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Os textos elaborados por Tocqueville (1997) e Enterría (1984), acerca da natureza administrativa do Estado moderno, permitem-nos observar que o Estado é marcado por uma identidade centralizadora do poder administrativo. Semelhante característica despreza, como nos atestou Enterría, a autonomia das administrações municipais contemporâneas, visto que estas estariam estruturadas institucionalmente como poderes executores de funções delegadas

pelo Estado. Por sua vez, estas funções delegadas comprimiram as liberdades locais às regulamentações estatais.

Julgamos que a perduração desta natureza administrativa faz-se, hoje, presente – embora com algumas concessões - em grande medida pelas estratégias propaladas pelo Banco Mundial para os países de economia periférica.

A década de 1990 deflagrou a existência de uma nova fisionomia mundial comandada pela hegemonia política, econômica, militar e tecnológica das grandes potências industriais que por meio da agenda neoliberal, impuseram árduas medidas de disciplina fiscal para as nações latino-americanas, como é o caso do Brasil.

A estratégia de assistência ao Brasil elaborada pelo Banco Mundial, objetiva promover reformas econômicas e sociais com o intuito de fazer com que o país torne-se, segundo a crença desta agência, uma economia moderna. As estratégias, entretanto, visam impulsionar o setor privado – através de programas de privatização e fortalecimento dos bancos - e integrar de maneira submissa a economia nacional aos mercados internacionais.

A internacionalização econômica, que ocorre mediante os pressupostos ideológicos das medidas neoliberais, consagra o capital financeiro como o seu primordial agente. Assim, as agências financiadoras, Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI), despontam como uma espécie de órgãos econômicos a serviço das potências centralizadoras do hemisfério norte, como salienta Sader (1997) ao fazer uma análise conjuntural sobre o cenário mundial que se edificou após os feitos socialistas da década de 1960.

Essa internacionalização, que desloca certa quantia de ração de suprimentos financeiros e tecnológicos para os países do hemisfério sul, notará o autor, é tendenciosa, pois ela nunca deixa de consolidar os interesses dos grandes bancos que não sejam o FMI e o

Banco Mundial, em nome da derrocada do capital financeiro pertencente aos países de menor peso desenvolvimentista.

Para que esse deslocamento se dê, é necessário que a soberania nacional dos Estados da periferia seja enfraquecida, que os capitais possam circular livremente, o que se transforma num critério para que os investimentos fluam. Quanto aos Estados dos países centrais do capitalismo, eles continuam sendo os articuladores de seus interesses em escala mundial (SADER, 1997, p. 47).

As grandes potências capitalistas afirmam o seu domínio sobre os países de economia periférica mediante a ação de órgãos financiadores como o Banco Mundial: responsável pela redefinição e reestruturação das regras econômicas do mercado mundial.

No contexto brasileiro, durante a década de 1990, o ideário neoliberal afetou as esferas social, política e econômica nacionais. As recentes políticas públicas, adotadas pela União, pelos Estados e impostas aos municípios, foram elaboradas em parceria com os organismos internacionais e implementadas de acordo com os princípios privatistas destas agências.

Este cenário envolve e exerce inestimável influência sobre a realidade educacional brasileira que, como um setor social do Estado nacional que se privatiza, passa a ser regulada pela lógica do mercado capitalista.

As influências do Banco Mundial emergem de sua preocupação em traçar estratégias para que o Estado nacional objetive reduzir a pobreza de sua população mediante a qualificação, por meio da educação, da mão-de-obra disponível. Segundo o Banco, os investimentos efetuados na educação básica favorecem a redução da pobreza, promovem o aumento da produtividade e trazem consigo outros ganhos sociais e, além de tudo, fazem com que a população possa participar ativamente da economia.

As principais recomendações do Banco Mundial para os países periféricos, reunidos na Conferência Mundial de Educação para Todos, priorizam o ensino básico e a descentralização dos sistemas escolares mediante uma maior flexibilização administrativa.

Com o intuito de disseminar o acesso ao ensino fundamental e procurando torná-lo menos dispendioso de recursos, o Banco Mundial usa argumento segundo o qual os Estados não mais estão conseguindo manter as suas políticas sociais devido à carência de recursos de que padecem e, por conseguinte, não conseguem administrá-los satisfatoriamente por falta de racionalidade do sistema. É neste ínterim que se evoca a descentralização da educação como um mecanismo de administração local mais democrático e não mais como um mecanismo de controle estatal.

A descentralização, assim, passa a ser o norte da política educacional brasileira e uma medida do Banco Mundial à problemática da inoperância estrutural do Estado nacional seguidor de um modelo administrativo altamente burocrático.

Neste ponto, a política educacional financiada pelo Banco Mundial além de sua preocupação em garantir o aceso da população às aprendizagens básicas (o que propiciaria ao indivíduo um aumento no seu poder de ganho, visto que ele se tornaria capacitadamente produtivo) visa aumentar e dinamizar a força de trabalho existente garantindo ao trabalhador um nível básico de habilidades que atenda a sua inserção no mercado global. Para atingir tal intuito, promove-se a descentralização da educação na expectativa de que esta ação possa melhor atender às necessidades locais mediante, por exemplo, uma reestruturação do currículo escolar que com isso o colocaria mais proximamente aos anseios da comunidade e aumentaria a eficácia do serviço e a conseqüente qualificação da mão-de-obra.

Assinalamos que a política educacional do Banco Mundial reduz-se a uma análise econômica que institucionaliza os valores de mercado no círculo da vida social. O Banco, desta feita, assemelha o sistema educacional ao funcionamento de uma empresa subordinando os problemas educacionais aos ditames da acirrada competitividade de mercado. No entanto, a assessoria dada por esta agência financiadora parece não levar em conta que suas políticas educacionais, baseadas no modelo neoclássico e na teoria do capital humano, tornam-se

inconseqüentes para uma avaliação qualitativa das políticas sociais, visto que estas “[...] não são economicamente sustentáveis e conduzem a novas crises fiscais, mas também são ineficientes perante os próprios critérios neoclássicos” (CORAGGIO, 1998, p. 96).

Os projetos propostos pelo Banco objetivam propulsionar não só a eficiência econômica dos países periféricos – o que garantiria, aos investidores, maior certeza quanto ao pagamento da dívida externa, mas, principalmente, consolidar as suas próprias estratégias e políticas de desenvolvimento frente às políticas de desenvolvimento de base fordista/keynesiana que imperaram como modelo fomentador da economia desde o período da Segunda Guerra Mundial até meados da década de 1970.

Como se trata de uma instituição financeira o Banco Mundial não é uma agência estimuladora do desenvolvimento qualitativo das políticas sociais. Ao contrário, o Banco ocupa-se muito mais em ser uma agência estimuladora da redução, ao máximo, dos encargos dos Estados com os gastos/investimentos sociais para que estes possam dedicar-se ao pagamento da dívida externa e remover as barreiras ao capital financeiro internacional, o que para o Banco é fundamental numa economia competitiva e excludente como se configura a economia globalizada.

O apoio deste organismo à educação opera-se mediante estratégias de financiamento e de medidas de assessoria político-educacional. As políticas sociais propostas pelo Banco Mundial para o Brasil orientam-se em duas frentes: de um lado objetivam assegurar à população um mínimo de educação, saúde e saneamento; de outro visam garantir o ajuste estrutural do Estado liberando as forças do mercado.

Para efetivar a reestruturação de suas administrações o governo central empunha o discurso da descentralização que se opera mediante a transferência das responsabilidades pela execução das políticas sociais para os governos locais e suas comunidades.

Segundo Coraggio (1998), as sugestões do Banco Mundial quanto à reordenação das políticas públicas nacionais não são decorrentes de um diálogo desinteressado que procuraria melhores respostas técnicas compartilhadas para as crises administrativas enfrentadas pelo governo. Elas também não são, seguirá ele, resultado de um maquiavelismo conspiratório. No entanto, não se pode negar a existência de forças e projetos de dominação (CORAGGIO, 1998, p. 83) quando se está falando deste redimensionamento administrativo estrutural do Estado nacional.

A política social do Banco Mundial esta focada meramente em termos de uma preocupação restricionista com a renda e sua distribuição. O Banco submete o investimento social à lógica do reducionismo economicista. Assim as suas propostas para a educação, vistas pela agência como uma área social que deve ser assegurada para todos, são formuladas perante uma análise econômica das problemáticas que se abatem sobre o cenário educacional brasileiro.

Esta análise permite ao órgão financiador estabelecer quais são as prioridades a serem cumpridas pelo governo no campo educacional: como exemplos temos a iminência de descentralizar o ensino fundamental, a promoção de políticas de progressão continuada e uma crescente ação avaliadora do Estado sobre os sistemas de ensino.

Conforme Coraggio (1998) essa metodologia economicista de análise não garante que as políticas sociais, em particular a da educação, sejam sustentáveis economicamente. O objetivo imediato do Banco é induzir os sistemas educacionais à descentralização. O investimento em educação para o Banco Mundial é uma via para o desenvolvimento do país. A educação, nesta ótica, encontra-se intimamente atrelada ao desenvolvimento do capital humano o que – pretensamente - geraria um aumento da renda da população e do país.

Concebemos que este é o objetivo que guia as medidas descentralizantes propostas pelo Banco Mundial, a quem parece possível atender a necessidade do mercado por

mão-de-obra mais qualificada, dinâmica e flexível investindo-se em educação para todos. O problema que isto suscita e que a agência parece neglicenciar é o fato de que não mais vivemos o mundo do pleno emprego (se é que já o vivemos). Então, “[...] como alcançar um crescimento baseado em tecnologias de trabalho intensivo quando o modelo informacional de desenvolvimento (que substitui o modelo industrial) é justamente um grande eliminador de força de trabalho?” (CORAGGIO, 1998, p. 86).

A respeito da eficácia destes projetos propalados pelo Banco Mundial para a educação Coraggio (1998) afirma a necessidade de existência de uma ativa e crítica participação da sociedade civil nas discussões e consensos em torno das ações educativas que sejam plausíveis com a realidade do país. Assim, não são, para o autor, uma avaliação do quadro educacional construída a partir de parâmetros tecnicistas ou o redirecionamento administrativo do Estado por meio de medidas descentralizadoras ou desconcentradoras do poder que assegurarão uma redução da pobreza e o conseqüente crescimento econômico do país.

É preciso redirecionar e incutir em toda a sociedade a necessidade de um processo de mudança institucional e cultural de longa duração, o que não se garante apenas com um rigoroso exame das opções técnicas, nem deslocando o poder tecnocrático dos organismos internacionais para os governos nacionais, ou destes aos governos locais ou às ONGs (CORAGGIO, 1998, p.120).

Em conformidade com a crítica de Coraggio (1998) às negligências das medidas tecnicistas do Banco Mundial para a educação, o próximo tópico deste trabalho focalizará o caráter indutivo da transferência de poder administrativo de uma esfera de governo à outra. Concebemos ser possível visualizar os propósitos imperativos da transferência de poder entre as unidades federadas particularmente com o caso da municipalização do ensino ocorrida no Brasil a partir de meados da década de 1990.