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Crise da Convenção de Clima e outras instâncias cooperativas

Capítulo 1: Premissas, conceitos e teorias do clima nas Relações Internacionais

1.1 Premissas para o estudo de clima nas Relações Internacionais

1.1.5 Crise da Convenção de Clima e outras instâncias cooperativas

O parágrafo anterior nos leva a destacar outra das premissas do estudo do clima nas Relações Internacionais, a saber, a crise da CQNUMC como ator principal da governança global do clima, cujos limites são frequentemente refletidos na literatura (VICTOR, 2008; KEOHANE E RAUSTIALA, 2008; OSTROM, 2009; KEOHONE E VICTOR, 2010; TORRES, 2013; VIOLA ET AL, 2013; FALKNER, 2015; COLE, 2015; KEOHANE E VICTOR, 2016).

Como afirma Victor (2008) em relação à Convenção:

The effort to craft such a regime requires rejecting the principle of universality that has guided essentially all international environmental negotiations (and all efforts under the auspices of the United Nations). Universality is a liability because, by design, it does not allow discrimination between countries based on their level of effort; it means that countries that invest few of their own resources have as much influence on the rules and procedures in international organizations as those that have a lot more at stake. Combined with the difficulty in enforcing international obligations and the permanent “two worlds” approach that pervades environmental negotiations, a system that is unable to discriminate is rarely able to achieve outcomes that require massive efforts by countries that have very different interests. Instead of

universality, a better approach starts small—with a “club” of countries

that matter most to the climate problem (ie., the large emitters) and who are willing to make concessions (VICTOR, 2008:36).

Assim, a discussão se inscreve em um debate mais amplo sobre o âmbito adequado para equacionar o dilema cooperativo que a questão climática coloca: são os instrumentos multilaterais os mais adequados? Ou as demandas da governança impõem mecanismos mais restritos de negociação e ação?

Kehoane e Raustiala (2008:7) afirmam que um regime de clima sólido poderia iniciar como um clube de grandes emissões, mesmo que a universalidade seja o objetivo mais desejável; assim: “insisting on universality from the start is likely to be self- defeating”. De forma similar, Friedmam (2010) expressa dúvidas sobre a possibilidade

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de alcançar acordos globais sobre o clima, da espécie do Protocolo Quioto, em razão da complexa estrutura de interesses e diversidade dos atores envolvidos.

Giddens (2009) parece defender a ideia de “minilateralismo”, argumentando que, já que a maior proporção de GEE é gerada por um limitado número de países e que são poucos os Estados têm capacidade tecnológica relevante, uma abordagem baseada em acordos ou associações entre países pode ser mais efetivo que a perspectiva universal tradicional. Dessa forma, uma coalisão de comprometidos poderia operar como uma vanguarda do processo de transformação.

Nordhaus (2015) sugere que uma saída para o problema do free-riding na política climática internacional seja a criação de um Clube Climático, isto é, “a voluntary group deriving mutual benefits from sharing the costs of producing an activity that has public-good characteristics” (Id:1340). Segundo o autor, essa é a saída que os Estados têm encontrado para cooperar no ambiente da anarquia westfaliano.

A base da proposta depende do estabelecimento de um preço internacional de carbono a ser pago pelos participantes do grupo, como forma de penalizar comportamentos carbonizantes. O núcleo da proposta, no entanto, está no estabelecimento de penalidades para aqueles atores que não participem do clube, na forma de tarifas de importação. Segundo o autor “The attractiveness of a Climate Club must be judged relative to the current approaches, where international climate treaties are essentially voluntary and have little prospect of slowing climate change” (NORDHAUS, 2015:1368).

Compartilhando a crítica em relação ao papel e limites imanentes das negociações no âmbito da Convenção, alguns autores têm se inclinado por aproveitar instâncias de cooperação já existentes para substituir ou reforçar aquele espaço.

Blanca Torres (2013:925) afirma que

(...) las negociaciones sobre cambio climático dentro del marco de la cmnucc, que sin duda muestran um enorme desgaste y avances claramente insuficientes para enfrentar un problema de gran urgencia. Ello ha favorecido, dijimos antes, la proliferación de nuevos foros de discusión del tema como el Foro de Economías Mayores sobre Energía y Cambio Climático (...) También se observa la incorporación de está problemática en varios otros foros que no lo tenían en su agenda, como el G20.

Levi (2010) reflete sobre o papel do G-20 e do Foro das Grandes Economias para Energia e Clima (MEF) como âmbitos complementares à Convenção, cujos limites como estrutura de estimulo a cooperação aparecem claros para o autor. Leitura similar é oferecida por Kim e Chung (2012), ao afirmar que a estrutura informal do G-20 e os

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seus instrumentos flexíveis de cooperação podem facilitar a cooperação e eventualmente promover o processo de negociação dentro da Convenção.

Brenton (2013) afirma que o sistema de negociação baseado na ideia de universalismo que marcou as primeiras décadas de funcionamento da Convenção resultou em confusão e ineficiência. Dessa forma, a falta de algum tipo de concertação entre as Grandes Potências do clima derivou em uma tentativa fracassada de acomodar os interesses e visões de mais de 190 países. No entanto, na visão do autor, a Cúpula de Copenhague significou uma mudança de padrão de comportamento, na medida em que os grandes atores estatais do sistema desenvolveram um tipo de cooperação mais próxima no marco do G-20 e do MEF. Segundo Brenton (2013:546):

Historical precedent suggests that the Climate Great Powers will have to work together intensively if the difficulties are to be overcome. The infrastructure for this is now emerging. They will need to build on the Major Economies Forum (drawing perhaps also on the G20 when discussion at Leader level is necessary) to produce a grouping that, in line with its UN and WTO analogues, can genuinely test out negotiating solutions in what seems certain to remain mankind’s most intractable and important negotiation.

Finalmente, Stern se inclina por uma solução na qual, tanto as presentes instituições universais como a CQNUMC, quanto as instâncias mais restritas como o G- 8 ou o G-20, operam como complementos para a construção e sustento de uma acordo global de clima (STERN, 2008).

A dinâmica dentro do MEF e do G-20, no entanto, não tem oferecido as respostas imaginadas por esse segmento da literatura (TUDELA, 2014; Estrada Oyuela9) ao tempo que essas instâncias não se consolidam como substitutos da Convenção (FALKNER, 2015).

Ao contrário, na nossa visão, o que aconteceu no âmbito da cooperação estatal foi uma ratificação da CQNUMC como instância formal de negociação, mas com uma característica muito particular. A síntese de Paris deixou o conteúdo especifico dos acordos e o ritmo da sua implantação sob a soberania dos Estados. Nesse sentido, a interpretamos como uma abdicação quase definitiva da capacidade do regime formal de influir decisivamente no comportamento das partes. Assim, a lógica dos INDC – “contribuições nacionalmente determinadas” - expressa o abandono do desenho top- down do Protocolo de Quioto, inclusive para os países desenvolvidos. Essa tendência reforça a nossa escolha das potências climáticas como nível de análise mais adequado para abordar a dinâmica da descarbonização global.

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Finalmente, cabe destacar duas questões – e uma pergunta - em relação à Convenção e sua capacidade de influência nos assuntos climáticos globais. Em primeira medida, a sua crise como ator expressa os próprios limites da ONU como sistema (VICTOR, 2008). Como afirmam Leis e Viola (2007:37)

“O papel da ONU foi sempre menor que o almejado pelos seus fundadores (...), seus limites são os de uma instituição internacional baseada no princípio da soberania nacional estrita, num mundo cada vez mais intensamente globalizado”

Em segundo lugar, embora a capacidade de agência da Convenção seja limitada – no sentido de não alterar o path dependence carbonizante da economia global - as negociações não são completamente estéreis, já que geram algum impacto sobre o comportamento dos agentes estatais. Exemplos são a multiplicação de compromissos de mitigação que seguiram à COP 15 (DB CLIMATE CHANGE ADVISORS, 2012) ou a submissão dos INDC no caminho para o Acordo de Paris. No âmbito dos casos analisados nessa pesquisa, por exemplo, a negociação desse Acordo gerou compromissos voluntários que não estavam nos planos da Colômbia, da Argentina ou da Venezuela.

Nesse sentido discordamos, parcialmente, da afirmação de Martin Wolf (2015)

Hitherto, all the climate conferences have been almost Shakespearean —

tales “told by an idiot full of sound and fury signifying nothing”. So could anything actually change our trajectory? It is increasingly evident that the answer has to be technological. Humanity is unwilling, possibly simply unable, to overcome the political, economic and social obstacles to collective action. The costs to current generations seem too daunting. So those costs have to fall.

A pergunta, não obstante, persiste. Se a Convenção é incapaz de garantir um resultado sequer remotamente consistente com necessidades da ciência, não é momento de aposentá-la? Essa questão leva implícita uma dimensão teórica, se a Convenção é apenas capaz de refletir o estado das grandes potências, e não gerar um resultado per se, trata-se ainda de uma instituição, no sentido neoliberal do conceito?