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O conhecimento adquirido acerca da constituição histórica do assentamento Gleba XV de Novembro nos permite deflagrar o cenário econômico, político e social no qual se opera a organização dos trabalhadores rurais sem terra no Pontal do Paranapanema. A formação da identidade social do trabalhador rural, no Pontal, é fortemente marcada pelo

antagonismo: latifúndio versus ocupação. O primeiro elemento referenda a existência de uma classe dominante, proprietária de largas extensões de terras, que em sua grande maioria estão improdutivas, que pretende aumentar seu poderio mediante a organização do espaço rural em torno de um mercado agropecuário exportador. As ocupações, em contrapartida, representam a resistência de trabalhadores que, para firmarem a sua identidade e sobrevivência, necessitam primeiramente ter acesso à terra e posteriormente construir novas relações de poder através das quais seja possível discutir um novo projeto de desenvolvimento para o campo.

A consciência do trabalhador rural em torno das formas de dominação contra as quais têm que lutar, a fim de construir socialmente a sua identidade, nos permite compreender a concepção de educação e de homem que deriva de sua prática produtiva. Julgamos, por isso, ser necessário apresentar alguns dados sobre a constituição histórica do Pontal do Paranapanema a fim de que possamos coletar as informações necessárias acerca da formação e da identidade social do trabalhador rural residente no assentamento Gleba XV de Novembro e, por conseguinte, entendermos como se processa a educação no local.

A região do Pontal do Paranapanema está localizada no extremo oeste do Estado de São Paulo entre os rios Paraná e Paranapanema, fazendo fronteira com os Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul.

A área denominada Pontal do Paranapanema, onde se situa o assentamento Gleba XV de Novembro, ficou nacionalmente conhecida a partir da década de 1990 devido aos conflitos agrários travados entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que representa a luta pela democratização do acesso à terra – e, por extensão, à cidadania e à educação – e os latifundiários, representados pela ação conservadora e retrógrada da União Democrática Ruralista (UDR). Todo o Pontal foi, outrora, parte integrante de uma seção de

terras conhecida como fazenda Pirapó-Santo Anastácio13 que compreendia um vasto latifúndio forjado através de documentação duvidosa pela prática de grilagem – envelhecimento de documentação adulterada. Os conflitos no Pontal do Paranapanema ocorridos durante a década de 1990 expressavam as reivindicações dos trabalhadores rurais sem terra pela desapropriação e regularização das áreas improdutivas.

As contendas agrárias na região não eclodem especificamente na década de 1990. Elas existem, pelo menos, desde o princípio do século passado quando expedições colonizadoras mataram e baniram os índios Cayuás – habitantes primitivos da região – e expulsaram os pequenos posseiros, na década de 1930, a mando dos grandes posseiros. Estes conflitos também se fizeram presentes em meados do século XX, com a construção do Ramal Ferroviário de Dourados na região. Os maiores beneficiados com a construção do ramal foram os latifundiários que – valendo-se da comodidade de transporte propiciada pelos trilhos do ramal de Dourados - implantaram uma pecuária alicerçada na depredação dos recursos naturais que empobreceu a região, vista por eles potencialmente como um grande pasto (SOUZA, 2001, p. 08). Atualmente, os conflitos fundiários no Pontal do Paranapanema ainda configuram-se complexos e encontram-se distantes de uma resolução. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) desponta, na região, como o principal movimento social de organização dos trabalhadores que se indignam e lutam contra a existência de terras improdutivas, devolutas e griladas por latifundiários e contra a prevalência dos ideais modernizadores do campo segundo as referências do capital e do mercado. Embora os conflitos fundiários no Pontal do Paranapanema procedam de longa data os assentamentos organizados e gerenciados pelo governo ou pelo MST só começaram a se delinear há cerca de 20 anos. Durante o final da década de 1970 e início da década de 1980 os conflitos

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As informações contidas neste tópico são extraídas de: SOUZA, João Maria de. Histórico da ocupação da

região do Pontal do Paranapanema. [s.i.: s.n.], 2001 e do site da Prefeitura Municipal de Rosana: www.

permaneceram dissimulados devido a construção das Usinas Hidrelétricas de Taquaruçu e Rosana – no rio Paranapanema – e Porto Primavera (hoje denominada Usina Engº Sérgio Motta), no rio Paraná, pela Companhia Energética de São Paulo (CESP).

As obras destas hidrelétricas geraram cerca de 30 mil novos empregos na região e abafaram a problemática social em torno da apropriação da terra. No entanto, na primeira metade da década de 1980, após a conclusão da construção da hidrelétrica de Rosana e com a desaceleração das obras na Hidrelétrica de Porto Primavera, a problemática social em torno da questão fundiária ressurge revitalizada pelo desemprego local e pelo grande contingente de trabalhadores que haviam sido expulsos de suas terras durante o represamento das águas que formaram os lagos das mencionadas hidrelétricas.

A maioria dos operários - carpinteiros, pedreiros servente e pintores – com nenhuma ou quase nenhuma qualificação, que trabalharam na construção das hidrelétricas de Rosana e Porto Primavera eram anteriormente trabalhadores rurais que haviam migrado de outras regiões do país atraídos pelo dinheiro fácil ou que haviam tido suas famílias expulsas de suas terras durante o processo de territorialização do Pontal do Paranapanema em torno da extração da madeira e da formação das grandes propriedades agropecuárias. Meeiros, pequenos arrendatários, bóias-frias, carpinteiros, pedreiros e serventes de serviços gerais desempregados das obras de construção das hidrelétricas e os ilhéus expulsos de suas propriedades formariam o grupo de trabalhadores que em 1983 acamparam às margens da rodovia SP 613 dando início às lutas que se desdobrariam mais tarde na desapropriação das áreas que formaram o segundo maior assentamento do Estado de São Paulo: o assentamento Gleba XV de Novembro. Todos eles possuíam em comum o fato de serem trabalhadores que se encontravam impossibilitados de trabalhar, pois tiveram negado, pelo Estado ou pelos latifundiários, o acesso a um emprego ou à terra.

histórico de conflitos cuja fundamentação esteou-se no combate à exploração e à possessão extensiva das terras do Pontal e na necessidade deflagrada de novas políticas sociais para o campo que não se atrelassem à lógica excludente do capital, mas à história, à cultura, aos valores e a identidade dos próprios trabalhadores rurais.