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Capítulo 1: Premissas, conceitos e teorias do clima nas Relações Internacionais

1.1 Premissas para o estudo de clima nas Relações Internacionais

1.1.2 A mudança climática como vetor civilizatório central

Como a fronteira planetária mais importante em termos de impacto e maior nível de conhecimento científico sobre suas causas e consequências, a mudança global do clima impactará de forma sensível um amplo cardápio de relações sociais nas próximas

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décadas, incluídas as esferas da política doméstica e internacional. Por isso representa um dos vetores civilizatórios6 centrais do nosso tempo (VIOLA ET AL, 2013).

A partir do início da Revolução Industrial, o paradigma de desenvolvimento predominante resultou em um crescimento sistemático da concentração de GEE na atmosfera. Esses gases retêm parte do calor que a Terra projeta para o espaço e terminam alterando o balanço radiativo do sistema, gerando aumentos na temperatura da superfície terrestre e dos oceanos. Como consequência, certas pautas de comportamento do sistema climático são alteradas, inter-alia: ciclos eólicos e de precipitações, além do incremento da frequência e intensidade de extremos climáticos.

Nesse marco, a trajetória do sistema climático se torna um vetor relevante do futuro das comunidades humanas, em que a gestão dos assuntos públicos e privados deverá passar por uma revisão profunda. Ao mesmo tempo, existem evidências sólidas de que já estamos atravessando um processo de mudança climática incremental, situação manifestada no aumento de fenômenos climáticos extremos. Todavia, a eventualidade de uma disrupção climática perigosa – incremento de 2°C em relação à temperatura média da era pré-industrial – se torna de alta probabilidade para as próximas décadas.

Nesses argumentos sustentamos a nossa afirmação sobre centralidade do clima como vetor civilizatório. A estabilidade desse sistema influenciou de forma fundamental o desenvolvimento das comunidades humanas após o último período glacial (LYNAS, 2012), e embora seja correto assumir que a nossa capacidade de resiliência tem aumentado com o passar do tempo, os efeitos de uma mudança climática catastrófica acabariam mesmo assim desbordando as nossas capacidades adaptativas (IPCC, 2007, 2014). Apresentamos a seguir algumas características básicas do fenômeno que são fundamentais para entender a sua interação com as relações internacionais.

i. Consolidação científica e eventos extremos

Durante as primeiras duas décadas de existência, a questão da mudança climática na política internacional esteve associada à ideia de incertezas em relação à sua existência e sua característica antrópica. No entanto, na última década, o nível de incerteza reduziu-se a um mínimo, de forma que a esmagadora maioria da comunidade científica e os grandes centros de pesquisa aceitam a premissa de um processo de

6 “Os macro-vetores civilizatórios podem ser definidos como as tendências mais profundas da

humanidade em sua relação com a biosfera; a dinâmica populacional, ocupação do planeta, aumento da produtividade do trabalho, utilização crescente dos recursos da Terra e desenvolvimento tecnológico são exemplos dessas tendências de longa duração” (VIOLA ET AL, 2013:36).

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mudança global do clima alimentado principalmente pela ação humana. Esse consenso foi crescendo entre as lideranças políticas e sociedades em todo o mundo - embora de forma heterogênea – cimentado em dois grupos de fatores: a consolidação da evidência científica e a aceleração de extremos climáticos (VIOLA ET AL, 2013; FRIEDMAN, 2010).

Em relação ao primeiro ponto, desde a publicação do Quarto Relatório do IPCC (AR4) em 2007, foi confirmado com um alto nível de certeza que já convivemos com certas mudanças climáticas irreversíveis (IPCC, 2007); o relatório também confirmou o caráter antrópico do fenômeno e precisou suas principais causas e efeitos (IPCC, 2007; VIOLA ET AL, 2013).

O Quinto Relatório do IPCC (AR5), divulgado entre 2013 e 2014, elevou ainda mais o nível de confiança em relação aos contornos do problema, considerando o fenômeno como inequívoco (IPCC, 2013:2). Ao mesmo tempo, o documento confirma que são as atividades humanas as responsáveis pelo fenômeno:

Esta evidencia de la influência humana es mayor desde que se elaborara el Cuarto Informe de Evaluación. Es sumamente probable que la influência humana haya sido la causa dominante del calentamiento observado desde mediados del siglo XX. (IPCC, 2013:15)

Entre essas atividades, o consumo de combustíveis fósseis e mudanças no uso do solo são as principais responsáveis pelas alterações no balanço radiativo da atmosfera:

Las concentraciones de dióxido de carbono han aumentado en un 40% desde la era preindustrial debido, en primer lugar, a las emisiones derivadas de los combustibles fósiles y, en segundo lugar, a las emisiones netas derivadas del ambio de uso del suelo (IPCC, 2013:9) .

Ainda segundo o IPCC (2014a), 65% das emissões de GEE acumuladas entre 2000 e 2010 derivaram da queima de combustíveis fósseis, fonte que cresceu 3% ao ano, 1 ponto acima da média das emissões totais do período. O setor de agricultura, florestação e uso do solo (AFOLU) representa aproximadamente um quarto das emissões globais, principalmente derivadas do desmatamento, agricultura e pecuária.

O segundo elemento que operou para consolidar o consenso foi a maior evidência acumulada sobre os impactos do clima em sistemas naturais e humanos. Como afirma o o AR5:

In recent decades, changes in climate have caused impacts on natural and human systems on all continents and across the oceans. Evidence of climate-change impacts is strongest and most comprehensive for natural

systems. Some impacts on human systems have also been attributedto

climate change, with a major or minor contribution of climate change distinguishable from other influences (IPCC, 2014b:5).

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De particular impacto foi uma sucessão de fenômenos climáticos extremos que tenderam a aumentar sua frequência e intensidade de forma sensível na última década (VIOLA ET AL, 2013). Como afirma o IPCC:

Impacts from recent climate-related extremes, such as heat waves, droughts, floods, cyclones, and wildfires, reveal significant vulnerability and exposure of some ecosystems and many human systems to current climate variability (very high confidence) (IPCC, 2014b:7).

O consenso crescente envolve também uma maior precisão e consciência sobre os seus eventuais efeitos econômicos, sociais, e políticos. O IPCC (2014b,) afirma com alto grau de confiabilidade a disseminação de riscos de: morte, feridas ou saúde para populações de zonas costeiras ou de regiões com risco de alagamento; comprometimento de sistemas críticos de infraestrutura, como eletricidade e água e; segurança alimentar e sistemas de produção de alimento.

Nesse sentido, o relatório (2014b) afirma com alto nível de confiança que os efeitos negativos da mudança climática sobre a produção de grãos tendem a ser mais frequentes que os efeitos positivos. Essa conclusão é de particular relevância para os países objetivo dessa pesquisa, na medida em que a economia da maioria deles depende dessa atividade e o setor agricultura representa boa parte das suas emissões de GEE.

Em termos econômicos, o documento afirma a dificuldade de estimar os impactos globais do clima, em linha com a evidência da literatura da economia do clima. Não obstante, se espera que as perdas econômicas sejam provavelmente significativas:

Economic impact estimates completed over the past 20 years vary in their coverage of subsets of economic sectors and depend on a large number of assumptions, many of which are disputable, and many estimates do not

account for catastrophic changes, tipping points, and many other factors.59

With these recognized limitations, the incomplete estimates of global annual economic losses for additional temperature increases of ~2°C are between 0.2 and 2.0% of income (±1 standard deviation around the mean) (medium evidence, medium agreement). Losses are more likely tha not to be greater, rather than smaller, than this range (limited evidence, high agreement). (IPCC, 2014b:19)

Finalmente, espera-se que o fenômeno incremente o deslocamento de populações e que possa favorecer indiretamente o risco de conflito violento, associado a outros vetores como pobreza e choques econômicos (IPCC, 2014a).

ii. A demanda de ação

O último relatório do IPCC ratificou a necessidade, já presente na literatura nas últimas três décadas, de reduzir emissões de GEE para manter a estabilidade no sistema climático: “Para contener el cambio climático, será necesario reducir de forma sustancial y sostenida las emisiones de gases de efecto invernadero” (IPCC, 2013:17).

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No entanto, a tendência da humanidade nas últimas décadas tem sido contraria a esse imperativo. Particularmente entre o ano 2000 e 2010, as emissões cresceram a um ritmo de 2,2% ao ano, acrescentando em média 1 GtCo2e. por ano na atmosfera, até atingir um valor de aproximadamente 49 MtCo2e em 2010.

Como sugerimos, as emissões derivadas da combustão de fontes fósseis de energia lideraram o processo, cuja lógica está governada pelo crescimento da população e da economia global. Ao mesmo tempo, os governos do mundo tendem a subsidiar pesadamente a produção e consumo desse tipo de combustíveis, mesmo aqueles que possuem estratégias de mitigação, fato que se configura como uma das principais contradições de nossa época. Todavia, a necessidade de reduzir esses estímulos forma parte do discurso internacional – como manifestado nos chamados do G-20, mas não se expressa na prática.

Nesse sentido, o relatório (IPCC, 2014a) estima que, sem esforços adicionais para controlar as emissões, a temperatura superficial da terra experimentará um crescimento de entre 3,7 e 4,8ºC em 2100 em relação à era pré-industrial.

Nos cenários mais confiáveis, para que a humanidade tenha chances de ficar dentro da fronteira de 2ºC em 2100, os níveis de concentração de GEE na atmosfera para esse ano deverão atingir um valor próximo a 450 ppm. O nível em 2011 foi de 430 ppm. Nesse respeito, os cenários mais consistentes com a estabilização incluem drásticas reduções de emissões para 2050 – entre 50% e 70% do nível atual – e emissões anuais próximas ou menores de 0 GtCo2e. em 2100. A maioria desses cenários, envolvem rápidos desenvolvimentos em eficiência energética; quase quadruplicar a proporção de fontes energéticas de zero ou baixo carbono – renováveis, energia nuclear, fósseis com CCS e, bioenergia com CCS – e; mudanças variadas no uso dos solos, incluindo controle de desmatamento, reflorestação e, produção de bioenergia.

Sobre os cenários construídos com base nos compromissos de Cancun7, o relatório afirma que eles não são consistentes com a meta de 2C para 2100 e que uma demora na ação entre o presente e 2030 tende a dificultar a transição para um cenário consistente com essa meta.

Além das dificuldades objetivas que a estabilização da atmosfera apresenta em termos econômicos, tecnológicos e de comportamento, certas características do

7 No marco das COPs 15 e 16 da (Conferência Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima

(CQNUMC) , a maioria dos países se comprometeu voluntariamente com medidas de mitigação para 2020.

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fenômeno o tornam ainda mais complicado de contornar. Prins et al (2010) definem a mudança climática como wicked, isto é, “comprising open, complex and imperfectly understood systems”, tendo como resultado “the impossibility of giving it a definitive formulation” (PRINS ET AL, 2010:16).

À complexidade e incerteza se agrega o fator temporal, já que a mudança climática demanda o planejamento de execução de medidas de alto custo no curto prazo, para mitigar o impacto de certos fenômenos no futuro distante. Isso representa um obstáculo para a ação, na medida em que os seres humanos têm dificuldades para atribuir ao futuro o mesmo nível de realidade do presente, razão pela qual uma recompensa imediata menor resulta mais sedutora que uma recompensa futura, mesmo que maior. (GIDDENS, 2009). Como afirma BERNAUER (2013: 424) em relação ao esforço de mitigação:

It requires large-scale investments in the short to medium term (most notably, a major shift from fossil fuel to renewable energy sources), whereas the main benefits accrue in the long term (avoiding major climatic changes). However, people tend to discount climate change– related damages that occur in the long term, and by implication also the benefits of climate change mitigation.