariana Procordis, reforma da Casa de Saúde São Geraldo, mudanças que se fizeram necessárias pela exigência de uma demanda de âmbito regional e pelo surgimento de novos serviços. (ROCHA, 2003, p. 216).

Além de vários empreendimentos privados realizados na área de saúde na década de 1990, o Estado voltou a investir na construção de grandes unidades hospitalares, com a implantação do Hospital Geral de Vitória da Conquista (conhecido como Hospital de Base) e do Hospital Esaú Matos. O município viveu impactos e transformações em razão das reformas políticas para a saúde, fomentadas com a promulgação da Constituição da República

Federativa do Brasil em 1988. O Art. 6o dessa Carta Magna estabelece que “São direitos

sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta

Constituição.”16

No Título VIII, que trata da Ordem Social, a Seção II versa sobre a saúde em seus artigos 196 a 200 (Anexo A) e institui, entre outros aspectos, que a saúde é direito de todos e dever do Estado. O seu reconhecimento como direito social consolida ideais históricos de cidadania.

16

Capítulo 2 - Diacronia e sincronia da rede no sistema de saúde em Vitória da Conquista

Para garantia do instituído, ficou determinado que as ações e os serviços estatais de saúde deveriam integrar uma rede regionalizada e hierarquizada e se constituir num sistema único de saúde, organizado de maneira descentralizada, com direção única em cada esfera de governo; com atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e com a participação da comunidade. Tais definições constitucionais fomentaram mudanças nos municípios brasileiros.

O Sistema Único de Saúde (SUS), criado na Constituição da República, foi regulamentado dois anos depois, em 1990, com as Leis Orgânicas da Saúde 8.080/90 e 8.142/90, que organizam a estrutura e o funcionamento dos serviços. Em 1996, foi editada a Norma Operacional Básica (NOB) do SUS, 01/96 (NOB-SUS 01/96), que foi sucedida pela Norma Operacional da Assistência à Saúde (Noas), 01/2002 (Noas-SUS 01/02), que, em seu Art. 1º, resolve:

Aprovar, na forma do anexo desta portaria, a Norma Operacional da Assistência à Saúde - NOAS-SUS 01/2002 que amplia as responsabilidades dos municípios na Atenção Básica; estabelece o processo de regionalização como estratégia de hierarquização dos serviços de saúde e de busca de maior equidade; cria mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão do Sistema Único de Saúde e procede a atualização dos critérios de habilitação de estados e municípios. (BRASIL, 2002).

Com o advento das Normas Operacionais do SUS, foi reafirmada a ênfase na descentralização dos serviços para os municípios, que passaram a ser responsáveis diretos pelo atendimento das necessidades e demandas de saúde de sua população – processo conhecido como "municipalização da saúde". Em 2006, a Noas-SUS 01/02 foi substituída pela Portaria 399/GM, que divulgou o Pacto pela Saúde, com vista à consolidação do SUS.

O estabelecimento de estratégias de regionalização e hierarquização dos serviços de saúde impactou diretamente os municípios com maior capacidade de atendimento e de resolução de problemas.

Nesse contexto político, Vitória da Conquista buscou a municipalização e, para sua

viabilização, elaborou em 1997 o Plano Municipal de Saúde 1998 – 2001. Segundo Teixeira e

Solla (2006), o plano teve como premissas:

[...] a mudança na estratégia de intervenção sobre os problemas de saúde, com a reorientação do modelo assistencial e a descentralização das ações de saúde, sendo que a atenção à saúde da família, através do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa de Saúde da Família (PSF), foi eleita como estratégia prioritária. (TEIXEIRA; SOLLA, 2006, p. 178).

O processo de municipalização se concretizou quando Vitória da Conquista foi habilitado à Gestão Plena da Atenção Básica em 1998 e passou a receber os recursos do SUS por via do Piso de Atenção Básica. Esse piso representa um repasse financeiro mensal, regular e direto do Fundo Nacional de Saúde (FNS) para os Fundos Municipais de Saúde (FMS), estabelecido com base em um referencial per capita. Esses recursos “[...] anteriormente estavam, em sua maioria, alocados aos prestadores de serviços privados e unidades hospitalares da Secretaria Estadual de Saúde”. (TEIXEIRA; SOLLA, 2006, p. 177-178). Diante de tal processo, o governo municipal resolveu que todos os procedimentos relativos à atenção básica seriam realizados na rede estatal municipal e que nenhum tipo de prestador de serviço seria contratado para essa finalidade.

Para consolidar a municipalização, foi realizada, em abril de 1998, a primeira seleção para agentes comunitários e, em setembro do mesmo ano, foi implantado o Programa de Saúde da Família (PSF), com cinco equipes na área urbana, “[...] cada uma contando com um médico, um enfermeiro, um odontólogo, três auxiliares de enfermagem, agentes comunitários, auxiliares administrativos, auxiliares de limpeza e serviços gerais e vigilantes”. (TEIXEIRA; SOLLA, 2006, p. 178).

Seguindo a legislação vigente e as estratégias estabelecidas no Plano Municipal de

Saúde 1998 – 2001, foi realizada, em abril de 1999, a IV Conferência Municipal de Saúde,

considerada um marco histórico no setor, por ter aprovado as diretrizes para a implantação de mudanças que culminariam com a habilitação do município à Gestão Plena do Sistema

Municipal de Saúde17, em outubro daquele ano. “Na época houve uma série de

tensionamentos políticos. Existiam alguns prestadores privados e até a câmara de vereadores que faziam oposição sistemática à municipalização da saúde.” (Entrevista com Suzana

Ribeiro18, 2008).

Com a habilitação à Gestão Plena do Serviço Municipal, o município passou a aplicar novas regras para contratação, e isso instalou uma intensa crise entre o poder estatal e os prestadores da iniciativa privada, que já não estavam satisfeitos com a mudança na forma de repasse de verbas e com a decisão de não-contratação de serviços para a Atenção Básica. De

17

De acordo com a NOB 001/96, essa habilitação, prevê, no item 15.2, entre outras coisas, uma série de responsabilidades, requisitos e prerrogativas. A Gestão Plena do Sistema Municipal (GPSM) é a gestão de todo o sistema municipal, garantindo o atendimento em seu território para sua população e outras referenciadas pelos municípios vizinhos. São ações da Gestão Plena do Sistema Municipal: 1 - ofertar os procedimentos assistenciais que compõem o PAB-A, a média e alta complexidade para a própria população e outras referenciadas pelos municípios vizinhos; 2 - executar as ações básicas, de média e alta complexidade em vigilância sanitária; e 3 - executar as ações básicas de epidemiologia, controle de doenças e ocorrências mórbidas.

Capítulo 2 - Diacronia e sincronia da rede no sistema de saúde em Vitória da Conquista

acordo com Teixeira e Solla (2006, p. 186), antes da municipalização da saúde “[...] os prestadores privados contratados ditavam as regras que tinham interesse em adotar e não se submetiam às normas do Sistema Único de Saúde (SUS)”. Conforme a secretária de Saúde de Vitória da Conquista, “Até esse momento [da Gestão Plena], os prestadores recebiam um „cheque em branco‟. Então forjavam códigos, forjavam diagnósticos para aumentar o faturamento.” (Entrevista com Suzana Ribeiro, 2008).

Sobre o embate dos hospitais em relação ao início da municipalização da saúde, um médico entrevistado relatou:

[...] tem o embate político e tem o embate dos hospitais, porque os hospitais tinham medo. Essa é a palavra. [...] quem está aqui pode fiscalizar, pode cobrar, [...] não vai ter fraude. Há treze anos, há quinze anos, a fraude do SUS era imensa! Quantas pessoas pariam sem ter parido? Quantas pessoas consertavam um braço sem ter quebrado? Operavam sem ter passado num centro cirúrgico? Existia isso. Existia um roubo. A palavra é essa! Roubo. Mulher que fazia fimose... Existia o roubo. Não tinha fiscalização, o pessoal fazia a festa aqui dentro de Conquista. Quando municipalizou [...] não pode cobrar do paciente que já está pagando pelo SUS. Não importa se é um valor irrisório! Já está pagando e não se pode cobrar duas vezes. [...] Quem cobrasse ia ser denunciado, e assim foi feito. Então o medo que existia nos hospitais [...] era esse. Por isso é que veio a briga. Medo de perder essa “bocada” que eles tinham. (Entrevistado 2, 2009).

Em fevereiro de 2000, a crise “estourou” em meio a um processo licitatório aberto pelo governo municipal. Segundo Teixeira e Solla (2006, p. 187), “A realização de licitação para contratação de serviços pelo SUS e a atuação do Serviço de Controle, Avaliação e Auditoria, coibindo fraudes e cobranças, levaram a um lockout de seis hospitais privados contratados pelo SUS, [...]” Conforme relato desses autores:

A administração municipal assegurou o atendimento à população através da rede pública e de hospitais filantrópicos (Santa Casa de Misericórdia), fez o enfrentamento nos meios de comunicação e com o suporte da procuradoria jurídica acionou na justiça os responsáveis pelo lockout. Após 12 dias de greve, retomaram as atividades assinando um acordo judicial, concordando com os termos estabelecidos pela licitação, pelo contrato de prestação de serviços, com as normas da auditoria e as ações de regulação e controle exercidos através da Central de Marcação de Consultas e Procedimentos Especializados do SUS. (TEIXEIRA; SOLLA, 2006, p. 187).

Ainda sobre esse período, a atual secretária de Saúde relatou que “Foi o primeiro movimento contrário ostensivo [...] foram ameaças, inclusive ameaça de morte, [...] veladas que não tinham um remetente identificado, mas o secretário na época, que era Jorge Solla, tinha de andar com seguranças, porque a situação foi bastante crítica.” (Entrevista com Suzana Ribeiro, 2008).

Para um médico entrevistado, a disputa se baseava na mudança das relações de poder, já que “O poder do pagamento deixou de ficar na mão da clínica, do hospital, da fundação e passou para o município.” (Entrevistado 2, 2009).

Todavia, com a municipalização, “[...] manifesta-se um aparente paradoxo: a luta das forças democráticas por direitos e contra o capitalismo o faz continuar existindo e explica a conexão entre a tendência à concentração do capital e um crescente intervencionismo estatal”. (ACIOLE, 2006, p. 70). Pois como relata o entrevistado 2:

A municipalização dentro de Vitória da Conquista foi a melhor coisa que podia ter acontecido para a nossa região. Por quê? [...] Conquista hoje é um polo de medicina não só pela iniciativa privada, mas inclusive pela municipalização. Todos os municípios que não tinham condições de atender faziam pactuações com o município. Quando eles faziam essa pactuação, eles tiravam esse paciente [de outras cidades] para Conquista para fazer o exame. Esse dinheiro retorna para dentro de Conquista. Então o paciente está dentro da nossa cidade, ele não vem só para fazer uma coisa [...] A