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Capítulo 2: Economia política do compromisso climático

2.1 Condicionantes do compromisso climático na literatura

2.1.4 Democracia e clima

Existe um conjunto de literatura que foca no impacto da democracia – e algumas das suas características associadas – sobre a forma em que as sociedades lidam com a mudança climática. A nossa intenção aqui é levantar parte desse debate para avaliar o aporte que ele possa fazer a nossa proposta de condicionantes do compromisso climático. Desde já advertimos que a reflexão que aqui fazemos é limitada, e merece maior atenção em trabalhos futuros. No entanto, argumentamos que fomos capazes de tomar alguns elementos dessa discussão para justificar a incorporação da qualidade do regime político como condicionante potencial do compromisso climático. Ao mesmo tempo, essa discussão envolve um vínculo com a qualidade das instituições econômicas, o perfil de inserção internacional e algumas características mais profundas do comportamento político do país que resumimos na categoria de populismo.

Como afirma Bernauer (2013), a tentativa de vincular causalmente a democracia com o nível de emissões tem sido complexa, provavelmente porque a trajetória e perfil de emissões responde ainda a características históricas do desenvolvimento do país. No entanto, se a ótica muda para o estabelecimento de políticas climáticas, a conclusão também tende a mudar.

Other studies show that democracies are, ceteris paribus, likely to adopt more ambitious climate policy commitments relative to other countries (Neumayer 2002, Stein 2008, B¨attig & BERNAUER 2009). (BERNAUER, 2013:435)

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Lapechelle e Paterson (2013), no entanto, encontram evidência de que as democracias tendem a ter trajetórias de emissão de menor crescimento. Como vimos, Steves e Teytelboym (2013) concluem que a qualidade da democracia não aparece como vetor para explicar o estado das políticas de mitigação. No entanto, isso não significa que algumas das características associadas com a democracia, como a liberdade de expressão e imprensa, não tenham impacto sobre outros vetores que influenciam a política climática, como a percepções sobre a ameaça da mudança climática.

Bäettig e Bernauer (2009), ao analisarem os efeitos da democracia sobre a produção do bem público “mitigação” concluem que o efeito sobre a produção de políticas climáticas é positivo; no entanto, os efeitos sobre as emissões de GEE resultam mais ambíguos. Assim,

These results demonstrate that, in moving from political commitments to GHG reductions, the democracy effect has up to this point in time not been able to override countervailing forces that emanate from the free- rider problem, the discounting of future benefits of climate change mitigation, and other factors that cut against efforts to reduce emissions (BÄETTIG e BERNAUER:72)

Os autores, no entanto, colocam uma série de elementos para ser otimistas sobre a relação entre democracia e mitigação. Em primeiro lugar, o crescimento da demanda do público e grupos específicos por políticas de mitigação tenderá a ser maior nas democracias, o que já é uma das características das democracias vis a vis os regimes autoritários (HELD E HERVEY, 2009; LAPECHELE e PATERSON, 2013). As democracias, ao mesmo tempo, tendem a ser mais ativas em monitoramento ambiental e pesquisa e desenvolvimento. Finalmente, as democracias tendem a ter melhores resultados em termos de desenvolvimento sustentável como categoria ampla.

Held e Hervey (2009) também destacam certas particularidades das democracias liberais contemporâneas que as fazem mais competitivas em termos de ação climática, como o melhor acesso a informação, a transparência na tomada de decisões, o estímulo à pesquisa e desenvolvimento e, o empoderamento dos cidadãos, da opinião pública e as organizações da sociedade civil.

No entanto, os autores afirmam que elas são incapazes de lidar eficientemente com os problemas globais de ação coletiva em geral, e a mudança climática em particular, por uma série de características estruturais. A saber:

 A ênfase no curto prazo: derivado da efemeridade dos ciclos eleitorais e a necessidade de satisfazer os interesses do votante médio;

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 Tomada de decisões auto-referêncial: a responsabilidade política está limitada à circunscrição territorial, isto é, o Estado Nação, de forma que os efeitos das decisões que a ultrapassem são consideradas de pouca importância;

 Concentração de grupos de interesse: o processo democrático tende a privilegiar os grupos bem organizados em detrimento dos bens públicos;

 Multilateralismo fraco: as democracias evitam aderir a decisões internacionais vinculantes se elas debilitam a relação com o eleitorado.

Em outro trabalho (VIOLA ET AL, 2013), onde refletimos sobre a relação entre democracia e descarbonização, tomamos elementos da discussão anterior. Em primeiro lugar, reconhecemos a inexistência de uma correlação perfeita entre democracia e descarbonização. Em segundo, reconhecemos as dificuldades que a mudança do clima coloca para a ação coletiva dentro das democracias. No entanto, afirmamos que a evidência empírica mostra que as sociedades mais comprometidas climaticamente são aquelas em que a qualidade da democracia é maior – como os países do Norte da Europa. Argumentamos que nesses casos, é a transcendência dos impulsos de curto prazo e soberanistas os que predispõem as sociedades para melhor lidarem com os desafios da mudança climática.

Como afirmamos em outro trabalho:

As categorias soberanismo/pós-soberanismo operam como extremos de um espectro e não como dicotomia. As forças soberanistas são aquelas que consideram que seu estado nacional não deve ceder parcialmente poderes para estruturas supranacionais e não admitem interferência externa em assuntos internos dos países, particularmente em referência a eles mesmos. As forças pós-soberanistas já aceitaram o estão dispostas à aceitar cessão de potestades para estruturas supranacionais e consideram que os assuntos internos de todos os países são passiveis de interferência. Em geral, a democracia opera como condição necessária para o pós- soberanismo ao tempo que os grandes países (em termos de população, economia e território) tendem a ser soberanistas. De igual forma, a percepção de ameaças estratégico-militares tende a obstaculizar o desenvolvimento de lógicas pós-soberanistas (VIOLA e FRANCHINI, 2012a).