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Como forma de organização da produção o toyotismo, tanto no campo industrial quanto na área de prestação de serviços, expressa, para Alves, uma nova fase de acumulação capitalista, não mais centrada nos padrões taylorista/fordista de exploração da força de trabalho, mas “[...] no princípio da flexibilidade” (2000, p. 3). O elemento caracterizador desta flexibilidade é, para Alves, “[...] a captura da subjetividade do trabalho pelo capital” (2000, p. 4).

Esta captura, segundo Alves (2000), promovida pelo toyotismo impulsiona não só a produção caracterizada pela terceirização de serviços e pela inserção de novas tecnologias produtivas nas indústrias, mas também a reestruturação dos mercados capitalistas em blocos econômicos.

Com efeito, a relação de aliança econômica entre as potências hegemônicas objetiva constituir blocos econômicos supranacionais poderosos que centralizam as áreas mais desenvolvidas tecnologicamente e impõem aos países de economia periférica ritmos diferenciados de crescimento econômico.

Esta concentração impulsiona o discurso da capacitação e preparação dos trabalhadores dos países periféricos, bem como a crescente oferta de educação básica à população destes países a fim de que possam, operários e cidadãos, adentrar ao estágio dos consumidores munidos de habilidades informativas básicas necessárias, respectivamente, ao manuseio e consumo das tecnologias gestadas nos grandes centros econômicos.

Face aos pressupostos que visam flexibilizar a organização da produção e incrementar a preparação do trabalhador, perguntamos: como deve ser a educação neste período em que as micro-tecnologias aceleram a história?

O quadro a seguir pretende traçar um parâmetro comparativo entre alguns dos pressupostos sustentadores dos modelos taylorista/fordista e toyotista aplicados à produção. Concebemos que esta esquematização nos permitirá acenar com uma resposta à nossa inquirição anteriormente formulada.

Quadro 1: Modelos organizadores da produção

MODELO INTEGRAÇÃO: TRABALHADOR - PRODUÇÃO FOMENTA TIPO DE EDUCAÇÃO CAPITAL a dominação Captura: Taylorismo/

Fordismo mecânica da destreza manual do trabalhador

adestramento o fazer e o saber do trabalhador a dominação Captura: Toyotismo orgânica da subjetividade do trabalhador adestramento engajado / educação permanente o fazer, o saber, a capacidade intelectual e a disposição afetiva do trabalhador

O grande desafio do modelo toyotista de produção ao ser empregado na indústria e nos setores de prestação de serviços é tirar o máximo de vantagem possível do uso das novas tecnologias. Isto, no entanto, só é possível mediante uma preparação adequada do ser humano que as maneja.

Mediante esta exigência dissemina-se a premissa segundo a qual o trabalhador deve ser capaz de compreender, incorporar e operar as recentes inovações tecnológicas. Para tanto, Pastore observa que “[...] já não basta ser adestrado, é preciso ser educado – e bem educado. O adestramento ensina a pessoa a fazer uma coisa bem feita pelo resto da vida, mas só isso. A educação ensina a pessoa a apreender continuamente” (2004, não paginado).

O adestramento, segundo Pastore (2004), foi um tipo de instrução suficiente para a preparação de um trabalhador do qual não se exigia uma integração à produção que não fosse além da mecanização de seus movimentos e hábitos. Esta exigência própria dos modelos taylorista e fordistas, restringia-se à necessidade que estes modelos sentiam de promover a dominação da destreza física/manual do trabalhador.

Como observa Pastore (2004), há na atualidade a necessidade de promoção de um aprendizado permanente que recai sobre o ser humano. No entanto, a educação que prepara o homem para atender às novas diretrizes de organização da produção não é menos adestradora do que aquela requisitada pelo taylorismo e pelo fordismo.

O adestramento promovido com o advento do toyotismo não reside mais na robotização dos movimentos do operário, mas no fato que ao pretender capturar a intelectualidade e a afetividade do trabalhador o toyotismo necessita de processos de preparação do indivíduo que não primem mais para as exacerbadas especializações, mas que sejam dinâmicos e gerais a ponto de dar maior mobilidade ocupacional ao trabalhador.

Embora o toyotismo, através do processo de automação da produção, necessite incorporar aos seus quadros produtivos um trabalhador dinâmico, e não mais mecânico, o que

se observa é a continuidade do adestramento do indivíduo. Um exemplo deste caso se dá com os contínuos programas de reciclagem profissional que, para concretizar a capacitação que almejam, requerem a existência de um trabalhador suficientemente adestrado – mas que Pastore (2004) concebe ser bem educado.

Destacamos que tanto no modelo taylorista/fordista como no toyotista a instrução requisitada pelos quadros produtivos e conferida ao trabalhador não assume o aspecto de uma educação compromissada com o esclarecimento e a emancipação do ser humano, mas sim com o condicionamento de seus movimentos (taylorismo/fordismo) e de suas vontades (toyotismo).

Com a organização e gestão da produção através dos ditames toyotistas o sonho que se aviva no trabalhador contemporâneo é o da consumação de suas motivações mais intrínsecas através da realização de um pretenso trabalho qualificado através do qual ele é convidado a vestir a camisa da empresa como se esta motivação garantisse as condições de exercício de um trabalho mais participativo, democrático e menos explorador.

Desta feita, é possível afirmar que “[...] o cerne do toyotismo é a busca de engajamento estimulado do trabalho, principalmente do trabalhador central, o assalariado estável, para que ele possa operar uma série de dispositivos organizacionais que sustentam a produção fluída e difusa” (ALVES, 2000. p. 4).

A subjugação do trabalho ao capital, mediante a captura da motivação do trabalhador, acentua, segundo Frigotto, os elementos característicos do modo de produção capitalista “[...] a acumulação, a concentração e a centralização [...]” (2003, p. 62 – 63) do capital.

A atuação dos modelos taylorista/fordista e toyotista sobre a organização e gestão da produção concebe, como pano de fundo, a presença dos três elementos mencionados

anteriormente. Isto é possível, uma vez que tais modelos produtivos conservam, cada um ao seu modo, características comuns quanto as tentativas de promover:

a) uma organização do trabalho centrada em bases tecnológicas que requerem uma divisão do trabalho e um determinado grau de conhecimento – instrumental - dos trabalhadores à frente de seus postos de trabalho;

b) um regime de acumulação baseado em relações de produção que buscam compatibilizar produção em larga escala com o consumo de massa, sempre garantindo uma margem de lucro para o detentor do capital;

c) uma regulação social visto que cada um destes três modelos de produção alicerça um conjunto político-ideológico de valores e normas que atuam objetivando manter o controle social e reproduzir as relações de condicionamento do trabalho ao capital.

A revitalização da organização do trabalho, na atualidade, através da renovação dos modelos fordista e taylorista ou através da substituição destes modelos por novas formas de produção identificadas como mais flexíveis, como é o caso do toyotismo, trata-se de uma reconstituição modernizada dos elementos característicos da produção capitalista visto que, “[...] as novas tecnologias visam atacar a queda da produtividade do trabalho [...] e a queda da taxa de lucro, mediante a redução do tempo de trabalho necessário [...]” (COGGIOLA, 1996, p. 57) à produção.

A automatização do trabalho, nesse contexto, impulsiona novas formas de reestruturação do processo produtivo e reforça a centralidade e o aumento do controle sobre o trabalhador. Esta realidade é uma determinação do modo histórico como o homem organiza- se em torno da produção das condições materiais de sua existência, por isso mesmo a inserção das novas tecnologias nas fábricas representa a deteriorização de um tipo de trabalho, o material/ trabalho vivo, uma vez que intensifica o controle da classe patronal sobre o trabalhador.

Em sua gênese, não se pode desaperceber, segundo Alves (2000) que o toyotismo é fruto de um processo de luta de classes. Ao aprisionar a subjetividade do trabalhador o toyotismo intensifica a acumulação de capital, pois funciona como um “[...] dispositivo organizacional e ideológico que busca debilitar (e anular) – ou negar – o caráter antagônico do trabalho no seio da produção do capital” (2000, p. 5 – 6).

Em relação ao taylorismo e ao fordismo como formas de racionalização do trabalho o toyotismo significa uma “[...] ruptura no interior de uma continuidade plena [...]” (ALVES, 2000, p. 7).

A continuidade se expressa pela contingência de promoção da racionalização do trabalho. A descontinuidade, entretanto, se expressa no fato que o toyotismo, dado suas bases técnicas, surge, parafraseando Alves (2000), como uma forma de controle da criatividade, da pessoalidade e da subjetividade do trabalhador dentro do processo de produção capitalista. O controle da subjetividade, não implica na queda das formas objetivas de produção da vida. Pelo contrário, a captura da subjetividade do trabalhador acontece como forma de mascaramento das relações antagônicas existentes entre as classes trabalhadora e burguesa.

O controle do capital sobre a subjetividade do trabalhador é o que propicia, em termos de organização e gestão da produção, “[...] os apelos à administração participativa” (ALVES, 2000, p. 10), deixando transparecer a existência de um ambiente de trabalho democrático no qual a exploração do trabalhador seria tida, pelo próprio trabalhador, como algo pretérito.

Devido sua carga ideológica, o toyotismo funciona como um mecanismo que, ao incorporar à produção as motivações psicológicas do trabalhador - face às recentes exigências produtivas despertadas pelas novas tecnologias, embota no indivíduo a necessidade e o desejo de preparar-se para desenvolver funções polivalentes, como se através destas ele tivesse condições materiais de decretar o fim da extremada especialização, própria do taylorismo e do

fordismo, e se tornasse competitivo mediante sua conseqüente qualificação. Porém, observa Alves, a qualificação ou requalificação do trabalhador não ocorre mediante a ampliação de suas especialidades ou especificidades.

A desespecialização – ou polivalência operária – não quer dizer que os operários tenham se convertido em trabalhadores qualificados, mas representam, como salientou Aglieta, ‘o extremo da desqualificação, ou seja seus trabalhos foram despojados de qualquer conteúdo concreto’ (Aglieta, 1978). Deste modo, a uniformização que o toyotismo realiza é apenas a expressão organizacional da coletivização do trabalho, sob a forma de trabalho abstrato (que permite a ampliação das tarefas). O trabalho ampliado, dos pluri-especialistas, resulta tão vazio, e tão reduzido à pura duração, como o trabalho fragmentado (ALVES, 2000. p. 9).

O objetivo maior do novo modo de gestão e organização do trabalho, expressos pelo toyotismo, continua sendo o mesmo presente no taylorismo e no fordismo, a saber: “[...] instaurar no plano da produção de mercadorias, uma nova hegemonia do capital, articulando, de modo original, coerção capitalista e consentimento operário” (ALVES, 2000, p. 10).

A flexibilização da produção que, através das práticas toyotistas, impele o trabalhador a uma permanente qualificação configura-se, mais do que nunca, como um crescente aumento do número de tarefas e habilidades a serem desempenhadas por este no ato da ação produtiva.

Desta forma, é possível afirmar que o processo educativo recebido pelo trabalhador não é em nada emancipador, pois ele existe em função de se “[...] evitar a perda da memória técnica operária dentro das empresas: para isso é necessária a formação e a capacitação prévias dos trabalhadores quanto ao manejo das novas tecnologias” (COGGIOLA,1996, p. 55).

Este processo de formação é ainda fragmentado. Não é necessário que o trabalhador tenha conhecimento de todo o processo produtivo. Na realidade, a flexibilização da produção é sinônima, muito mais, da capacidade de programação das máquinas para que executem diferentes e variados tipos de tarefas em um setor de produção, do que da dinamicidade do operário em atuar em várias frentes de trabalho.

Aliada a esta realidade a competência profissional não significa a idéia de quem possui plena autoridade sobre o que, como e onde faz, mas a de quem tem aumentada, no ambiente de trabalho, a sua responsabilidade, aptidão e destreza para desempenhar cada vez mais um número maior de atividades que requerem o domínio e manuseio de várias informações.

O consentimento operário ao jugo das práticas capitalistas só é possível visto que o capitalismo funda-se em um tipo de relação de produção que determina a forma de consciência do indivíduo, visto que, que condiciona o processo de vida social, política, espiritual e jurídica em uma sociedade.

No modo de produção capitalista a relação de produção é travada entre os trabalhadores, detentores da força braçal produtiva, e os burgueses detentores do capital e dos meios de produção. Nesta relação, devido ao antagonismo de forças em jogo, estes se reservam o direito de expropriar e explorar o trabalho dos primeiros.

Por sua vez, é esta relação de produção que nos faz construir determinadas representações de valores, imagens, simbolismos, costumes, hábitos, idéias e concepções políticas.

Mas, não só nossas representações são formadas com base na maneira como o homem produz histórica e concretamente a sua existência material. O próprio sistema educacional é afetado ou condicionado pelo conjunto das forças econômicas e sociais que constituem a base material sobre a qual produzimos nossas formas de consciência.

Ao passo que formalmente o sistema educacional empenha o discurso de que todos são iguais e gozam de liberdade política e jurídica, as relações de trabalho, presentes no sistema capitalista, por se ancorarem na exploração do trabalho alheio como condição de acumulação de capital por parte dos burgueses, atestam justamente o contrário.

Este elemento contraditório do capitalismo o leva a periódicas crises. A crise, assim, é oriunda, conforme atesta Frigotto (2003), da forma de exploração do trabalho e da forma de apropriação do capital.

O que se assiste na atualidade com a flexibilização do trabalho nas indústrias através da ascensão do toyotismo e com o processo de automatização da produção é uma forma de exacerbação dos meios de obtenção de mais-valia.

Por isso os diferentes competidores buscam, mediante a incorporação crescente da ciência e tecnologia no processo de produção, aumentar o capital morto e diminuir o capital vivo com o intuito de produzir mercadorias ao menor custo e, portanto, condensadoras do máximo de mais- valia (FRIGOTTO, 2003, p. 64).

Na atualidade isto tem ocorrido mediante a supressão ou exclusão da força de trabalho excedente o que requer uma reorganização da mesma de forma que seja mais qualificada e versátil.

Desta feita, a necessidade hodierna de qualificação da mão-de-obra é apenas uma resposta ao esgotamento das formas de extração de capital vivenciadas a partir da década de 1970.

Portanto, a contradição do modo de produção capitalista, segundo Frigotto, se explica historicamente pela sua natureza de maximizar a acumulação de bens e capitais o que o torna incapaz de superar a exclusão social.

O Estado não se encontra fora da jogada, para Frigotto (2003) ele é o avalizador desta realidade. Como observa o autor “[...] a crise do capital é, hoje, de superacumulação estatalmente regulada” (FRIGOTTO, 2003, p. 65). Isto não parece ser inadmissível visto que desde sua concepção revolucionária burguesa – na França – quando abole a propriedade feudal, o Estado atua em favor da manutenção da propriedade em mãos burguesas legitimando os seus interesses.

Para Marx (1982), tanto as formas de Estado como as relações jurídicas baseiam- se nas condições materiais de vida de uma sociedade, por isso mesmo, diferentemente daquilo que Hegel concebia, elas não podem ser entendidas por si próprias. Por sua vez, a forma constituinte de uma sociedade deve ser buscada na economia política.

Os homens, segundo Marx (1982), ao produzirem socialmente a sua existência travam relações que podem ser ao mesmo tempo necessárias e independentes de sua vontade. Essas relações de produção estão estritamente ligadas ao desenvolvimento das forças produtivas materiais.

O conjunto das relações de produção, observa Marx (1982), configura a estrutura econômica da sociedade, ou seja, a base material/real sobre a qual se ergue a superestrutura formada por elementos político-jurídicos (formas de governo e legislação) e ideológicos (educação, valores, costumes, religião). A superestrutura diz respeito à forma como os homens modelam a sua consciência social. O modo de produção, por isto mesmo, é condicionador da vida social, política e espiritual do homem.

O Estado não é uma organização político-jurídica independente dos homens e com vida anterior a eles. Ele não é um grande organismo vivo que se impõe sobre a sociedade ditando-lhe um conjunto de normas morais e jurídicas. O Estado não é, como se apregoou, o defensor do interesse geral ou do bem comum. Na realidade, em uma concepção marxiana, a base do Estado é a vida material dos homens que se organizam socialmente em torno de modos específicos de produção de sua própria existência.

As relações de trabalho travadas entre os homens na base – material – de uma sociedade são o poder criador do Estado e modelador de suas políticas. Como essas relações estão ancoradas na divisão do trabalho e na existência da propriedade privada o Estado torna- se uma forma de organização representativa dos interesses particulares da classe burguesa. A

esfera política do Estado metaforseia assim as relações de exploração que ocorrem na esfera econômica.

Com efeito, o Estado deve ser concebido, segundo as relações materiais de produção, como “[...] Estado histórico, concreto, de classe e, nesse sentido, Estado máximo para o capital, já que, no processo de correlação de forças em curso, é o capital que detém a hegemonia” (PERONI, 2003, p. 22) sobre os elementos político-jurídicos e ideológicos de uma sociedade.

Assim como Frigotto (2003), Peroni (2003) também concebe que a crise, vivenciada a partir dos anos de 1970, é uma crise do capital. Esta crise mergulha o Estado em uma crise fiscal. Portanto, para a autora, uma vez que não se trata da existência de uma crise do Estado, a Reforma do Estado - proposta pelos governos brasileiros da década de 1990 - não passaria de uma estratégia política dado que, mesmo com a Reforma, “[...] o Estado continua extremamente presente, e mais, como Estado máximo para o capital. O seu caráter classista é acentuado na medida em que ele se retira, passando para o controle do mercado as políticas sociais [...]” (PERONI, 2003, p.66-67).

Desta feita, segundo Peroni (2003), as políticas educacionais ocorridas a partir dos anos 1990, no Brasil, devem ser analisadas à luz da redefinição do papel do Estado, entendendo-se sempre que esta redefinição é parte de uma esfera maior de reestruturação da área produtiva e do próprio mercado.