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Capítulo 2: Economia política do compromisso climático

2.1 Condicionantes do compromisso climático na literatura

2.1.3 Os condicionantes do compromisso climático no mundo

Dolsak (2001) analisa os fatores que afetam o compromisso de mitigação dos países dentro do escopo das instituições internacionais. A autora mede esse compromisso com uma escala ordinal cujo extremo conservador é a assinatura da Convenção e o extremo reformista é o estabelecimento de impostos à energia e ao carbono.

Baseada no modelo de ação coletiva, Dolsak (2001) afirma que o compromisso nacional é uma função dos incentivos domésticos para mitigar e do nível de global de emissões de GEE de cada país. Os incentivos domésticos para emitir dependem de um cálculo de custo benefício em relação à mitigação. Nesse cálculo entram considerações econômicas – o benefício de mitigar para setores como a agricultura ou o custo de mitigar para economias com alta intensidade de consumo de energia; e considerações políticas – os benefícios em termos de opinião pública doméstica e internacional que o governante possa obter, e os custos de enfrentar setores contrários à mitigação.

Segundo Dolsak (2001) para completar o calculo, o ator estatal considera o comportamento dos outros, na medida em que apenas se beneficiará da mitigação própria se os demais cooperarem. Nesse sentido, a capacidade para afetar as emissões globais depende de dois fatores; se os países são grandes emissões e/ou se tem a capacidade de afetar o comportamento mitigatório dos outros. A hipótese testada é que quanto maior o benefício neto da mitigação e a capacidade de afetar o nível global de emissões, maior será o compromisso nacional.

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A própria autora reconhece que a falta de dados comparáveis sobre custos e benefícios de mitigação, posição da opinião pública ou setores resistentes a políticas de mitigação limitam os achados do trabalho. No entanto, alguns dos desenvolvimentos dessa pesquisa são interessantes para nossa proposta causal. Em primeiro lugar, os incentivos políticos e econômicos dos atores são incorporados à nossa proposta na forma de forças materiais e ideacionais. Com respeito a certas características estruturais da economia que afetam o cálculo dos atores – como o caso da intensidade energética da economia - também as incorporamos na nossa proposta sob a categoria de capacidade de mitigação. O cálculo das lideranças políticas em relação às medidas é analisado sob a categoria de percepção de custo-benefício das medidas de mitigação.

Em outro trabalho, Buys et al (2007) afirmam que dois tipos de vulnerabilidades governam a posição de negociação dos países: a) Vulnerabilidade de fonte, que faz referência ao impacto potencial das medidas de redução de emissões e se aproxima da definição de capacidade de mitigação de Never e Betz (2014) e Rong (2010) e; b) vulnerabilidade de impactos, que se aproxima da noção de vulnerabilidade ecológica.

Segundo os autores, a vulnerabilidade de fonte depende da intensidade de emissões da economia, particularmente a dependência de combustíveis fósseis; das opções de energia limpa; da capacidade de sequestro de carbono em florestas e CCS e; da estrutura da economia em termos de setores e intensidade de carbono dos setores. A vulnerabilidade de impactos depende do aumento do nível do mar e, do impacto de extremos climáticos.

A hipótese afirma que quanto maior a vulnerabilidade de fontes, menor a inclinação a sustentar reduções de emissões e; quanto maior a vulnerabilidade de impactos, maior a disposição. No entanto, encontramos que essa afirmação não aparece provada de forma adequada, particularmente porque a variável dependente “commitment to a new protocol” não aparece claramente definida.

Os autores concluem que o nível de correlação entre as seis dimensões da vulnerabilidade é baixo, de forma que cada país se apresenta com um caso único. De todos os modos, o trabalho afirma a existência de certa agrupação regional.

Novamente, e apesar das limitações destacadas, encontramos algumas das hipóteses levantadas no trabalho como convergentes com a nossa pesquisa. Nesse sentido, as nossas considerações feitas anteriormente em relação ao lugar das vulnerabilidades e a capacidade de mitigação se aplicam da mesma forma a esse trabalho.

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Em um trabalho que analisa os vínculos entre as ações climáticas domésticas e a posição de negociação internacional na matéria, Townshend e Matthews (2013) afirmam que essa última é influenciada pelos seguintes fatores:

a) Interesse Nacional

É o principal fator segundo os autores, ele pode incluir: percepções do risco climático por parte da sociedade e elites políticas; percepções sobre o custo-benefício de reduzir emissões; influência política de setores econômicos intensivos em carbono e, oportunidades da agenda climática, em termos de acesso à tecnologia ou finanças. Como veremos, incorporamos a maioria desses fatores a nossa proposta causal, com exceção do acesso a tecnologia. Esse fator não apareceu de forma relevante na literatura nem nos nossos estudos de caso.

b) Competitividade;

Os movimentos de sócios ou concorrentes comerciais do país. c) Aliados e grupos de negociação dentro da Convenção;

Em relação a esses últimos dois pontos e como vimos em páginas anteriores, incorporamos esse tipo de preocupação sob o conceito de perfil de inserção internacional.

O trabalho não faz um desenvolvimento empírico em relação a esses condicionantes ou uma definição precisa de cada um deles, não obstante, eles aparecem interessantes para a nossa proposta, já que são convergentes com outra literatura e os análises de casos foco dessa pesquisa.

Em outro trabalho destacado para nossa tese Steves e Teytelboym (2013) examinam os fatores políticos e econômicos que determinam o estabelecimento de políticas de mitigação. Os autores elaboram primeiro um índice – CLIMI - para determinar o nível de avanço dessas políticas, focando nas legislações, instituições e, medidas (id:3).

Como passo seguinte, e utilizando um enfoque de política econômica, Steves e Teytelboym (2013) analisam o impacto de um conjunto de fatores que a literatura identifica como potencialmente importantes:

a) Contexto Internacional;

Na ausência de uma autoridade com capacidade de sanção, ele se volta um “jogo de contribuições voluntárias” (id:9), e por tanto, o foco se coloca nos fatores domésticos.

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Analisado em termos da existência e intensidade dos poderes de veto institucionais e as características do sistema de partidos. O grau de democracia influência a capacidade de ação dos diferentes atores;

c) A característica dos grupos de pressão;

Eles são afetados pela estrutura profunda dos interesses econômicos da sociedade, mas não apenas por eles, como evidencia a existência de grupos particulares bem organizados, como ONGs ambientalistas. Também a natureza do regime político afeta essa constelação de grupos.

Sob essa inspiração, os autores analisam empiricamente o efeito de seis fatores: 1) Conhecimento público da ameaça da mudança climática;

Medido utilizando os dados da pesquisa de Opinião Gallup de 2009. Os autores concluem que esse fator tem impacto alto sobre o estabelecimento de políticas de mitigação, de forma relativamente independente incluso do grau de democracia do país. Ainda, a percepção sobre a ameaça do clima, está correlacionada com o nível de vulnerabilidade física do país; premissa que, como veremos, não se aplica a nossos casos.

Como veremos no próximo segmento, incorporamos esse condicionante em nossa proposta sob o nome de percepção de vulnerabilidades, embora com algumas diferenças.

2) Nível de democracia

Medido a través da base de dados do Polity IV12. O impacto desse fator não é conclusivo segundo a pesquisa, fato que é convergente com parte da literatura que mais na frente analisamos. Incluímos esse condicionante em nossa proposta causal – no entanto medido com dados de The Economist13 - ao tempo que o colocamos em perspectiva em relação a outros condicionantes, como a qualidade das instituições econômicas e o perfil de inserção internacional.

3) O poder do lobby dos setores econômicos de alta intensidade de carbono;

Medido através do peso dos setores de mineração, manufaturas e serviços públicos (utilities) no PIB do país. A pesquisa conclui que a força desses grupos tende a obstaculizar o estabelecimento de políticas climáticas.

Como veremos, incorporamos esse fator sob a categoria de forças materiais pró- descarbonização; no entanto, fazemos um tratamento qualitativo e caso por caso do seu

12 http://www.systemicpeace.org/polity/polity4.htm

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impacto. Em relação à estrutura da economia, a incorporamos sob a categoria de “capacidade de mitigação”.

4) Capacidade administrativa do Estado

Medida através dos Indicadores de Governança do Banco Mundial. A conclusão da pesquisa sobre esse condicionante é que tende a ter baixo impacto.

Como já afirmamos, embora consideremos que a capacidade estatal seja um condicionante do compromisso climático, ele apenas se torna relevante quando existe certa trajetória de implementação das políticas de clima, por isso a incorporamos na nossa proposta com certa reserva.

5) Emissões de Co2 e renda per capita;

Os autores concluem que não há correlação evidente entre esse fator e o nível de políticas climáticas.

Em relação à utilização desses condicionantes na nossa proposta, as emissões per capita formam parte da nossa variável dependente – compromisso climático – de forma que incorporá-la a nossa abordagem causal levantaria os problemas de “endogeneidade” (KING, KEOHANE, E VERBA, 1995). Sobre a renda per capita, e como mais na frente detalhamos, a controlamos para os países da nossa amostra. Essa diferença no tratamento dos fatores condicionantes é definida pelas fronteiras diversas das pesquisas, a nossa sendo para países latino-americanos de renda média e focando tanto nas políticas quanto no rumo das emissões. Pelo contrário, Steves e Teytelboym (2013) fazem um estudo amplo de 91 países diversos e focam apenas no desenvolvimento de políticas, e não o seu resultado.

6) Compromissos Internacionais

Os autores controlam a ratificação do PQ e os compromissos de mitigação para os países do Anexo 1 no seu marco. Como parecerá evidente, os compromissos internacionais formar parte também da nossa variável dependente, razão pela qual se aplica o mesmo argumento que o referido às emissões per capita.

Em outro trabalho destacado, Lachapelle e Paterson (2013) analisam o impacto de quatro fatores genéricos que poderiam explicar a intensa variação que se observa tanto na trajetória de emissões dos países quanto na tipologia de políticas climáticas estabelecidas. A saber:

a) Variação na estrutura institucional doméstica dos países, particularmente o nível de democracia e o caráter presidencialista ou parlamentário dos regimes;

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c) Diferenças sistêmicas genéricas: renda per capita, intensidade de carbono e densidade da população;

d) Tradição da intervenção dos estados na economia.

Entre as conclusões do trabalho, os autores acham evidência de que as democracias tendem a exibir menores índices de crescimento de emissões, assim como os regimes parlamentários “vis a vis” os regimes presidencialistas. Ao mesmo tempo, as economias coordenadas tendem a ter melhor performance que as economias mais liberais e as desenvolvimentistas (que é o conceito usado pelos autores para caracterizar ao mundo em desenvolvimento). Em termos de impacto sobre o perfil de políticas, o trabalho afirma que as democracias e regimes parlamentários tendem a estabelecer cardápios de políticas mais amplos; ao tempo que a dependência de combustíveis fósseis tende a limitar o seu estabelecimento.

Incorporamos na nossa proposta de condicionantes as reflexões de Lachapelle e Paterson (2013) da seguinte forma. Em primeiro lugar o grau de democracia forma parte do condicionante “qualidade do sistema político”, assim como a tradição de intervenção dos estados na economia, embora de forma implícita. O caráter presidencialista das potências latino-americanas permite controlar esse fator. Em segundo lugar, o item sobre combustíveis fósseis (b) forma parte da nossa categoria “capacidade de mitigação”. Finalmente, para renda per capita e intensidade de carbono, o argumento anteriormente exibido se aplica. A densidade da população aparece como proxi da percepção de vulnerabilidades, que medimos de diferente maneira.

Finalmente, Keohane e Victor (2016), analisando as perspectivas da política internacional do clima após o Acordo de Paris, refletem sobre as preferências dos governos como variáveis independentes da cooperação. Após afirmar que essas preferências dependem de fatores como população, renda, vulnerabilidades ou capacidade estatal; os autores oferecem uma lista preliminar das motivações para a ação climática, baseada nos INDC:

a) Criação de um bem comum global: mitigação da mudança climática. Apenas a União Europeia e algumas regiões dos EUA fundamentam seus esforços nesse bem comum;

b) Criação de bens públicos nacionais que tem como corolário a criação do bem comum global. O caso da China e os esforços para controlar a poluição aparece como exemplo aqui;

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c) Gerar benefícios econômicos na área da competitividade, como a criação de novas indústrias – solar, eólica, etc;

d) Barganha por financiamento para medidas de mitigação e adaptação. Segundo os autores, essa motivação pode ser particularmente destacada para países pobres; e) Criação de reputação.

Ainda que preliminar, essa proposta de condicionantes da ação climática é convergente com a literatura destacada nessa pesquisa e por tanto, a consideramos relevante para construir a nossa própria proposta. Dessa forma, o item b) aparece sobre a forma de percepções sobre o custo benefício das políticas de mitigação; o item c) como forças materiais pró-descarbonização; o item d) como acesso a financiamento internacional e, o item e) sob a categoria de perfil de inserção internacional. A incorporação do item a) resulta mais complexa, na medida em que não aparece aplicável aos países da nossa amostra, cujos movimentos na área de clima tendem a ser mais soberanistas, como os próprios Keohane e Victor (2016) deixam implícito.