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A cidade de Rosana-SP foi fundada em decorrência das especulações acerca do projeto de construção do Ramal Ferroviário de Dourados, efetuado pela Companhia

Sorocabana de Estradas de Ferro.8 Embora sua origem date da década de 1950, Rosana só se emancipou político-administrativamente em novembro de 1989 quando, por meio de um plebiscito, deixou de ser um distrito de Teodoro Sampaio. As primeiras eleições municipais para definição do governo local só se realizaram no ano de 1992.

Rosana situa-se no extremo oeste do Pontal do Paranapanema, região localizada no sudoeste do Estado de São Paulo. Ao sul o município faz divisa com o Estado do Paraná - sendo separado deste pelo rio Paranapanema e ao norte é separado do Estado de Mato Grosso do Sul pelo rio Paraná. Ao leste a sua divisa se dá com o município de Euclides da Cunha Paulista e a oeste o limite do município é realizado pelo encontro das águas dos rios mencionados.

O município é formado pela cidade de Rosana, pelo distrito de Primavera9, por três assentamentos rurais, um bairro rural – Bairro 68 - por duas comunidades ribeirinhas e por várias ilhas habitadas por trabalhadores rurais.

A área total do município é de aproximadamente 739,00 km² dos quais 11,00 km² são área urbana e 728,00 km² são área rural. Em 2002, segundo números publicados no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 6.198 (25,58%) dos habitantes viviam na zona urbana, e cerca de 18.031 (74,42%) na zona rural. Rosana está localizada a 780 km da capital de São Paulo e sua principal atividade econômica é a produção mista, lavoura e pecuária.

Como mencionamos no capítulo II deste trabalho, no ano de 2002, Rosana possuía uma população de cerca de 25 mil habitantes e um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 727,3 milhões que gerava uma renda média per capita de R$ 28.825,00. No período entre 1999 e

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Este Ramal deveria partir de Presidente Prudente e se estender às margens do rio Paraná, bem próximo ao seu ponto de confluência com o rio Paranapanema – onde hoje se situa Rosana. Uma ligação por balsas faria o trajeto até o lado sul matogrossense; desse ponto em diante a ferrovia se estenderia até Dourados (MS). Porém, o projeto não se concretizou inteiramente, os trilhos da estrada de ferro se estenderam apenas até o município vizinho de Euclides da Cunha Paulista.

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Cidade planejada e construída na década de 1980 pela Companhia Energética de São Paulo S/A (CESP) durante as obras de construção da Usina Hidrelétrica de Rosana e da Usina Hidrelétrica Engº Sérgio Motta (antiga Usina Porto Primavera).

2002, Rosana apresentou um crescimento do PIB da ordem de 137%. No mesmo período o município registrou, dentro da região administrativa de Presidente Prudente, o maior aumento percentual da renda per capita: 126%.

A tabela abaixo apresenta-nos alguns dados sobre a arrecadação do município, bem como sobre o montante aplicado na manutenção do Ensino Fundamental.

Tabela 3

Rosana – Receita Arrecadada de 1997 a 2003

ANO ARRECADAÇÃO INVESTIMENTO/

EDUCAÇÃO APLICAÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL 2003 46.806.348,41 7.420.145,28 5.900.301,69 2002 33.478.055,28 5.823.030,21 4.462.710,19 2001 22.256.815,42 5.586.223,20 4.358.469,15 2000 21.842.643,82 5.460.173,03 4.303.672,63 1999 18.294.318,24 4.897.294,77 4.011.956,95 1998 22.673.784,94 5.521.361,63 não há dados 1997 14.850.539,89 4.064.455,83 não há dados

Fonte: Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP).

Os números da tabela demonstram que enquanto a arrecadação entre os anos de 1997 e 2003 cresceu cerca de R$ 28 milhões o crescimento do investimento em educação somou pouco mais de R$ 3 milhões. No ano de 1997, os gastos em educação representavam 27,36% do total de receitas do município. No ano de 2003, os investimentos em educação corresponderam percentualmente a 15,85% da arrecadação. Levando-se em consideração a característica econômica dos demais municípios do Pontal do Paranapanema é possível afirmar que Rosana ocupa lugar de destaque devido aos números de sua arrecadação.10

Apesar de sua posição financeira privilegiada os governos municipais rosanenses, que se sucederam à frente da administração local desde 1993, ainda não conseguiram fixar as

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Boa parte da receita de Rosana advém dos royalties pagos pelas administradoras das Usinas Hidrelétricas Rosana e Engº Sérgio Motta. O aumento considerável da arrecadação entre os anos de 2001 a 2003 se atribui ao Convênio CESP (ver nota número 5).

bases para o desenvolvimento econômico deste município. Segundo demonstrativos do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) as três primeiras administrações municipais de Rosana11 possuem um histórico repleto de irregularidades. Os prefeitos eleitos em 1992 e em 1997 destinaram à educação, nos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999, valor abaixo do percentual mínimo de 25% fixado, para o ensino fundamental, pela LDB 9394/96, Artigo 69. Como se não bastasse este episódio, as contas municipais, nos anos de 1995, 1996, 1998, 1999 e 2000, receberam parecer desfavorável, por parte do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP).

A que se deve este fato? Porque o investimento em educação diminuiu em relação à arrecadação total do município? A julgar pelos recentes episódios ocorridos no cenário político municipal rosanense é possível visualizar que a invejável arrecadação, quase 50 milhões de reais para um município com população inferior a 30 mil habitantes, motiva e intensifica uma corrida pelos cargos públicos municipais em Rosana. Associado a este motivo há o término das construções das duas hidrelétricas existentes no município que acarretou um sensível aumento no número de trabalhadores desempregados em Rosana “[...] só para se ter uma idéia, em 1992 no auge das obras, tínhamos na construção só na Usina de Porto Primavera quase 10.000 funcionários, sendo que atualmente não passa de 500” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2004). Esta realidade fez com que o funcionalismo público se tornasse uma das poucas frentes de trabalho no município. Como boa parte dos cargos públicos são ocupados por nomeação – os cargos de diretoria das Divisões/Secretarias Municipais e das direções e coordenações de escolas são um exemplo desta realidade – o funcionalismo público acaba sendo visto como um cabide de empregos. Este cenário criou no

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As primeiras eleições municipais em Rosana foram realizadas em 1992. Desta forma, o município possuiu até hoje apenas quatro prefeitos: Jurandir Pinheiro, 1993 a 1996, Newton Rodrigues (cunhado do prefeito anterior), 1997 a 2000 e Álvaro Augusto Rodrigues entre os anos de 2001 e 2004. De meados de fevereiro até meados de junho de 2005 o município ficou sem prefeito eleito, tendo sido governado pelo presidente da câmara dos vereadores. No final de junho de 2005 Jurandir Pinheiro, candidato mais votado nas eleições de 2004, tomou posse como prefeito de Rosana.

município uma espécie de mentalidade de conivência com as improbidades administrativas cometidas pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo local; quem tem um posto de trabalho público dificilmente quer arriscá-lo denunciando as fraudes locais porque sabe as dificuldades existentes na região e a escassez de empregos. Aqueles que tiveram essa coragem não ficaram sem sofrer algum tipo de retaliação, a mais freqüente delas foi a perda do cargo. O depoimento de uma ex-professora da rede municipal rosanense aponta um desses fatos: “[...] uma pessoa muito próxima a mim trabalhava num cargo de confiança na Prefeitura e fazendo alguns acertos ele descobrira que havia algo errado. Quando percebeu as irregularidades em seu setor e se recusou a compactuar com essas medidas pouco éticas, ele foi demitido”.

A julgar pelo histórico de improbidades administrativas cometidas pelos governos municipais de Rosana, nem mesmo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), criada há pouco mais de cinco anos com o intuito de disciplinar e coibir os desvios de verbas dos cofres públicos, conseguiu criar uma cultura de gestão do patrimônio público fiscalmente responsável. Os escândalos políticos em Rosana, cometidos nas três primeiras gestões municipais, por representantes do executivo e do legislativo local, mostram que a questão da responsabilidade e da lisura com o gerenciamento da coisa pública extrapola o caráter imperativo e coercitivo das normas da LRF.

Não se pode negar, no entanto, que esta lei permite ao munícipe um maior acompanhamento da aplicação dos recursos públicos. É esta especificidade da LRF que tornou pública, mediante incansáveis denúncias por parte de um pequeno segmento da população rosanense, o histórico de desvios dos recursos públicos e de dilapidação do uso das receitas orçamentárias do município. Em março de 2005, uma Força Tarefa do Ministério Público, ao investigar supostas irregularidades nas administrações em Rosana, promoveu um levantamento do número de procedimentos abertos pelo Ministério Público na cidade e

conclui que do ano de 1999 até o primeiro bimestre de 2005 havia sido instaurado pela própria promotoria mais de 90 inquéritos civis públicos referentes às contas da prefeitura rosanense.

Atualmente, o cenário político local tem freqüentado rotineiramente os noticiários veiculados na mídia da região. Os quatros primeiros colocados, para o cargo do executivo, nas eleições de outubro de 2004 enfrentaram problemas com a Justiça. Dentre os sete candidatos que disputaram a cadeira do Executivo local - e pelo salário de aproximadamente 12 mil reais que ela reserva - Jurandir Pinheiro, ex-prefeito entre 1993 – 1996, foi o mais votado. Porém, não pode assumir a prefeitura porque ainda em sua campanha eleitoral foi denunciado pelo Ministério Público por ter prestado favores a eleitores em troca de votos. Tomou posse, então, o segundo colocado mais votado, Álvaro Rodrigues – prefeito entre 2001 e 2004. Álvaro12 foi afastado no primeiro bimestre de 2005 pela Câmara Municipal e mais tarde cassado pelo próprio Poder Judiciário. O Ministério Público estima que somente durante o último ano do mandato de Álvaro Rodrigues o rombo nos cofres públicos ultrapasse a casa dos 2 milhões de reais.

Como os dois candidatos mais votados representavam mais de 50% dos votos do eleitorado local, novas eleições foram marcadas pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo para o dia 05 de junho de 2005. Seis candidatos, Jurandir Pinheiro e Álvaro Rodrigues foram impossibilitados de concorrer novamente, fizeram campanha para assumir o cargo de prefeito após o pleito de junho. Às vésperas das eleições, no dia 01 de junho, Jurandir Pinheiro, o candidato mais votado em outubro de 2004, após ter entrado com um recurso junto ao TRE-SP, conseguiu reverter a sua cassação e ganhou o direito de ser diplomado prefeito de

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Na campanha eleitoral de 2004 Álvaro Rodrigues e seu vice, Valdomiro Donizetti Toso, foram beneficiados por verbas do Convênio firmado em 2001 – na ordem de 35 milhões de reais a serem repassados em um prazo de oito anos - entre a Companhia Energética de São Paulo S/A (CESP) e Prefeitura de Rosana. Este Convênio visa a construção de obras de infra-estrutura na cidade de Primavera. Pesam ainda sobre Álvaro, durante sua administração, as acusações de superfaturamento nas obras de extração de areia do rio Paraná; falsificação de notas fiscais; superfatura com combustíveis, viagens e material de escritório; desvio de verbas na construção de poços d´água no assentamento Gleba XV de Novembro.

Rosana em 06 de junho. No dia 06 de junho, Jurandir Pinheiro foi diplomado prefeito pelo Juiz Eleitoral da Comarca de Teodoro Sampaio e, simultaneamente, no mesmo cerimonial, cassado por esta autoridade que o considerou culpado por compra de votos de eleitores do assentamento Gleba XV de Novembro durante as eleições de outubro de 2004. Em 08 de junho Jurandir Pinheiro protocolou recurso junto ao TRE, em São Paulo. No dia 15 de junho o Tribunal suspendeu a decisão da Justiça Eleitoral de Teodoro Sampaio que cassava o diploma de Jurandir. O TRE-SP decretou novamente a diplomação de Jurandir Pinheiro para o dia 17 de junho de 2005. O prefeito eleito, no entanto, só assumiu a cadeira do executivo rosanense em 20 de junho sob aparato policial que reprimiu as mobilizações dos moradores do município que visavam evitar o empossamento do novo prefeito e, em decorrência deste ato público de repúdio, poupar o patrimônio público rosanense de um histórico de contínuas ações depreciativas.

Como se pode notar a não observância da LRF, por parte dos políticos rosanenses, e os episódios que envolveram as últimas eleições municipais locais, encontram esteio no fato de que os dirigentes do executivo rosanense estão pouco preocupados com o bem-comum. Nenhuma das três administrações municipais que governaram Rosana entre os anos de 1993 e 2004 construiu um consistente programa de desenvolvimento local que promovesse o aproveitamento do potencial agrícola dos assentamentos e o potencial de pesca das comunidades ribeirinhas do município, muito embora houvesse arrecadação para tanto.

A descrição da realidade político-econômica de Rosana, exposta nos parágrafos anteriores, nos permite visualizar ainda a falta de políticas sociais fomentadas pelo governo municipal em benefício de suas escolas rurais. A recente situação política local, que envolveu os episódios vexatórios das últimas eleições municipais, e o histórico de escândalos administrativos apoderam-se da política rosanense impedindo a instauração de um plano de desenvolvimento local atento às reivindicações dos munícipes por melhores condições de vida

e de trabalho e igualmente compromissado com a construção de projetos/políticas sociais voltadas para as escolas rurais localizadas nos assentamentos.

Em face da realidade política exposta até o momento é possível observar que embora o texto constitucional de 1988 tenha conferido ao município uma esfera de competência própria, em Rosana, devido as suas circunstâncias administrativas, ainda não foi possível efetivar a proximidade da população em relação ao poder municipal. Este fato proporcionou, até o momento, a não existência de uma gestão local mais democrática, além de ter posto em evidência a duvidosa capacidade do município rosanense em ser melhor gestor da educação que o Estado.

Cremos que após termos feito esta constituição político-histórica das gestões e arrecadações do município podemos nos dedicar a uma análise do teor das políticas educacionais agenciadas pelo governo local neste contexto de improbidades administrativas. Anteriormente, porém, nos deteremos, nos dois próximos tópicos deste trabalho a uma descrição histórica primeiramente do cenário no qual surgem os trabalhadores sem-terra no Pontal do Paranapanema e, posteriormente, do surgimento do assentamento Gleba XV de Novembro.

4.3 Os conflitos agrários no Pontal do Paranapanema e a formação da identidade social