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Fluxo de pacientes com problemas renais para Vitória da Conquista para tratamento de Diálise no ano de

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Mapa 37 – Fluxo de pacientes com problemas renais crônicos para Vitória da Conquista para tratamento de diálise no ano de 2008 Nota: Dados organizados pela autora.

Apesar de ser um setor lucrativo da medicina, a carência de profissionais especializados e a falta de interesse da iniciativa privada em instalar clínicas em cidades com menor capacidade de atração impõem aos portadores de doença renal crônica as condições relatadas. O sistema estatal, com a política de hierarquização dos serviços e a falta de investimentos, também não oferece condições equânimes.

A iniciativa privada, que tem o doente como seu principal cliente, utiliza várias estratégias para gerar e dinamizar o fluxo de pacientes em hospitais, ambulatórios e clínicas. Uma delas é a cobrança da chamada “taxa”. Nessa tática, é cobrado do paciente um valor menor do que o valor cobrado de um paciente particular, a título de pagamento pelo serviço. De acordo com um médico entrevistado:

Todos os hospitais e clínicas de Conquista [...] trabalham com taxa. A “taxinha” é a menina dos olhos de todo mundo aqui na área de medicina. [...] Se você for analisar, muitas taxas retiram o dinheiro da comida da população pobre. [...] Na verdade elas representam um capital de giro mais rápido. (Entrevistado 5, 2009).

Apesar de ter a designação de “taxa”, que remete à ideia de um pequeno valor, não é acanhado o recurso que o paciente necessita desembolsar para realizar consultas e exames nesse sistema. A Tabela 18 reproduz os valores cobrados por um hospital da cidade de Vitória da Conquista a título de “taxa”.

Tabela 18 – Tabela de taxas hospitalares cobradas por

procedimentos realizados num hospital privado de Vitória da Conquista, julho, 2009

Procedimento Valor cobrado em R$ Consulta (qualquer especialidade) 50,00

Raios-X 30,00 a 80,00 Ultrassonografia 80,00 a 150,00 Eletrocardiograma (ECG) 25,00 Eletroencefalograma (EEG) 35,00 Endoscopia 120,00 Retosignoidoscopia rígida 100,00 Retosignoidoscopia flexível 160,00 Colonoscopia 620,00

Fontes: Hospital Unimec. Trabalho de Campo, 2009.

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Capítulo 5 - Sujeitos da conexidade e da fluidez da rede de saúde: o médico e o paciente

O trabalho de campo revelou que muitos usuários do SUS acabam entrando no serviço privado com o pagamento de “taxas”. Nas palavras de Aciole (2006, p. 63), “[...] uma parte da esfera privada vai tornando-se pública, ao passo que o estatal, no fundo, se põe a serviço dos interesses privados que o dominam”. As falas dos entrevistados revelaram que, por causa da precariedade do sistema estatal, existe uma interpenetração entre as esferas estatal e privada:

Pago uma taxa de R$ 100,00 para consulta e preventivo. Pago satisfeita porque no posto [SUS] é difícil. Para o dermatologista, coloquei o pedido hoje [24 mar. 2009] e só serei atendida em outubro. (Depoimento de moradora do Bairro Brasil, 2009).

Apesar de ser usuário do SUS, por causa da demora no atendimento, agora que precisei fazer exame de vista paguei. Fui a uma ótica que pagou R$ 40,00 para o médico e eu paguei outros R$ 40,00. Tive que comprar os óculos antes da consulta. (Depoimento de morador do Bairro Felícia, 2009). Porque pelo SUS demora e o caso é para resolver logo. Esperei três meses pelo SUS, mas demorou mais. Preferi pagar a taxa de R$ 50,00 e resolver logo. (Depoimento de morador do município de Belo Campo, 2009).

A demora do atendimento pelo SUS, notadamente em consultas especializadas e realização de exames laboratoriais e com a utilização de aparelhos, como ultrassom, tomógrafo, mamógrafo e outros, estimula o comércio de serviços de saúde por meio de taxas. Nas palavras de Santos, Ana (2008, p. 222): “[...] o comércio da doença/saúde tem se territorializado, utilizando-se da dor e do sofrimento como estratégia, assim como da angústia do doente que não consegue resolver seus problemas de saúde quando submetido à espera pelo atendimento imposta pelo poder público”.

As pessoas de municípios com pouca ou nenhuma infra-estrutura de serviços especializados se deslocam para a realização de consultas e exames. Conforme entrevista com um paciente de Contendas do Sincorá (BA), que fica a 157 km de Vitória da Conquista, ele precisou se deslocar para realizar uma ultrassonografia porque na sua cidade não tem esse procedimento. Depoimentos com este teor são comuns. Além disso, quando uma pessoa tem parentes que moram em Vitória da Conquista, preferem fazer os exames nesta cidade, pois facilita o acompanhamento.

Geralmente os pacientes – que muitas vezes necessitam de acompanhante – saem de madrugada do município de moradia, passam o dia em Vitória da Conquista e retornam para o município de origem no final da tarde ou início da noite. Parte dos pacientes utiliza carro próprio, mas a maioria se desloca por “ônibus de linha” ou “vans” que fazem o trajeto. O

pagamento da condução até Vitória da Conquista, de uma ou mais refeições e do deslocamento na cidade são fatores que oneram o acesso ao serviço de saúde. Muitas “vans” pertencem ou são contratadas por prefeituras para o transporte de passageiros. Neste caso, o paciente não paga a passagem, que fica por conta do recurso do Ministério da Saúde para Tratamento Fora de Domicílio (TFD). Os pacientes se deslocam tanto para realizar procedimento pelo sistema estatal, como também pelo setor privado.

Muitas cirurgias são realizadas em Vitória da Conquista, contudo diversos pacientes são encaminhados para outras cidades, notadamente Salvador, Itabuna, Ilhéus e Belo Horizonte, para cirurgias mais complexas e de maior gravidade. Segundo um entrevistado,

Pelo SUS, muitos pacientes são encaminhados para fora. Porque ninguém quer operar pelo SUS, por causa da baixa remuneração. [...] Aí manda para Salvador, onde os hospitais públicos estão cheios de residentes, que é quem quer operar. [...] Só opera aqui o que é tranqüilo. Complicou manda embora. [...] Já quando é com o plano de saúde e o profissional médico não está capacitado para determinado procedimento, ele prefere mandar para fora. [...] Ele não encaminha para uma instituição vizinha dele porque ele tem medo de perder o paciente, prefere mandar para Salvador ou Belo Horizonte. (Entrevistado 2, 2009).

Além desses aspectos, existem alguns tratamentos que não são realizados em Vitória da Conquista. Nenhum tipo de tratamento oncológico é realizado em crianças. Nessa área, são praticadas radioterapia e quimioterapia em adultos, contudo não se realiza bracoterapia. Assim, se é indicado esse procedimento, o doente tem que se deslocar para outros municípios. Os cirurgiões oncológicos só atendem planos de saúde e particulares, pois não são credenciados ao SUS. Quando um paciente do SUS necessita de cirurgia, ele é encaminhado a Itabuna ou a Salvador. A morosidade do sistema e a agressividade da doença, somadas, são muitas vezes uma sentença de morte.

As consultas para os mais diversos caos comumente são marcadas com antecedência pelo próprio paciente, parente ou amigo e também pelo “marcador”. Para algumas especialidades, tanto para pacientes do SUS como para aqueles que dispõem de Planos de Saúde (e em alguns casos mesmo para pagamento particular), existe dificuldade para encontrar vaga, visto que só se consegue uma consulta para três, quatro meses adiante. Tal fato reforça a carência de médicos em Vitória da Conquista, apesar de ser o terceiro município baiano em número de médicos moradores.

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Capítulo 5 - Sujeitos da conexidade e da fluidez da rede de saúde: o médico e o paciente

O marcador é um profissional de marcação de consultas e exames. Essa prática foi relatada por um dos médicos entrevistados:

Tem três tipos de marcadores que a gente pode considerar. Tem o marcador que é funcionário e recebe pelas prefeituras. As prefeituras do interior normalmente mantêm uma casa de apoio aqui [em Vitória da Conquista] para poder mandar o paciente e tem o marcador que leva e direciona o paciente para cada instituição. É o primeiro tipo de marcador. Existem marcadores que são comissionados pelos médicos. O médico paga para que ele traga esse cliente para dentro da instituição, normalmente pagando 10% do valor da consulta. E tem outro tipo de marcador que são os donos de transporte, que são pessoas que têm “vans” ou ônibus que trazem o paciente e cobram a ida e a vinda tanto do paciente como do acompanhante para dentro de Conquista. Então nós temos esses três tipos de marcadores aqui na região. Eles têm um papel muito importante. (Entrevistado 2, 2009).

Alguns marcadores são agentes de saúde contratados pelos municípios e remunerados por eles para agendar o que for necessário para o paciente do respectivo município. Além de marcar o procedimento, esse profissional assessora o paciente em Vitória da Conquista, deixando cada um deles nos locais de atendimento e encaminhando o que for necessário.

Outros marcadores são profissionais autônomos que marcam consultas e procedimentos e recebem uma comissão de médicos, clínica ou hospital, por paciente encaminhado, consulta e exame realizado.

A SMS de Vitória da Conquista também tem um marcador que atua em Salvador. Esse agente mora em Vitória da Conquista e se desloca a cada 45 dias para fazer marcação de procedimentos em clínicas e hospitais da capital. Depois de marcados os procedimentos, os pacientes são encaminhados para TFD.

Como é possível observar pelas análises realizadas, médicos e pacientes são sujeitos de relações que rebatem na produção do espaço em sua complexidade. O movimento dos médicos e dos pacientes envolve interesses e necessidades distintos, mas juntos compõem a construção da rede. Forças distintas se completam e retroalimentam, em diferentes espaciotemporalidades.

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