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Não temos a pretensão de fazer um estudo histórico exaustivo sobre a municipalização do ensino no Estado de São Paulo. Apenas queremos visualizar o cenário no qual se desencadeiam as discussões sobre esta problemática no município de Rosana. A título contextual, abordamos alguns feitos municipalizadores do ensino nas duas administrações estaduais que antecederam ao governo de Mário Covas. Procedemos desta forma para melhor compreendermos o embate histórico dos projetos que incentivaram a descentralização do ensino em um Estado cujo histórico se consolidou, no campo educacional, dentro da Federação pela oferta do ensino público fundamental em redes estaduais.

As medidas administrativas descentralizadoras ocorridas no campo do ensino durante os governos estaduais de Quércia (1987 – 1990) e Fleury (1991 – 1994), guardadas as

peculiaridades gestoras em cada um destes mandatos, ocorreram sem promover reformulações estruturais expressivas no sistema de ensino paulista. A prática municipalizadora adotada por estes governos consistiu em uma transferência de encargos educacionais aos municípios de maneira pouco criteriosa. Esta prática não se preocupou em acompanhar ou averiguar quais eram as reais condições administrativas e financeiras dos municípios, bem como desconsiderou o preparo e a capacidade pedagógica dos agentes educacionais pertencentes às localidades que fizeram adesão à municipalização do ensino no período correspondente aos governos de Quércia e Fleury. Com efeito, esta realidade permitiu o fortalecimento das oligarquias locais (GUIMARAES, 1995), que tradicionalmente se caracterizam pela restrição da participação popular nos quadros de decisão, bem como nas iniciativas políticas centrais, e consolidou a maciça presença do Estado paulista no atendimento ao Ensino Fundamental. Segundo números da Secretaria da Educação, até o ano 1994 o governo estadual era responsável pela administração de aproximadamente 87,5% das escolas de Ensino Fundamental do Estado de São Paulo.

A experiência municipalizadora do ensino, em São Paulo, só se intensificou no governo de Mário Covas quando ocorreram as mudanças mais significativas com a reforma administrativa da educação dentro dos moldes indutores nos quais ela vinha sendo desenhada pela política reestruturalista do governo federal. Em 1995, sob a gestão da Secretária de Educação do Estado, Teresa Roserley Neubauer da Silva, a administração de Covas concentrou esforços na reorganização da rede de ensino objetivando concretizar os preceitos legais que previam a obrigatoriedade dos municípios nas ofertas do Ensino Fundamental e da Educação Infantil (BRASIL, 1988).

Dentre as medidas reestruturativas do ensino paulista destacou-se, na época, o Projeto de Reorganização Escolar no Ensino Fundamental que consiste em uma classificação dos prédios escolares de acordo com os níveis de ensino da hoje Educação Básica. Esta ação

segmentou fisicamente as escolas da rede estadual. Conforme este projeto, as escolas que acolheram os alunos com faixa etária entre 7 e 10 anos se concentraram exclusivamente na oferta das quatro primeiras séries do ensino fundamental. Conseqüentemente as escolas que abrigaram os alunos entre os 11 e 14 anos passaram a atender as quatro últimas séries do ensino fundamental.

Esta medida reorganizadora do governo significou de fato uma estratégia para impulsionar o processo de municipalização do ensino no Estado de São Paulo, uma vez que ao concentrar os alunos das 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries em prédios específicos se tornaria mais fácil, na ótica do governo paulista, promover a transferência das escolas estaduais para as redes municipais.

A Secretaria Estadual de Educação esperava fazer com que os municípios assumissem a oferta do ensino nas 4 primeiras séries - a partir da divisão das escolas baseada na faixa etária e no nível de ensino. O argumento utilizado pela Secretária Teresa Roserley Neubauer da Silva como pretexto incentivador da reorganização dos prédios escolares, nos moldes acima mencionados, apoiava-se na hipótese de que a qualidade do ensino e a sua universalização estariam mais bem asseguradas com a divisão física da rede. Além do mais, a Secretária sustentava que, a partir do incentivo à municipalização do ensino, haveria maiores possibilidades do Estado dedicar melhores condições de atendimento ao Ensino Médio.

Na realidade o Projeto de Reorganização Escolar do Ensino Fundamental denota o aspecto indutor que a municipalização do ensino assumiu no Estado de São Paulo. Este aspecto torna-se mais intenso a partir do momento em que o Governo Covas instituiu o Programa de Ação de Parceria Educacional Estado – Município para atendimento ao ensino fundamental, através do Decreto 40.673/96. Esta parceria surge como pretexto do governo estadual para a universalização do Ensino Fundamental no Estado de São Paulo. Ao instituir o Programa de Parceria Educacional Estado-Município, por meio do Decreto 40.673/96, o

Governo leva em consideração “[...] a necessidade de descentralização da gestão educacional com base no princípio da responsabilização, numa nova percepção do atendimento aos problemas que a sociedade apresenta” (SÃO PAULO, 1996). Com efeito, a municipalização propalada neste Decreto admite que a questão da universalização do ensino é um problema de responsabilidade do município e não do Estado (Decreto 40.673/96). O governo do Estado considera ainda que o Programa de Parceria encontra na municipalização a medida mais eficaz para dar “[...] cumprimento ao disposto no artigo 240 e nos §§ 1º e 2º do artigo 249 da Constituição do Estado, objetivando a melhoria e expansão do ensino Público Fundamental, de modo a propiciar a todas as crianças condições de real acesso à escola e que nela permaneçam e progridam” (SÃO PAULO, 1996).

É latente, neste Decreto, o argumento segundo o qual a qualidade do ensino encontra-se intimamente associada à transferência de responsabilidades aos municípios. No entanto, o princípio da responsabilização atribui aos municípios uma maior carga administrativa e não lhes confere uma efetiva autonomia política.

Conforme o Decreto 40.673/96, as obrigações da Secretaria de Educação do Estado concentram-se no fornecimento de apoio técnico aos municípios a fim de que estes possam promover a avaliação necessária de seus sistemas de ensino, elaborar o Plano Municipal de Ensino, instalar o Conselho Municipal de Educação e planejar a sua rede física prevendo demandas futuras, além de acompanhar e avaliar a implantação do convênio. Os municípios, por sua vez, herdaram a parte mais onerosa do programa de parceria. Além de submeterem a organização de suas redes às medidas reorganizadoras da rede estadual, os governos municipais tiveram que se responsabilizar pela manutenção dos prédios escolares e pela construção, ampliação e reforma de unidades escolares com recursos próprios; tiveram ainda que fornecer merenda e transporte aos alunos de suas redes de ensino com recursos próprios ou mediante parcerias fixadas com o Estado. Além do mais, o município, ao firmar a

ação de parceria com o Estado, atesta a sua posição submissa na pirâmide hierárquica dos poderes políticos na medida em que deve mensalmente prestar contas à Secretaria de Educação do Estado sobre os recursos aplicados na educação, bem como mantê-la informada acerca do desenvolvimento de seu plano de trabalho para a efetivação e consolidação do convênio fixado com o Estado (Decreto 40.673/96).

Mais tarde as iniciativas municipalizadoras do ensino no Estado de São Paulo são referendadas através de um novo Convênio de Parceria Educacional Estado-Município para o Ensino Fundamental, promulgado pelo Decreto 43.072/98. Visto que este Decreto é posterior à entrada em vigência do FUNDEF a transferência de encargos ocorrida com a municipalização do ensino paulista passa a ser acompanhada, deste momento em diante, do repasse de recursos do mencionado Fundo. Este fato agregou sustentação à proposta municipalizadora do governo paulista acirrando o seu aspecto indutor que dissimulou, em alguns casos, como o de Rosana (ver capítulo II), a insuficiência de tais recursos.

Após termos procedido a esta contextualização julgamos nos encontrar em condições de nos ater à forma como ocorre a municipalização do ensino em Rosana. Contudo, antes de nos dedicarmos especificamente a este problema faremos uma concisa menção à constituição histórico-política e econômica deste município paulista.