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2. JORNALISMO E CONSTRUÇÃO DO REAL

2.6 A construção da verdade jornalística

2.6.2 A verdade jornalística: da ética e da objetividade

A busca pela verdade é uma atividade inerente ao jornalista em seu processo de produção de notícias, que tem como pressuposto a seleção de alguns acontecimentos em detrimento de outros que vão se transformar em narrativas com base na realidade que eles interpretam e ajudam a construir.

Ao mostrar a relação entre jornalismo e verdade, Cornu (1999) diz que o primeiro dever do jornalista é respeitar a verdade, o direito que o público tem de conhecer a verdade. Para isso, ele apresenta a verdade como uma responsabilidade ética e como uma instância normativa e crítica no seio da atividade jornalística. No que diz respeito à responsabilidade ética, o autor promove uma espécie de reabilitação da objetividade como método de investigação no jornalismo, mas com o velho e bom elemento já conhecido: para validar esse método continua sendo necessário “rigor no processo de apuração, perante o objeto fugaz que é o acontecimento” (CORNU, 1999, p. 390 e 394).

A pressão do tempo e a difícil meta para atingir furos diante da concorrência não dispensam o jornalista de garantir uma correta apuração e descrição dos fatos, como prescreve a ética. As imposições e, ao mesmo tempo, facilidades oportunizadas pelas tecnologias digitais não desobrigam os editores de telejornais de publicarem unicamente informações cuja origem conhecem. Os jornalistas precisam “respeitar a verdade, com a qual o seu próprio ofício o confronta, e que só poderá abordar por meio de uma informação eticamente filtrada: através da exatidão de uma constatação, da justeza de uma prescrição, da autenticidade de uma expressão” (CORNU, 1999, p. 391 e 393).

Há, portanto, no processo de construção da notícia um jogo de intenções entre a objetividade na ordem da observação e, a imparcialidade na ordem da interpretação, com relação ao fato, que é o objeto e com relação ao jornalista, que é o sujeito. Ao instituir a verdade como instância normativa e crítica, Cornu (1999) acrescenta que a exigência da “verdade jornalística não se aplica unicamente à ordem dos fatos como exigência de exatidão,

mas também diz respeito à ordem do sentido, como exigência de justeza e à ordem da narrativa, como exigência de veracidade” (p. 395).

A notícia televisiva editada com imagens manipuladas e simuladas, manifestadas a partir dessa relação com os fatos pode ser entendida, no escopo deste estudo, como o resultado das operações jornalísticas com respeito à sua missão de informar, considerando que os editores constroem imagens para aproximar a notícia da verdade dos fatos. A verdade está presente nos códigos de ética de vários países do mundo que a consideram um princípio ético singular e a interpretam com pequenas e, às vezes, tênues diferenças. Para os alemães, o mais importante é respeitar a verdade; os suíços precisam muito antes procurar a verdade; já, para os ingleses, é necessário ter a certeza da exatidão da informação (CORNU, 1999; BARBEIRO; LIMA, 2002).

Os americanos afirmam que a verdade é o objetivo último e os franceses acreditam na verdade, mas colocada em um sentido contrário, como sendo a exclusão da mentira. Os portugueses decretam que o jornalista deve relatar os fatos com rigor e exatidão e interpretá- los com honestidade. Os suecos apontam para a necessidade de as notícias serem objetivas e exatas e os canadenses dizem que é direito dos leitores que as notícias lhes sejam apresentadas de maneira honesta e equânime (CORNU, 1999; BARBEIRO; LIMA, 2002). No Brasil, o artigo sétimo do Código de Ética dos Jornalistas dá conta de que “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação" (CÓDIGO, 2007, informação eletrônica).

Embora a verdade esteja inserida na lógica científica, pois só podemos chamar de verdadeiros os enunciados que conseguimos fundamentar, a verdade não é um privilégio reservado à ciência, já que ela está igualmente em jogo nas questões práticas, não apenas no domínio prático do conhecimento, mas no de interesses.

A exigência de verdade não diz só respeito à observação – o jornalista em face do paradigma do cientista. Diz também respeito à interpretação – o jornalista em face do paradigma do homem político. Tem mesmo a ver com a narração – o jornalista perante o paradigma do artista [...] Não se trata de distinguir a materialidade do facto e o seu significado, mas, pelo contrário, de manifestar a sua relação (CORNU, 1999, p. 396).

A notícia só pode ser objetiva se estiver em correlação com a realidade.Ela pode ser construída de forma coerente, com uma narrativa lógica, sequencial e adequada ao veículo, mas,se não corresponde aos fatos, é equivocada e/ou inventada. Para isso, os jornalistas

precisam investigar, pesquisar, ouvir fontes, levantar informações, checá-las, tratá-las, compará-las, indiferente do fato de eles pertencerem a um grupo social, a uma religião ou a um partido.

De acordo com Sponholz (2008), uma afirmação se torna objetiva quando confrontada com a realidade, e não por causa de quem a fez. Pena (1999) afirma que a objetividade do jornalismo não surgiu para negar a subjetividade, mas sim para reconhecer a sua inevitabilidade, pois os fatos sociais são construídos de forma tão complexa e subjetiva que não se pode cultuá-los como expressão absoluta da realidade. Guerra (1998) diz que objetividade jornalística é a “correspondência entre o dito pela notícia e o fato real noticiado”. Guerra (1998) defende o conceito de verdade no realismo, fundado sobre o primado do fato, estável, absoluto e disponível, que deve ser conhecido especularmente” (p. 32-33). Para alcançar um conhecimento verdadeiro do fato, os jornalistas se profissionalizaram e instituíram uma série de procedimentos que atendem a exigências de duas ordens:

Uma é o domínio de técnicas relativas à apuração e à reportagem que definem o padrão de competência profissional com que se realiza o trabalho: trata-se do que se poderia chamar princípios-competência. Outra é a intenção de querer efetivamente cumprir o imperativo ético fundante do jornalismo, em torno da qual se formulam princípios de conduta ética que poderiam ser chamados princípios-intenção (GUERRA, 1998, p. 31).

Para Vizeu (2005, p. 5), não basta só a "boa intenção, é fundamental que a comunicação difunda os fatos a partir da verdade". A imprensa, no intuito de garantir a circulação diária de seus noticiários, utiliza um conjunto de procedimentos que possibilita uma espécie de “produção instantânea de verdades” (SEIFERT, 2002, p. 2).

Tuchman (1993, p. 74 e 88) analisa a objetividade à luz dos procedimentos noticiosos enquanto atributos formais das notícias, das decisões dos jornalistas com base nas relações organizacionais e no senso comum enquanto base de avaliação do conteúdo noticioso. Por causa das pressões diárias a que os jornalistas estão submetidos, eles acabam criando mecanismos de defesa, como o uso “judicioso de aspas”, para poder se proteger, afirmando que o que escrevem é objetivo, imparcial e impessoal. Duas outras descrições de objetividade, utilizadas tradicionalmente no jornalismo e que se tornaram uma espécie de mito, cultuado até hoje, dizem que o “jornalista deve ir direto ao assunto, sem rodeios”, ou ainda deve separar comentários e opiniões das notícias.

Destacamos que nosso estudo é pautado pelo conceito de objetividade apresentado por Guerra (1998) e Sponholz (2009) e também como descrito por Vizeu (2007, p. 19): “uma das

principais preocupações do jornalismo é tentar reproduzir o fato tal como ocorreu. É garantir que o que está sendo relatado é verdadeiro”.