• Nenhum resultado encontrado

2. JORNALISMO E CONSTRUÇÃO DO REAL

2.5 A narratividade das notícias de T

As notícias de TV possuem uma forma própria e seus elementos, integrantes do lide, são igualmente submetidos às estruturas organizacionais da mídia e na maneira como ela opera. Nos telejornais, os lides das notícias não se apresentam apenas no parágrafo inicial, como em um jornal impresso, as notícias são preparadas e organizadas de modo a serem vistas “integralmente pelos telespectadores sem diminuir o tamanho ou interesse da audiência ao longo do programa” (VIZEU; MAZAROLLO, 1999, p. 7 e 8).

A notícia, construída para ser entendida em sua totalidade, é formada pela cabeça da matéria mais o VT, podendo ainda ter uma nota-pé, complementando seu sentido. A notícia de televisão como é elaborada para ser assistida na sua totalidade não teria necessariamente um lide, mas um lidão. As informações são distribuídas ao longo de um ou dois minutos de matéria (tempo médio de duração das reportagens) com o objetivo de prender o telespectador, de tornar a apresentação do assunto mais interessante.

As notícias televisivas possuem um alto grau de narratividade e a narração se apresenta como a estrutura de onde e como se constrói um modelo de mundo. O noticiário é essencialmente narração. Sua ação é a de contar notícias e o sentido dessa narração é afirmar a realidade interpretada,mas cada notícia também é uma narração em particular que pressupõe uma ordem de ações sobre as quais se informa. Narração jornalística é dotar a realidade da vida cotidiana de sentido. É “dobradiça que funde uma linguagem com uma interpretação do mundo e, ao fazê-lo, põe em relação sujeitos e ações (indivíduos e propriedades), acrescentando um valor para a história: a compreensão” (FARRÉ, 2004, p. 138).

Narrar é reconhecer a presença ética de alguém que organiza o relato e se exibe em suas seleções, deixando aberta a possibilidade do destinatário reconhecer sua presença focalizadora. Assim, as ações dos jornalistas que desencadeiam a construção de sentidos por meio das narrativas noticiosas seriam éticas, na ordem do domínio do real e, poéticas, na ordem do domínio do imaginário, da criação. Os jornalistas manipulam o real para construir mundos possíveis (as narrativas jornalísticas) e o fazem postulando o destinatário como condição indispensável para desenvolver seu próprio potencial comunicativo (FARRÉ, 2004). Para Traquina (1999), “as formas literárias e as narrativas garantem que o jornalista,

um acontecimento numa notícia” (p. 169). Para Hackett (1999), o noticiário televisivo é uma forma particularmente potente de realismo, porque consegue combinar a narrativa com um nível visual de discurso:

A narrativa verbal procura constantemente ‘restringir’ o significado, unificar os fios soltos da interpretação, apresentar uma visão da nossa sociedade na qual existam formas institucionalizadas de conflito, mas sem contradições fundamentais. O discurso visual procura transmitir uma sensação de imediatismo, uma sensação de que ‘você está ali’ a ver os acontecimentos narrados a desenrolarem-se perante os seus próprios olhos. O filme funciona como o garante da validade da narrativa (HACKETT, 1999, p.125).

Para Bird e Dardene (1999, p. 266 - 267), as notícias ultrapassam as suas funções tradicionais de informação e explicação e contribuem para um sistema simbólico duradouro. Os métodos, as técnicas, as estratégias de apuração, as rotinas de produção e, enfim, o tratamento das informações na trama da facticidade, realizados pelos editores, ajudam a criar ordem a partir da desordem, estabelecendo as fronteiras do comportamento aceitável, “transformando o saber em contar”. As narrativas noticiosas oferecem aos telespectadores muito mais que o fato em si. Oferecem tranquilidade e familiaridade em experiências comunitárias compartilhadas, contando as coisas segundo o seu significado.

As narrativas dos telejornais utilizam mecanismos de ficção como estratégia para contar as novidades, entretanto, narrar, dramatizar, recriar a realidade não significa dar-lhe estatuto de ficção como criação, invenção e utilização de elementos imaginários (JOST, 2004). O noticiário ficcionalizado usa alguns elementos da ficção para contar as histórias, adaptando-se ao discurso televisivo e favorecendo a inteligibilidade dos relatos, entretanto,

O telejornal ficcionalizado não é, como tampouco é a ficção em si, o melhor dos mundos possíveis, mas pode constituir-se em um mundo possível adequado. Tampouco este novo telejornal representa a origem dos males informativos ou comunicacionais. Acarreta perigos, devido mais à falta de idoneidade, criatividade e risco potencial que engendra a ficção para narrar a realidade. Junto com esses riscos, todavia, o noticiário neotelevisivo20 possui a vantagem de interpelar, de maneira mais direta, ao novo telespectador e até adequar-se, de forma mais vital, ao seu relato pessoal (FARRÉ, 2004, p. 66-67).

Para Farré (2004), compreende-se mais facilmente uma notícia quando se coloca um acontecimento em um marco de percepção que lhe outorgue sentido. Com as notícias, os

20 Diz respeito à neoTV, distinção apresentada por Humberto Eco para designar a nova televisão. Segundo Eco, a

paleoTVé uma televisão que falava do mundoe era um lugar de fala restrito a poucos; a neoTV fala de si própria e de sua relação com o público. Para Eco, é própria da neoTV a abolição da fronteira entre realidade e ficção. Fontes: JOST, François. Seis lições sobre a televisão. Porto Alegre: Editora Sulina, 2004; FRANÇA, Vera V. A televisão porosa: traços e tendências. In: FREIRE FILHO, João (org). A TV em transição: tendências de programação no Brasil e no mundo. Porto Alegre: Sulina, 2009.

homens tomam conhecimento de versões narrativas da realidade e sabem mais sobre a sua própria existência. Segundo a autora, a narração ficcionalizada, a priori, nos proverá mais informação que a contida em qualquer personagem ou ação, pois o discurso audiovisual cria maneiras próprias de mostrar os acontecimentos sem que esse discurso constitua, ele mesmo, os fatos, que têm sua fonte em algum outro lugar.

Alguns produtores televisivos acreditam que a notícia deve estar estruturada como um ‘minidrama’, que apresenta um problema e sua resolução, “a televisão ao contar, nos conta: fala sobre como somos” (FARRÉ, 2004, p. 151 e 178). Além disso, as séries de reportagem sobre um tema ou a partir de um acontecimento com elevado valor para ser transformado em notícia, tão comuns nos telejornais, são apresentadas como se fossem capítulos de uma novela: ontem você viu, hoje você vai ver e amanhã você verá.

Coutinho (2003, p. 200) diz que a fórmula adotada pelos jornalistas brasileiros para organizar a informação na TV é idêntica à dos americanos: “uma estrutura narrativa dramática, como a imitação dos filmes de Hollywood”. As informações nos telejornais são apresentadas, em sua maioria, em formato de matérias editadas oferecendo ao público a imitação das ações (uma dramatização) que se desenrolam na vida real, fora da tela.

Ao contrário dos relatos jornalísticos de outros veículos de comunicação, notadamente a mídia impressa, que se apresentam como narrativa impessoal e alicerçada na narração dos fatos, na televisão a notícia se estrutura como drama, mostrado aos telespectadores por meio do registro das imagens, mimese das ações ‘observadas’ pela câmera, e do diálogo entre o telespectador, os entrevistados e jornalistas, personagens das estórias contadas (COUTINHO, 2003, p. 200).

A diferença entre uma narrativa jornalística ficcionalizada e dramatizada na TV e uma puramente ficcional é que a primeira é o resultado de uma verificação feita historicamente, conforme os ritos que a missão do jornalista oferece e exige. A narrativa jornalística usa a ficção como estratégia para contar a verdade dos fatos, advinda do rigor do método de verificação e das técnicas de criação dos elementos de verossimilhança, ou seja, o relato jornalístico nasce dos fatos, da apuração sobre eles e da capacidade técnica dos jornalistas em contarem histórias do cotidiano com valor-notícia (CABRAL; SANTANA, 2010).

Entendemos que a “manipulação”, a “simulação”, a construção de simulacros e de efeitos de realidade integram esses ritos jornalísticos cuja existência pretende dar veracidade às notícias e criar uma nova realidade que chamamos de Realidade Expandida. Os jornalistas adicionam elementos de ficção nas narrativas jornalísticas de TV e usam essas estratégias para construir verossimilhanças nas notícias. Esses procedimentos são acionados para a

construção da verdade jornalística, inspirada na verdade divina, a única verdade incriada, pois todas as outras seriam verdades criadas, construídas socialmente.