• Nenhum resultado encontrado

O modelo de racionalização do financiamento do Ensino Fundamental, proposto pelo Governo Federal mediante a criação do Fundef através da Emenda Constitucional 14/96 e regulamentado pela Lei 9.424/96, não pode ser analisado sem que levemos em conta a lógica da natureza das ações do Estado no campo das políticas educacionais.

Notamos que o trabalho do Governo Federal brasileiro para que os Estados e os municípios assumam a administração do ensino fundamental possui alicerces no avanço de ações político-estruturais propagadas pelos organismos internacionais que defendem, dentre outras disposições, um impactante controle dos gastos públicos e a privatização de instituições educacionais universitárias, em nome da racionalização administrativa da máquina estatal.

O exposto reforça a demonstração da idéia ou realidade de que toda política educacional é orientada por um interesse ou uma necessidade estrutural do Estado. Aqui, neste caso, não se pode desprezar o papel/função do modelo econômico neoclássico como impulsionador da substituição do Estado ampliado7 pelo Estado mínimo.

Como perceberemos, as novas políticas reformistas de financiamento da educação têm sido apresentadas quase sempre como capazes de minimizar problemas tais como: a evasão e a repetência escolar, racionalização dos gastos com o ensino fundamental etc, como é o caso da expectativa que se nutre acerca da criação e implantação do FUNDEF. Essas políticas de financiamento educacional são o reflexo das recentes transformações econômicas que afetam a administração política nacional.

Desta feita, podemos dizer que a reforma educacional intencionada pelos governos federais da década de 1990 e a criação do FUNDEF objetivam resolver a crise de gestão existente no sistema de ensino. Esta, por sua vez, é fruto de uma latente crise financeira global que ameaçava – ou ainda ameaça - atingir as capacidades produtivas do Estado

7

Esta expressão diz respeito à parceria existente entre os organismos privados e estatais na administração dos programas sociais (FALEIROS, 1991).

nacional e o impele a uma crescente e urgente modernização de seus sistemas monetário e previdenciário.

Responder às ameaças do capital externo e aos seus distúrbios burocráticos através de uma reforma na administração de seu sistema escolar tem sido algo tomado como medida emergente para que o Estado possa firmar-se como soberano.

Como tentativa para manter-se administrativamente centralizado o Estado passou a promover a transferência de encargos e funções das escalas nacionais e estaduais para as esferas municipais da administração, como é o caso da municipalização do ensino.

Desta feita, a criação do Fundo – como uma dessas políticas racionalizadoras do Estado - reforça a obrigatoriedade dos municípios sobre o ensino fundamental como atesta- nos Cury:

[...] o FUNDEF foi o modelo encontrado para que a manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental fosse o foco das políticas com envolvimento das três esferas federadas, com a prioridade desta etapa atribuída aos municípios. Trata-se de decisão planejada do poder público federal, e intencionalmente dirigida. (2002, p. 32).

Cabe ressaltar, neste ponto, que a intencionalidade diretiva ao redor da criação e execução do FUNDEF ocorre impositivamente de cima para baixo promovendo o aprofundamento de iniciativas – tal como o FUNDEF – que objetivam descentralizar os mecanismos de financiamento e execução das políticas públicas, pretensiosamente racionalizando o processo de gasto.

Na mesma linha de argumentação, encontramos Menezes (2001) para quem a adesão brasileira ao ideário descentralizante é concomitantemente de caráter econômico e político e refere-se à hegemonia do modelo neoliberal em nosso território.

Corroborando com Menezes, Guimarães (1998) afirma que os prefeitos foram seduzidos pelas benesses econômicas dos planos de municipalização e agiram “[...] sem levar em conta as implicações futuras para as administrações locais” (1998, p. 112).

Retomando Menezes, a centralização e o autoritarismo foram sempre a tônica da história de nossa administração pública que largamente respondeu aos interesses de determinados grupos dominantes – caráter privado do Estado - que não adotava critérios transparentes para a alocação e aplicação dos recursos. Estes, por sua vez, eram escassos e mal gastos não suprindo as demandas sociais.

É nesse contexto que o ideário descentralizante ganha espaço e força no Brasil, como um antídoto para essas vicissitudes. Aposta-se nesse mecanismo como uma maneira de atenuar os problemas acima apontados, pois seria uma forma de operacionalização da gestão das políticas públicas, permeável a controle, sobretudo no que diz respeito ao financiamento e gasto (MENEZES, 2001, p. 62).

Posterior diagnóstico deflagrou que o problema enfrentado pelo setor educacional não era devido à carência de recursos, mas devido à má gestão dos mesmos. O Fundef surge como um mecanismo de aperfeiçoamento dos gastos em educação, mediante a redução do desperdício dos recursos.

Dessa maneira, defende-se o aprofundamento e a expansão da descentralização de programas, repassando a responsabilidade sobre a execução para os poderes locais, que estariam mais próximos dos beneficiários.

Mas, as pretensões do FUNDEF esbarram no fato de que, segundo Guimarães (1998), as características sociais e econômicas dos municípios não são levadas em conta na distribuição dos recursos do Fundo. Assim, dirá o autor, os municípios com melhores condições financeiras e que podem absorver até 100% das matrículas do Ensino Fundamental com seus próprios recursos deveriam “[...] transferir os seus excedentes para os seus vizinhos, numa espécie de hobinhoodismo regional” (GUIMARÃES, 1998, p. 110).

O que pretendemos demonstrar com o exposto, até o momento, é o fato de que não é pacífico que essas recentes medidas de financiamento da educação, no princípio tão salutares ao corpo da máquina administrativa federal, estejam sendo encaminhadas entre as três esferas de governo mediante a observação do ideário descentralizador do poder.

Ao deter-se no significado e nas implicações do FUNDEF para a redução das desigualdades entre os governos federados, Davies constatará que, orientado pelas inspirações privatistas do Banco Mundial, o Fundo

[...] apesar de prometer desenvolver o ensino fundamental e valorizar o magistério, praticamente não traz recursos novos para o sistema educacional brasileiro como um todo, pois apenas redistribui, em âmbito estadual, entre o governo estadual e os municípios, com base no número de matrículas no ensino fundamental regular, uma parte dos impostos que já eram vinculados à MDE – manutenção e desenvolvimento do ensino - antes da sua criação. (2000, p. 168, grifo nosso).

É notório, para o autor, que mesmo com a redistribuição orçamentária que se pretende disciplinadora dos gastos em educação promovida pelo FUNDEF, continua grande a desigualdade dos recursos legalmente disponíveis para cada uma das esferas do governo, este argumento mina o potencial equalizador e descentralizador do poder pretensiosamente disseminado pelo Fundo e atrelado à sua criação.

O processo de descentralização a que assistimos de forma crescente em nosso cenário educacional, nos anos de 1990, não se traduz em sinônimo de racionalização do processo de gasto, quanto mais de redistribuição de poder e participação na formulação de políticas financiadoras da educação.

Neste ponto, cabe-nos perguntar: e quais são os fins da racionalização dos recursos educacionais?

Os fins têm a ver – como é o caso da criação do FUNDEF - com o problema da gerência ou controle dos recursos educacionais pelo capital. Desta forma, a administração racional dos recursos tende a ser a garantia encontrada pelo Banco Mundial para obter retorno financeiro sobre as suas verbas aplicadas e empregadas no país. Ou seja, a garantia da expansão do capital desta agência financiadora. A racionalização dos recursos não tende a atender ao sistema de ensino ou a população que dele se beneficia, mas procura contemplar aos interesses da classe burguesa, investidora, especuladora e detentora dos meios de

produção e exploração do trabalhador. Este é o mito da racionalização irracional dos investimentos educacionais, pois não atende aos interesses de toda a sociedade.

Como seria possível se falar em descentralização administrativa neste cenário? Desmascara-se, assim, o mito que residiria sobre o fato de que o ideário descentralizante da educação estaria sendo acompanhado de uma democratização dos mecanismos decisórios. A descentralização ocorrida nesses moldes pode ser definida como uma descentralização tutelada, visto que por meio dela transfere-se a responsabilidade sobre a execução do gasto, mas não se alteram significativamente os mecanismos decisórios em relação à concepção da política educacional, os quais permaneceriam concentrados na cúpula do ministério. O governo caracteriza-se pela institucionalização da racionalização do processo de gasto em educação, no entanto, o esforço pela democratização das discussões sofre um golpe com o último mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.