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A produção de sentidos no Processo de Manipulação

5. REALIDADE EXPANDIDA: A CONSTRUÇÃO DE MUNDOS POSSÍVEIS NO TELEJORNALISMO

5.2 Construindo mundos possíveis

5.2.1 A produção de sentidos no Processo de Manipulação

A produção de sentidos acontece no processo de edição observado em narrativas noticiosas da TV cobertas por imagens gravadas por um repórter cinematográfico e/ou por um cinegrafista amador-colaborador. As imagens gravadas são manipuladas para apresentar algum tipo de efeito que adiciona texturas e sentidos visuais capazes de interferir na percepção dos telespectadores sobre espaço, tempo, movimento e/ou sobre várias situações na matéria, despertando neles sensações adicionais.

As imagens são manipuladas pelos editores de imagens, sob a encomenda dos editores de texto, para atingir um sentido adicional à edição simples ou seca da notícia. Os jornalistas realizam esse processo como estratégia de edição para tornar as notícias mais verossímeis e compreensíveis, para enfatizar ou detalhar aspectos da matéria e ainda para melhorar a qualidade técnica da imagem. Quanto mais recursos tecnológicos de manipulação forem utilizados na produção de um produto audiovisual, maior será a possibilidade de tornar crível a representação (FEITOSA; ROSSINI, 2011).

Não é o acontecimento em si o que determina a fruição do espectador com a informação, mas sim “a enunciação contextual desse acontecimento”, sob a forma de notícia televisiva que passa pelo tratamento de imagens no sentido que damos no Processo de Manipulação descrito e analisado nesta seção. Um pacto comunicativo é firmado entre o jornalista e o espectador, em que o primeiro aparece como um profissional capacitado e confiável para interpretar parte da realidade cotidiana e que sabe fazer-crer, possuindo o controle sobre a estrutura da manipulação por meio da credibilidade adquirida. É nisso que se firma o truque dos telejornais (VILCHES, 1989, 254).

No Processo de Manipulação, realizado em imagens produzidas pelas próprias emissoras ou em imagens colaborativas que chegam às ilhas de edição, para atender às suas necessidades, os editores deixaram visíveis nas entrevistas os rastros de suas intencionalidades, quando precisaram: a) melhorar a qualidade da imagem para aumento da qualidade técnica e melhor visualização dos fatos; b) enfatizar e destacar visualmente uma informação com clareamento ou escurecimento de trechos da imagem e c) alterar e mudar movimento, tempo, espaço, lugares e situações nas ações desenroladas nas matérias.

Intencionalidades do Processo de Manipulação:

a) Enfatizar e destacar sentidos

A edição constrói uma representação visualmente coerente e significativa dos fatos na notícia. A estratégia de chamar a atenção para certos aspectos do acontecimento e de focalizar utilizada pela edição é o que Gans (1979) chama de highlighting, que significa destaque, seleção dos aspectos salientes do fato, ação ou personagem, colocando em segundo plano o que não seja considerado tão importante, novo e/ou dramático.

Essa intencionalidade de destaque foi observada em várias notícias, como a nota coberta narrada pelo apresentador exibida no JH. A notícia faz uma suíte da primeira reportagem exibida na segunda-feira da mesma semana sobre os ataques de um atirador em Santos-SP e é descrita mais adiante no Processo de Simulação.

Da cabeça até o final da nota coberta, a notícia tem 45 segundos. Desses, 35 segundos são dedicados ao VT, coberto em 80% por imagens gravadas em uma câmera de segurança de um prédio, o restante é coberto por imagens de arquivo. A matéria utiliza essas imagens das câmeras de segurança de um prédio, obtidas de forma exclusiva pela Rede Globo, que mostram e atualizam a ação de onde e como aconteceu o terceiro ataque, registrado na simulação da segunda-feira.

FIGURA 11: Tela do JH com imagens manipuladas na ilha de edição que registram a morte de uma pessoa vítima do terceiro ataque de um atirador misterioso em Santos, destacando, com um efeito de escurecimento, partes da cena (o VT foi exibido em 14/04/2011).

A edição manipulou parte da imagem (FIGURA 11) para tratá-la e adicionar um círculo que escurece a cena da ação que tem maior impacto: os feridos no chão. No off,o apresentador descreve as ações enfatizadas nas imagens cujos trechos são destacados por um círculo de clareamento, na primeira tela, ou escurecimento, na segunda tela.

Observe que um carro preto passa em frente ao prédio.Logo depois dois homens caminham no sentido contrário e parecem procurar algo no chão. O motorista do carro preto volta e pára como se fosse pedir uma informação. Os rapazes se aproximam e são atingidos. Um deles levou seis tiros, o da direita e, mesmo assim tenta se levantar. O outro, de blusa rosa, morreu na hora.

A imagem só existe para ser vista por alguém, por um espectador histórico definido (AUMONT, 1995), e até mesmo a imagem automática, como essas das câmeras de vigilância, é produzida de maneira deliberada, calculada, para obter certos efeitos sociais. As imagens registram dois crimes, foram usadas pelo JH e receberam sentidos adicionais, foram manipuladas, receberam destaques, tornaram-se mais legíveis, pois a qualidade da imagem determina o contexto físico/fático da informação: “quanto melhor for a definição da imagem melhor será o rendimento perceptivo do leitor” (VILCHES, 1989, p. 291).

Ao adicionarem efeitos nas imagens da câmera de segurança de um prédio os editores produziram sentidos adicionais demonstrando suas intenções de: a) melhorar a qualidade da imagem, com o escurecimento de um trecho da cena, tornando-o mais nítida, dando uma maior visibilidade para aumentar o quadro de compreensão do telespectador sobre o fato e b) dar uma ênfase nas ações pelo realce de algumas cenas com círculos que destacam os momentos cruciais do ataque, aumentando o grau de dramaticidade do fato; a imagem da violência no telejornal produz um choque emotivo, nós a vemos mais do que a vivemos (JOST, 2006).

FIGURA 12: Tela do JH com imagens manipuladas na ilha de edição com a maioria do quadro borrado para proteger informações sigilosas da cliente-personagem da reportagem (o VT foi exibido em 14/04/2011).

Em outra reportagem exibida na semana (FIGURA 12), o JH divulga que estelionatários estão copiando folhas de cheque para roubar dinheiro de correntistas. Para proteger as informações de movimentação da conta corrente da cliente-personagem mostrada na matéria que havia sido lesada com o golpe, os editores usaram a técnica do morphing para

borrar quase toda a imagem do extrato da conta bancária dela, deixando nítido apenas um pequeno trecho, pondo em destaque uma parte que reforça o valor do cheque citado no off:

neste extrato de um outro cliente aparece um cheque compensado de 985 reais e 40 centavos. Logo abaixo o mesmo valor devolvido.

O repórter informa que um cheque falso havia sido descontado e que o banco já havia devolvido o dinheiro à cliente. O trecho do extrato que enfatiza o valor do desfalque destaca e reforça as informações dadas na notícia e busca atender aos princípios editoriais da Rede Globo (2011, informação eletrônica). O extrato é o registro do banco que prova o crime de estelionato. A imagem do extrato tem um valor de documento para o editor do telejornal que a modifica para proteger as demais informações da cliente obtidas no processo de apuração jornalística, mantendo-as em sigilo.

Para Jost (2004, p. 36-37), quando um documento audiovisual faz referência ao mundo, isso significa que “nós podemos levar a sério o que ele nos mostra”, porque, como “signo do mundo” (os fatos do dia, o telejornalismo), ele tem propósitos verificatórios, como “signo do autor”, ele exprime uma verdade profunda dos indivíduos, cuja autoridade não é contestada (testemunhos do repórter, das sonoras da delegada lesada) e, por fim, como documento, ele traz em si uma verdade incontestável (a imagem do papel do extrato).

FIGURA 13: Tela do News com imagens manipuladas na ilha de edição dos dentes feitos com células-tronco, destacando, com um efeito de escurecimento, partes da cena (o VT foi exibido em 27/04/2011).

Uma terceira notícia, exibida no RedeTV News da RedeTV!, usa um efeito de escurecimento para destacar um trecho de imagem em uma reportagem sobre os pesquisadores que estão desenvolvendo um estudo para criar dentes a partir de células-tronco (FIGURA 13).

O efeito de escurecimento (DANCYGER, 2007) inserido ocupa grande parte do quadro da imagem, deixando clara uma pequena parte, com um círculo que destaca a imagem de um dente criado e usado como molde nas experiências da pesquisa com células tronco e serve de implante natural na reposição de dentes perdidos, como indica o off: primeiro, faça

um molde na forma desejada.

FIGURA 14: Tela do News com imagens colaborativas manipuladas na ilha de edição que registram os estragos causados pelo tsunami no Japão, destacando, com um efeito de escurecimento, partes da cena (o VT foi exibido em 28/04/2011).

Essa outra notíciado News, no formato de nota coberta, sobre a divulgação de um vídeo com imagens do tsunami, feitas pela guarda costeira do Japão, usa um efeito similar: a maioria do quadro de imagem foi escurecida com um efeito deixando uma pequena parte clara destacada com um círculo.

A edição tentou deixar mais claro o que se queria destacar na cena, ilustrada na FIGURA 14, para tornar mais visível o que é dito no off: Carros, aviões e helicópteros

passam flutuando diante da câmera. Uma imagem assustadora: é possível ver ao fundo o topo de uma torre de comando, o que dá uma ideia do volume de água que atingiu o aeroporto.

Imagens que impressionam também são as de aviões sendo levados pelas águas como se fossem de brinquedos, semelhantes aos efeitos de realidade usados pelo cinema-catástrofe que usam miniaturas animadas para mostrar acidentes naturais como terremotos, enchentes, furacões e tempestades nos filmes.

FIGURA 15: Tela do News com imagens manipuladas na ilha de edição que destacam trechos do Twitter do Senador Requião (o VT foi exibido em 25/04/2011).

Outra nota coberta do News informa sobre um ocorrido que envolveu o senador Roberto Requião e um repórter de rádio. A notícia dá conta de que o senador arrancou o gravador do repórter e apagou o conteúdo da gravação porque se irritou com as perguntas. O senador confirmou o ato depois publicando na página de seu twitter: acabo de ficar com o

gravador de um provocador engraçadinho. Numa boa, vou deletá-lo.

A imagem da página do twitter do senador foi manipulada e recebeu um clareamento e um zoom out no trecho que mostra a fonte da informação (FIGURA 15) e em outros trechos da imagem, que destacam os elementos que eram descritos na narração do apresentador na nota coberta, expandindo a compreensão sobre o fato noticiado.

b) Melhorar a qualidade técnica da imagem

No Jornal Hoje, o editor de imagem tratou uma imagem usada na edição de uma matéria sobre os espetáculos da paixão de Cristo na Semana Santa em várias cidades de Pernambuco, no quadro semanal Tô de folga, sempre exibido às sextas-feiras mostrando opções de turismo no Brasil.

FIGURA 16: Tela do JH com imagens manipuladas na ilha de edição para melhorar sua qualidade em uma reportagem sobre a programação da Semana Santa em Pernambuco (o VT foi exibido em 15/04/2011).

O editor melhorou a imagem (FIGURA 16) dando um ganho de cor no céu azul e nas

nuvens brancas, acrescentando um escurecimento nas bordas da imagem da vista do Cristo

em Garanhuns, Pernambuco, conforme diz o off: a vista do Cristo a mil e trinta metros acima

do nível do mar.

c) Alterar movimento, tempo, espaço, lugares e situações

Em uma reportagem especial, do quadro Mercado de trabalho, o JH dá dicas sobre como melhorar o desempenho na hora de falar em público e faz um alerta sobre os erros que devem ser evitados no ambiente de trabalho. A notícia mostra vários efeitos e um deles diz respeito à intencionalidade dos editores no processo de manipulação para alteração no movimento e no tempo da imagem.

FIGURA 17: Tela do JH com imagens manipuladas na ilha de edição que usou o efeito do fast para acelerar os movimentos em uma reportagem do quadro Mercado de Trabalho (o VT foi exibido em 11/04/2011).

A primeira tela da FIGURA17 mostra que os editores usaram a técnica do fast para provocar um efeito de aceleração dos movimentos em trechos de imagens de pessoas caminhando nas ruas ao falar no off: você é um desastre quando fala em público? O efeito produz um sentido de rapidez e agilidade exigidas pelas constantes mudanças no mercado de trabalho.

O mesmo acontece em outro trecho, na segunda tela da FIGURA 17, ao descrever no

off um especialista entrevistado na matéria como: doutor em economia, risonho, falante. Mais

uma vez o fast foi utilizado aumentando a sensação de que se trata de alguém que é ágil e fala bem ao se apresentar diante de uma plateia com desenvoltura.

Em qualquer que seja a intenção ou o processo de edição, a temporalidade do telejornal e de suas notícias é sempre produzida. O fator tempo é um dos elementos de manipulação das estratégias informativas “mais complexo e semanticamente produtivo”. A utilização do fast (que acelera) ou do slow (que retarda) são dois entre tantos outros recursos utilizados nessa produção. O tempo do telejornal não é um tempo concreto. Não é o tempo do acontecimento, mas sim um tempo formal, abstrato, semelhante ao tempo real do computador (VILCHES, 1989, p. 156).

FIGURA 18: Telas do JH e do News, respectivamente, que exibem efeitos similares de passagem usados nos cortes entre as várias notas cobertas dos lapadões internacionais.

Os dois telejornais (JH e News) usam o chicote de janela em todos os lapadões internacionais indicando a passagem de assunto entre uma nota coberta e outra, permitindo uma suavização nos cortes e uma orientação na mudança (FIGURA 18).

FIGURA 19: Tela do JH com imagens manipuladas na ilha de edição que mostram efeito de simultaneidade de vários quadros de imagem ao mesmo tempo na reportagem sobre um castelo medieval em Nova York (o VT foi exibido em 16/04/2011).

A reportagem da coluna Crônicas de Nova York do JH informa sobre um castelo com arquitetura medieval que guarda tesouros culturais na cidade. A edição de imagens constrói uma montagem que imita um mosaico com vários quadros de imagens na tela da TV em vários tamanhos e formas como na primeira tela da FIGURA 19, sobre o castelo medieval em plena Nova York, cidade símbolo dos tempos modernos.

O próprio castelo faz uma imitação do real: no off, acompanhado por uma música medieval em BG, a repórter informa que o castelo é um museu e que fora construído por John Rockfeller Jr. para abrigar obras de arte da idade média, que na visão dele ficariam fora da realidade se ficassem em um prédio de arquitetura moderna. Na cabeça da matéria a apresentadora faz um convite à imaginação: e você já imaginou voltar à idade média durante

uma viagem aos Estados Unidos?

O off da repórter inicia continuando a aguçar a imaginação do telespectador: o que faz

uma construção medieval em Manhathan? [...] ele não queria um prédio moderno para as peças medievais e encomendou um projeto arquitetônico com traços dos claustros franceses, de 1300.

Mais adiante a repórter mostra as diferenças de estilos colocando em uma mesma tela da TV duas pequenas telas para mostrar a comparação entre o castelo e o edifício Empire

State, construído em Nova York, sete anos antes do castelo (segunda tela da FIGURA 19).

Mais uma vez a matéria mostra uma edição que imita um mosaico de imagens, para cobrir o que a repórter chama a atenção no off: vejam quanta diferença de estilo.

Essa estratégia de edição é comum em outras reportagens da coluna Crônicas de Nova York. A divisão da tela da TV em várias imagens, dando um efeito de simultaneidade de imagens, nos remete a uma característica da linguagem do computador cuja interface apresenta múltiplas janelas abertas na tela (CANNITO, 2010). Essa técnica de split screen,

bastante utilizada no cinema na denominada montagem paralela (DANCYGER, 2007), cujo tempo para montagem é maior, foi pouco ou nada utilizada nos produtos audiovisuais da televisão analógica. Entretanto, agora é possível de ser usada, diariamente, em questão de segundos, na edição digital feita em computadores, para isso basta que o editor queira usar e que o uso do efeito de simultaneidade seja apropriado ao assunto da matéria.

Essa montagem que explora o elemento espacial, mesmo enfatizando conflitos, “segue a lógica da coexistência, muitas vezes de contrários”, e tem se apresentado como bastante adequada para expressar algumas questões pertinentes ao mundo contemporâneo (CANNITO, 2010, p. 139). A montagem imitando o mosaico na reportagem do JH enfatiza essa coexistência, do velho e do novo, da convivência de culturas diferentes em um mesmo espaço geográfico e histórico.

O uso da técnica do split screen demonstra uma tendência à convergência das linguagens midiáticas no telejornalismo, pois além de fazer referência à interface computacional e à montagem paralela do cinema também nos remete a outras mídias, outras plataformas, como a dos jogos eletrônicos que usam a simultaneidade na tela para apresentar ao jogador vários enquadramentos de uma mesma ação, aumentando seu catálogo de informações e seu poder de definição de estratégias e de movimentos capazes de fazê-lo jogar em condições mais favoráveis e até ganhar o jogo. A convergência de linguagens também é percebida mais adiante em outros momentos ao longo do Capítulo.

FIGURA 20: Tela do News com imagens manipuladas na ilha de edição que criam efeitos de realidade em uma reportagem que mostra a modelo Gisele Bündchen se exibindo na vitrine de uma loja em São Paulo (o VT foi exibido em 28/04/2011).

Uma reportagem exibida no News da RedeTV! mostra a modelo Gisele Bündchen se exibindo em uma vitrine de uma loja em São Paulo. A notícia é um reino de efeitos que